Congo em Jacaraípe - por Rubem Braga
São cantigas de escravos? Parecem ser de escravos soldados que daqui, de São Pedro de Jacaraípe, doce praia do Espírito Santo, eram mandados para o rio Doce ou o Paraguai. A música desse congo é triste mas viva, e paramos o carro na estrada para ouvir.
“Catarina minha nêga
Teu senhor quer te vender
Para mandar pro rio Doce
Para eu nunca mais te ver”.
Catarina é a amada, e é também a fiandeira.
“Catarina minha nêga
Me fiai esse algodão
Que esses rapazes de agora
Só prometem mas não dão”.
O estribilho é muitas vezes repetido:
“Ora fia o fuso;
Oh Iaiá stou fiando”
Há uma comparação lírico-militar:
“Atrás de suas passadas
Meus olhos chorando vão,
Como soldado na praça
Atrás de seu capitão”.
Agora não é mais Catarina, é ele quem vai para a morte:
“Não sei que será de mim
Quando eu for pra São Mateus;
Menina, comprai-me a baixa,
Quero ser cativo seu”.
O português não é perfeito, mas se entende, e às vezes é belo. Há um general de guerra que traz patente do Rei, mas de repente tudo isto é posto de lado porque aparece uma informação de última hora que d. Cidalina Santana nos transmite com sua voz lamuriosa:
“Vou lhe dar uma notícia
Que eu já tinha me esquecido;
Faz 1.500 anos
Que o menino era nascido;
Ele nasceu em Belém
Na era de 1.004,
Debaixo de uma pedra
Toda cercada de mato”.
Esta versão do Natal é um pouco estranha, mas não há dúvida de que “quatro” quase rima com “mato”.
Agora acontece um naufrágio em que morrem muitos inocentes – “na barra do Benevente foi uma nau para o fundo” – aparece novamente um general, o Brasil já venceu o Paraguai e “nós já podemos voltar”.
Batem as “barricas” e a caixa, ronca uma cuíca imensa, negra, feita de casca de um sói tronco de árvore, tine o “ferrinho”, tocam os “cassacos” seu reco-reco, aquela voz de mulher velha é plangente, uma canoa vem baixando o pano na entrada da barra, e meda uma tristeza vaga e boba, saudade da infância, lembrança de mulher que não ama, vontade de morrer do Paraguai...
Fonte: Crônicas do Espírito Santo. 1984
Autor: Rubem Braga
Obs.: Este livro foi doado à Casa da Memória de Vila Velha em abril de 1985 por Jonas Reis
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2011
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