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Doutor Lucilo, o Rei da Praia do Suá

Na foto, o prédio branco é o P.A. da Praia do Suá. Onde estão os barquinhos, atualmente é a Rua Almirante Tamandaré

- Olha aqui, negão, tenho um peru para entregar ao Doutor Lucilo. Pode chamar o Doutor?

- Doutor Lucilo sou eu. Pode entregar, - respondeu o negão, sem deixar de regar o jardim de sua bela casa, uma rotina que mantinha há anos, sempre bem cedinho.

O rapaz do interior havia viajado horas para fazer a entrega, um presente do patrão para o médico que atendeu com presteza a sua mulher.

- Não brinca, crioulo. Vai logo chamar o seu patrão que eu não tenho tempo.

O rapaz não poderia imaginar que o Doutor Lucilo, um médico então famoso, rico, fosse um negro, ainda mais que naquela hora da manhã, com um calção branco, surrado, peito nu, estivesse a molhar o jardim com tamanha simplicidade.

Este fato, verdadeiro, contado pelos próprios seus próprios filhos, faz parte do rico folclore que envolveu esse médico negro que se estabeleceu na Praia do Suá, então um bairro pobre, habitado por pescadores portugueses.

Ali, Doutor Lucilo Borges Santana fez fama de bom vivant, mau pagador, mulherengo e um bom cirurgião obstetra, além de promover as melhores festas em sua bela casa, sempre com uma atração especial, um cantor do Rio, ou um famoso escritor, que convidava, pagando todas as despesas.

“Viver é hoje, amanhã a Deus pertence”, dizia o Doutor Lucilo, acompanhado de um sorriso cínico, sempre vestido com roupas brancas de linho S-120, importado.

Entre os anos cinqüenta e sessenta, duvido que existisse alguém em Vitória que vivesse a vida mais intensamente do que ele. Pelas suas festas, nessa época, passaram Vinícius de Moraes, Carybé, Jorge Amado, Elizete Cardoso, Eliana Pitman e Walmir Ayala.

Filho do funileiro baiano Mestre Amaro, Doutor Lucilo começou cedo a sua luta. Levava a marmita para o pai na Escola Artífice, hoje Escola Técnica, e ia para o colégio. Logo se encantou pela medicina e fez com que o pai o deixasse partir para o Rio de Janeiro. Não ia em busca de aventura, mas atrás de uma profissão que o tornasse digno, numa época em que o negro não passava do curso primário.

Formou-se na escola de Medicina da Praia Vermelha, em 1935, e voltou a Vitória estampando um orgulho que carregou pelo resto da sua vida. Na Praia do Suá tratou de realizar outro sonho, o de construir um hospital, São Sebastião, então o mais moderno na década de 50, no Espírito Santo.

Mas ainda era pouco para aquele negro, já então famoso na cidade. Era o orgulho da Praia do Suá. Em torno dele o bairro foi crescendo.

Mas crescia conforme a sua “música”. Contam os antigos que o Doutor Lucilo não gostava de pagar a ninguém, porque gastava tudo com festas, viagens e mulheres. Mas quem ousou chamá-lo de bígamo ou mau pagador enquanto era vivo?

Falam que a Praia do Suá tem duas fases: antes e depois do Doutor Lucilo.

Enquanto era vivo e ali morava, fazia compras para o hospital na padaria, no açougue ou na peixaria, mas nunca pagava. Os comerciantes reclamavam, longe dele, de que ficavam sem capital de giro para comprar novas mercadorias.

Quando ele deixou o bairro, o comércio progrediu e a Praia do Suá ficou grande.

Devoto de São Pedro e São Sebastião, Doutor Lucilo nunca deixou de ajudar os pobres e o padre da igreja do bairro quando das famosas festas de São Pedro. Certa vez doou um grande e valioso terreno para a construção do Grupo Escolar da Praia do Suá. Ele foi o responsável pelo parto de várias gerações do bairro. Às vezes nem cobrava. Era um grande cirurgião e os outros médicos o respeitavam.

No seu curriculum consta que e 1956 passou em 1º lugar num concurso de cirurgião no Rio e ganhou um estágio no Colégio Internacional de Cirurgiões, nos Estados Unidos. Ali, classificou-se em 1º lugar entre os estrangeiros internos.

Numa época em que viajar para o exterior era coisa de rico, o Doutor Lucilo deu a volta ao mundo por duas vezes. Em Guarapari fechava então o único hotel da cidade, o Guará, para promover grandes festas para os amigos de fora. No Rio, fundou o clube da Xavier da Silveira, em Copacabana, que reunia médicos seus amigos, e era cliente cativo do famoso Hotel Presidente, na Praça Tiradentes.

Até a sua morte em 1995, ao lado de uma mulher que o acompanhou nos últimos anos de vida. Doutor Lucilo permaneceu elegante, charmoso e mantinha o orgulho no rosto negro e redondo. Não deixou por menos, pagou as suas dívidas com grandes obras: os filhos formados, três deles médicos, um hospital e a Praia do Suá que sempre amou.

E as viúvas? Bem, as viúvas foram muitas, brancas e negras.

 

Por Ernane Buaiz – Jornalista
Livro: Escritos de Vitória – 15- Personalidades de Vitória, 1996
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2012 

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