Gil Vellozo, o anticomunista
Após a II Guerra Mundial, o mundo foi dividido em duas zonas de influência no que se chamou de Guerra Fria: uma dominada pela União Soviética e outra pelos Estados Unidos, em cujo lado o Brasil estava situado. Segundo a doutrina de segurança nacional formulada pelos norte-americanos, o outro lado representava o mal, o perigo comunista. Qualquer proposta de mudança social, como era o caso das reformas preconizadas por Jango, era imediatamente associada ao comunismo. Do lado contrário, por sua vez, estava o mundo “livre e cristão”, a lei e a ordem pregadas pela UDN, que, paradoxalmente, só seriam alcançados via golpe, com o afastamento do presidente constitucional.
Um comentário de Gil Vellozo evidencia esse período maniqueísta: “O Brasil hoje se encontra num dilema: o democrata de um lado e o totalitário de outro, ou, melhor dizendo, a democracia e o comunismo”, que, para os udenistas, seriam excludentes.(BRASIL, 10 out.1963).
Os comunistas davam demonstrações de força. Em 1949, a China (durante um bom tempo dominada pelos ingleses) virou comunista, numa revolução comandada por Mao Tse Tung. Nesse mesmo ano, surpreendendo os norte-americanos, a União Soviética conseguiu detonar sua primeira bomba atômica. Em seguida, o casal comunista Julius e Ethel Rosenberg foi preso. Eles foram acusados de traição – e executados na cadeira elétrica em 1953 –, pela suposta venda de segredos militares aos soviéticos, permitindo a estes a detonação da bomba. Até o cientista Albert Einstein pediu clemência, sem sucesso.
Nesse período de medo, surgiu nos Estados Unidos, em 1950, o senador Joseph McCarthy, responsável por uma onda de histeria anticomunista. Para começar, ele disse que os comunistas estavam infiltrados no próprio Governo e apresentou uma lista com mais de 200 deles instalados no Departamento de Estado. A partir daí, iniciou uma cruzada anticomunista que passou a ser chamada de macartismo ou de “caça às bruxas”.
Como ser comunista não era crime nos EUA, o senador e sua equipe de “caçadores” acusavam aqueles a quem perseguiam de prática de atividades antiamericanas. E os subversivos estavam em todos os setores da sociedade norte-americana, conforme registram Pereira e Marvilla, no livro Ditaduras Não São Eternas.
No auge do seu funcionamento, o comitê de atividades antiamericanas de MacCarthy convocou para depor empresários, intelectuais, artistas e até heróis de guerra. Alguns dos denunciados pelo senador, principalmente artistas e intelectuais, em conseqüência do pânico anticomunista, tinham dificuldade para encontrar trabalho. Muitos daqueles que foram interrogados pelo senador se recusaram a falar e foram presos sob a acusação de desacato.
Até que o jornalista Edward Murrow, considerado na época e até hoje um dos melhores dos Estados Unidos, apresentou vários noticiários na televisão denunciando os métodos de perseguição e os abusos contra os direitos civis praticados pelo senador e sua equipe. McCarthy foi censurado uma dezena de vezes pelo Senado e caiu em decadência. Morreu em 1958, em decorrência do abuso do álcool e apresentando sintomas de loucura.
McCarthy caiu em decadência, mas o anticomunismo dos EUA do pós-Guerra não. Na conferência de Yalta, logo após a Segunda Guerra, Estados Unidos e União Soviética dividiram o mundo em zonas de influência política. A América Latina, considerada como quintal americano, claro, estava sob sua influência direta. Qualquer governo mais à esquerda estava sujeito a um golpe de direita, financiado e mantido pelo Governo americano para “defender a pátria, religião e a família”, ameaçadas pelos “comunistas comedores de criancinhas”.
Já em 1947, estimulado pelo medo do perigo comunista propagado pela doutrina americana, o Brasil assinou o Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), por meio do qual os países signatários se comprometiam a uma proteção mútua contra a possibilidade de ascensão do perigo comunista. Proteção endossada e financiada pelos Estados Unidos da América, contra qualquer regime mais popular.
Nesse contexto, Jango e até o ditador argentino Peron eram considerados perigosamente próximos aos ideais comunistas. Num discurso, Gil Vellozo ironizou a direção popular dos governos de Jango e Peron:
Fiel amigo de Peron, disse o atual Presidente da República que admirava o colega Juan Peron porque organizou a Argentina de tal modo que, apertando-se um botão, surge uma greve e, apertando-se outro, ela [a greve] acaba [...]. O presidente subrepticiamente adotou o dispositivo dos botões de Peron para acionar greves, principalmente as greves políticas e de solidariedade, já que as demais são legítimas, e o fez com tanto açodamento [...] que os botões já funcionam sem que lhes ponha o dedo presidencial, substituído por um indicador de acentuado matiz vermelho.
O deputado capixaba acreditava que o governo de Jango tinha um suporte nos movimentos sociais, funcionando, de forma automática, na defesa das suas propostas, mas tal mecanismo estaria levando o país à desordem e à corrupção. Essa capacidade de ver fantasmas era própria dos udenistas e antigetulistas. Jango era herdeiro político de Getúlio e, portanto, um inimigo a ser derrubado, ainda mais por ter “perigosos comunistas” como assessores.
Era isso que os udenistas e seus principais líderes, Carlos Lacerda (Governador do Estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro) e Magalhães Pinto (Governador de Minas), diziam sobre o governo de Jango. Para Gil Vellozo, Lacerda era a grande alternativa política:
[...] um nome, um passado, um presente e um futuro de trabalho e honestidade que acena a este infeliz Brasil inflacionado, desesperançado, espoliado pelo empreguismo desenfreado que consome toda a nossa produção e as nossas anêmicas divisas. O Governador Carlos Lacerda dia a dia cresce no conceito e na confiança do povo brasileiro, pela sua coragem moral e cívica de enfrentar a “morcegada” que suga a nação.
O sonho dos udenistas era derrubar Jango, neutralizar Juscelino (que pretendia voltar à Presidência) e colocar Lacerda na Presidência. Como não tinham votos para isso, ajudaram os americanos a articular o golpe militar de 1964.
Nos primeiros momentos, apoiaram a nova ordem, que, segundo eles, tinha deposto um governo corrupto, desordeiro e de tendência comunista. Segundo Gil Vellozo, os militares deveriam completar a tarefa de afastar dos órgãos públicos os que tivessem vinculação com o Governo anterior, genericamente denominados de comunistas.
Apesar de ter apoiado com entusiasmo o golpe militar, ao qual só se referia como “Revolução”, ainda em 1964 Vellozo se distanciou do novo regime: “Se o Sr. Castelo Branco prefere ficar com aqueles contra os quais sempre se insurgiu, que fique. Eu não. Vou continuar a roer as cascas do abacaxi que sempre roí, desde 1945, como udenista-oposicionista” (BRASIL, 19 jun. 1964)..
Chegou a anunciar seu desligamento “da bancada da maioria na Câmara Federal” sem prejuízo da sua “única filiação partidária – a UDN”, afirmando: “Quero comprar a peso de ouro minha independência e mostrar ao povo da minha terra – esse querido Espírito Santo – que não sou homem de sofrer calado a desmoralização e o descrédito a que esse Governo, ex-revolucionário, pretende expor-me”.
Apesar do discurso magoado, não passou imediatamente para a oposição. Pareceu voltar atrás, ao comentar críticas feitas por Carlos Lacerda ao ministro Roberto Campos, considerando normal a posição do ex-governador da Guanabara:
O fato de divergirmos de determinados setores de um Governo no qual estamos integrados não significa, como se diz na imprensa, que não adotamos a linha udenista e a candidatura Carlos Lacerda, que estejamos rompendo com o Governo. É um direito de livre crítica, que podemos exercer quando entendemos que setores do Governo ao qual pertencemos estão errados.
A expectativa da UDN era contar com o apoio dos militares para eleger Carlos Lacerda na eleição presidencial marcada para 1965. Mas os militares decidiram ficar no poder, cancelando a eleição de 1965, prorrogando o mandato do marechal Castelo Branco e pondo fim ao projeto lacerdista. Quando viu que nada conseguiria com os militares que ajudara a colocar no poder, Lacerda procurou Juscelino e Jango, que ajudara a derrubar.
Mas isso Vellozo não chegou a ver.
Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Antônio Gil Vellozo, 2013
Texto: Roberto Moscozo
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel/ 27-9864-3566
Onde comprar o livro: Editora Pro Texto - E-mail: pro_texto@hotmail.com - fone: (27) 3225-9400
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