Festa de São Pedro - José Carlos Mattedi

A comemoração ao santo de devoção dos pescadores na Praia do Suá é, depois da Festa de Nossa Senhora da Penha, o mais popular festejo religioso do Espírito Santo e a mais antiga festa comunitária do município de Vitória. Iniciada na década de 20 pelos marujos de origem portuguesa, serviu durante todos esses anos para manter as tradições históricas do bairro e para reafirmar os valores de irmandade da comunidade praiana. Aquilo que começou apenas como um ato de louvação a São Pedro, então comemorado modestamente numa enseada tranquila, porto de barcos e pouso de redes, acabou ganhando impulsos impensados pelos primitivos pescadores.
Um dos objetivos dos festeiros do arrabalde era levantar fundos para a construção de uma capela — um sonho concretizado. No princípio, a festividade tinha ares de quermesse e acontecia em área que ia da areia da praia até a Rua Almirante Tamandaré, então de terra batida. O chão era coberto por folhas de mangueira, enquanto muros e postes eram enfeitados com palmas de coqueiro e varas de bambu. E, como a data de devoção a São Pedro é no mês de junho, coincidindo com dois outros santos (São João e Santo Antônio), a festa tinha espírito junino, com fogueiras, bandeirolas coloridas, barraquinhas, pau-de-sebo, leilões de prendas, balões, animadas quadrilhas, comidas típicas e quentões. Havia, ainda, danças capixabas típicas como o rancho de boi e o congo.
O rancho de boi, ou teatro do boi, bailado popular com origem no bumba meu boi, tinha seu espaço no festejo. Conta Maria Assumpção que a dança girava em torno da morte e ressurreição do boi, uma peripécia acompanhada por marchinhas conforme as quadras do momento. Parte de uma das músicas ela não esqueceu, que dizia assim:
Levanta boi, levanta boi
Levanta e não sapateia
Que na Praia do Suá
Os teus olhos 'alumeia'
Na ponta do meu punhal
Eu vi uma estrela reluzir
Se encontrares com o boi estrela,
Temos guerra no 'Brasir'...
No cais da praia, aportava uma baleeira já trazendo um altar, onde era colocada a imagem do apóstolo padroeiro. O padre celebrava a missa, ocorrendo também muitos batizados. Mais tarde, aconteciam as regatas de pescadores e de moças à beira da praia com numerosa assistência. Em seguida vinha a procissão pelas ruas do bairro, para só depois sucederem os animados leilões de prendas. À noite, iniciava-se a festa religiosa-profana. Com o passar dos anos, a comemoração tornou-se um dos maiores eventos comunitários da Ilha de Vitória, atraindo grande público ao Suá, incluindo autoridades. De 1938 a 1940, o governador Punaro Bley esteve presente.
Com o tempo, incluiu-se a procissão marítima. A terrestre saía da sede da Colônia, com a imagem de São Pedro carregada em andor e acompanhada pelos devotos em prolongados cantos litúrgicos pelas ruas do bairro. A partir de 1937, com a construção da igreja, passou a sair da Rua Neves Armond. A cerimônia marítima entrou na programação com a chegada dos barcos a motor, nos anos 50. Dezenas de baleeiras seguiam a barca-mãe que levava o padroeiro da prainha até a Ilha do Príncipe. Depois, dirigiam-se para a frente do Convento da Penha, onde se estendia a rede de São Pedro e os anzóis eram benzidos. Com o aterro, no início da década de 70, o cortejo passou a sair do terminal pesqueiro. No final dos anos 80, devido à tragédia do Bateau Mouche, na Baía da Guanabara, a Capitania dos Portos suspendeu a procissão por alguns anos, só retornando em 1993.
Anos antes, porém, a festa, que então era organizada com sucesso pela igreja e pela Colônia de Pescadores, deixou de ser uma só: uma — a da paróquia — passou a ocupar o espaço físico da rua Neves Armond, e a outra, a rua Almirante Tamandaré, sob os auspícios dos pescadores. Recentemente, a partir de 1997, o festejo deixou o centro do bairro e mudou-se para a Praça do Papa, na Enseada do Suá, numa parceria entre a colônia e a prefeitura de Vitória. O evento, assim, perdeu o caráter comunitário e ganhou contornos cosmopolitas, arrastando multidões para os shows artísticos e culturais nos quatro dias de comemoração. "Hoje é uma festa da cidade, e não mais só da Praia do Suá", ressalta Zezito Maio.
O fato é que a igreja preferiu dar à manifestação festiva um cunho mais comunitário, achando na época que a comemoração estava dando mais ênfase ao profano e ao comercial do que ao religioso. Já os pescadores decidiram seguir o processo de crescimento do bairro, dando novas características à parte popular da Festa de São Pedro. Logo, é difícil prever se os dois lados voltarão a se unir. Mas, como para o santo apóstolo nada é impossível...
Fonte: Praia do Suá – Coleção Elmo Elton nº 9 – Projeto Adelpho Poli Monjardim, 2002 – Secretaria Municipal de Vitória, ES
Prefeito Municipal: Luiz Paulo Vellozo Lucas
Secretária de Cultura: Luciana Vellozo Santos
Subsecretária de Cultura: Joca Simonetti
Administradora da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim: Lígia Mª Mello Nagato
Conselho Editorial: Adilson Vilaça, Condebaldes de Menezes Borges, Joca Simonetti, Elizete Terezinha Caser Rocha, Lígia Mª Mello Nagato e Lourdes Badke Ferreira
Editor: Adilson Vilaça
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Cristina Xavier
Revisão: Djalma Vazzoler
Impressão: Gráfica Sodré
Texto: José Carlos Mattedi
Fotos: Raquel Lucena
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2020
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