Educação e Cultura - Por Gabriel Bittencourt
Há aproximadamente um mês, no dia 18 de setembro, comemorou-se o 36º aniversário da Televisão no Brasil, surgida com a TV Tupi de São Paulo, Canal 3 (posteriormente Canal 4), quando estava sendo dado o maior passo, até então, para a conquista do maior potencial de comunicação ao alcance do homem.
Hoje o país conta com mais de 120 estações de TV, algumas pertencentes ao Estado ou Fundações. Paralelamente, contamos, ainda, com o maior número de emissoras de rádio do Mundo, mais de 1600 estações; no entanto, é através desses mesmos meios de comunicação que assistimos estarrecidos à desinformação reinante a propósito da Constituinte, assembleia encarregada desse verdadeiro estatuto da nação: a Constituição. Estarrecidos também ficamos quando verificamos que, nestes 36 anos da televisão no Brasil, pouco se fez para promoção da cultura e educação nestes poderosos meios de comunicação.
Uma Assembleia Nacional Constituinte subentende um Poder ilimitado — e ai reside sua soberania — não deve, por conseguinte, estar sujeita a estudos pré-estabelecidos, e, sobretudo, o mandato pelo povo conferido deve ser exclusivo para a Assembleia Nacional Constituinte (pois, em caso contrário, o eleito poderá legislar em causa própria), terminando com a confecção da Carta, que, por seu turno, deverá sofrer o crivo do plebiscito. E a tendência atual não é esta.
Assim sendo, no pais campeão mundial da comunicação radiofônica e possuidor de um sofisticado sistema de televisão, "cosmopolita por vocação e planetária por extensão" mas que apenas promove o superficial da informação, mais uma vez deixamos escapar a perspectiva histórica de uma verdadeira participação popular. Quarenta anos após a ditadura estado-novista o pais ainda se conserva também campeão do analfabetismo.
As mesmas elites que, no passado colonial, impediam o aparecimento da imprensa (só surgida em 1808), que infligia extrema desigualdade à massa da população brasileira, juridicamente escrava até 1888 e desumanamente explorada a partir daí, ainda projetam seus resquícios neste final de século, através da manutenção do status quo do sistema viciado e sustentado pelas mentalidades tradicionais, que não abrem mão de seus privilégios em benefício das reais modificações a que aspira o povo brasileiro.
Em tudo isto está implícito o problema educação e cultura, cuja valorização e real prioridade só virão através de uma constituinte livre e soberana.
Por isso, reitero, apesar do domínio absoluto da propaganda eleitoral em torno do governo do estado, desvirtuando o significado do próximo pleito, a eleição constituinte será a mais importante dos últimos 40 anos. Portanto, não repitamos o voto; não vamos premiar aqueles que nos estão frustrando a possibilidade de uma real participação na vida pública brasileira. A Constituinte ainda poderá ser livre e soberana. A Constituinte ainda poderá dar sua contribuição para extirpar a defasagem do homem brasileiro, e isso só poderá realizar-se a começar pela educação.
A maior riqueza de um país não são as indústrias, as estradas, pontes ou fábricas. O homem é, na realidade, o capital mais produtivo de uma nação. O homem tem capacidade de produzir riqueza, de explorar as reservas naturais, de construir uma infra-estrutura econômica.
Dentro deste princípio, o dinheiro dispendido em educação e cultura não será jamais um gasto mas investimento; elemento essencial do próprio processo de crescimento econômico, porque o cidadão que se educa acarreta um acréscimo de produção. Ainda estamos muito aquém de alguns países que fizeram da educação uma prioridade. O México, por exemplo, dedica uma média anual de 25% de seu orçamento para educação. Enquanto só aplicamos 20 dólares per capita, a Argentina dedica 28, a Venezuela 63, o Japão 50, Bélgica 320, Canadá 452. Mas sobretudo, empregamos mal a verba destinada à. educação.
As escolas estão a exigir reformas ou novos prédios, falta equipamentos, os professores são mal remunerados, e o aluno, principalmente, a criança, faminta, não tem ânimo para estudar. Aliás, a preocupação com a alimentação tem de iniciar-se com a gestante e estender-se pelo período pré-escolar até a educação regular. A educação é um direito de todo cidadão e criança com fome não estuda. A oitava potência econômica mundial, o 5° produtor de armamento do globo, é o 6° maior bolsão de misérias e desigualdades sociais.
A educação deve visar dar ao homem capacidade de adaptação à sociedade em que vive e não a um grupo ou classe. O professor deve ter liberdade em sua cadeira e, no exercício de sua profissão, não deve sofrer restrição alguma de caráter filosófico, religioso ou político.
Segundo dados do IBGE, a população brasileira é composta na sua maioria de jovens. Cerca de 60% encontram-se na faixa etária até 24 anos, portanto, em idade escolar ou pré-escolar. Essa massa de educandos, e a enorme quantidade de adultos analfabetos ou semi-alfabetizados estão a exigir um investimento nacional para educação bem superior ao investimento dos anos do regime de excessão. A partir de 1964 a despesa orçamentária para educação caiu de 11% para 5% em 1981.
Tudo isso só fez agravar as alarmantes características da situação educacional no Brasil, que transcende ao mero aumento da verba.
A pirâmide educacional brasileira não consegue perder a forma, na realidade, de um alongado obelisco com uma extensa base. Tomando-se em consideração o número 1.000, vai se afunilando com a evasão de 880 alunos até as quatro últimas séries do 1° grau, reduzindo-se a 60 no 2º grau, e apenas 18 daqueles 1.000 estudantes conseguem o diploma superior.
As comparações realizadas em alguns países desenvolvidos demonstra a realidade precária da nossa escola: De cada 1.000 alunos que ingressam no sistema educacional norte-americano 170 chegam a diplomar-se, na Grã-Bretanha 98 e na União Soviética 70. Tudo isso evidencia o aspecto dramático de evasão escolar, cujo maior índice (60%) atinge a primeira e segunda séries do curso primário.
Segundo os técnicos, uma das causas desse quadro é o alto índice de reprovados no 1º ano primário que se eleva a 50% mas, sem dúvida, a fome está subjacente, devido as precárias condições da massa da população brasileira. Acrescente-se, ainda, a distância da escola, sobretudo no meio rural, a deficiência do ensino primário, a má qualidade do corpo docente, os currículos irreais, não havendo diferença entre os programas rurais e urbanos e a discriminação no que diz referência à igualdades de oportunidades.
O 2º grau ainda está, em grande parte, entregue à iniciativa privada, sendo um impedimento à democratização do ensino, pois é inacessível à maioria da população mais pobre. Também, muitos jovens brasileiros, ao atingirem a idade mínima para trabalhar — 14 anos —, são forçados a ingressar no mercado de trabalho devido a baixa renda de suas famílias. Além do mais, o academicismo do nível médio (73%), quase não oferece suporte para a vida profissional. Por isso é necessário também uma nova reforma, com objetivo de dar habilitações profissionais ao nível de 2º grau para que o estudante possa enfrentar uma profissão.
Por tudo isso assistimos, anualmente, às lamentações sobre o número de vagas na época do vestibular. E isso é um problema sério e deve ser resolvido. Numa sociedade verdadeiramente democrática isto não ocorreria. Não há, na realidade, uma necessidade intrínseca de selecionar os candidatos ao ingressarem no curso superior. O número de alunos que aflui aos vestibulares é bem superior ao número de conclusões do último ano do 2º grau. Esta defasagem demonstra os excedentes dos anos anteriores, os que foram desclassificados e tentam mais uma vez e os vestibulandos oriundos dos cursos supletivos, aflorando mais uma vez as deficiências de nosso ensino que não está ajustado as necessidades do mercado de trabalho, não se adequando os 1º e 2º graus às nossas reais necessidades, tornando-se a Universidade, por sua vez, um instrumento de poder político, distorcida em suas prioridades, como fruto da sociedade escravocrata e aristocrática que dominou o sistema educacional brasileiro.
Isso só poderá ser corrigido na nova escola. Uma escola que supra as deficiências das distorções sociais no país, com mais verba e, sobretudo, com o emprego adequado desses investimentos, com vistas à realização do homem brasileiro, que só poderá atingir sua plenitude através da correção das desigualdades sociais tão evidentes na escola brasileira.
A Gazeta. Vitória, 27 de outubro de 1986.
Fonte: Notícias do Espírito Santo, Livraria Editora Catedra, Rio de Janeiro - 1989
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2021
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