Gil Vellozo contra Jango
O Brasil entrou na década de 1960 com a eleição de Jânio Quadros (PDC) para a Presidência da República. Embora Jânio não fosse da UDN, Vellozo (na época presidente desse partido no Espírito Santo) o apoiou por indicação do Diretório Nacional Udenista. Disse ele:
A UDN capixaba, examinando a proposição do Diretório Nacional do Partido, no Rio de Janeiro, transmitiu aos órgãos máximos do udenismo no Brasil a tendência evidente, a disposição férrea de [...] apoiar a candidatura extrapartidária do eminente ex-governador do Estado de São Paulo, Dr. Jânio Quadros, medida esta tomada com o pronunciamento da quase totalidade dos diretórios estaduais da UDN na federação .
O deputado de Vila Velha liderou, no Espírito Santo, uma apaixonada campanha eleitoral para Jânio, cuja candidatura tinha como símbolo uma vassoura para “varrer a corrupção do Brasil”. O ex-deputado federal Floriano Rubim se lembrou de quando ele e Vellozo percorreram o Estado “em 17 dias e 17 noites”. Rubim fez o seguinte relato:
Não ficou um município sem a nossa visita. E Gil era, sem dúvida alguma, a figura mais querida de todo o grupo. Era ele quem nos alegrava altas horas da noite, quando o cansaço se apoderava de nós. E era ele quem nos acordava, ao amanhecer, para retornarmos à luta. Foi um incansável companheiro naquela gloriosa campanha .
Se apoiavam Jânio Quadros, os udenistas detestavam o vice que foi eleito junto ele. É que, naqueles tempos, a legislação eleitoral previa a realização de eleições separadas para presidente da República e vice. Assim, o vice-presidente eleito foi João Goulart (Jango) – ex-ministro do Trabalho de Getúlio e apoiado numa coligação PSD/PTB, partidos que a UDN combatia.
Quando Jânio renunciou (em 25 de agosto de 1961), alegando que seu Governo estava sendo inviabilizado por “forças ocultas”, Jango fazia uma viagem à China Comunista. Apesar de seu investimento no cargo ser previsto na Constituição, os ministros militares firmaram posição contra a posse. Houve uma divisão entre legalistas, que defendiam a posse de Jango conforme a Constituição, e os que trabalhavam por um golpe. O País estava à beira de uma guerra civil até que surgiu uma saída política: a ideia de se implantar como forma de Governo o parlamentarismo, no qual o presidente tem poderes limitados e quem chefia o governo é o primeiro-ministro (na época, Tancredo Neves). Dessa forma, os militares e os políticos que os acompanhavam na articulação de um golpe aceitaram a investidura de Jango. Em 1962, quando Tancredo Neves se afastou para ser candidato ao governo de Minas Gerais, vários primeiros-ministros foram indicados, mas não conseguiram apoio do Congresso. Jango acabou convocando um plebiscito no qual os brasileiros decidiram, em janeiro de 1963, o retorno do presidencialismo. Quando Jango começou a governar de fato, os militares e alguns políticos golpistas, inclusive da UDN, voltaram a conspirar. No livro Cidadania no Brasil: o longo caminho, o historiador José Murilo de Carvalho comenta que “a partir do plebiscito a luta política caminhou rapidamente para uma radicalização sem precedentes. Os conflitos reduziram-se cada vez mais à oposição esquerda/direita sem deixar espaço para a negociação. As direitas civil e militar começaram a organizar-se e preparar-se para o confronto” .
Nesse período, os conspiradores criaram organizações de fachada como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), financiado por empresários nacionais e estrangeiros, e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), com apoio financeiro de políticos oposicionistas, organizações sindicais e estudantis contrárias ao Governo. Surgiu também a Ação Democrática Parlamentar (ADP), ninho de deputados conservadores vindos de vários partidos.
O bordão do anticomunismo foi usado intensamente. Planos para a derrubada de Jango voltaram a ser traçados, contando com a simpatia do Governo norte-americano. Do lado da esquerda não houve menor atividade, embora a unidade fosse mais frágil. Começaram a surgir organizações nacionais de trabalhadores não permitidas pela CLT, como o Comando Geral de Trabalhadores (CGT) e o Pacto de Unidade e Ação (PUA).
Entre 1962 e 1964, foram registradas várias ameaças de greve e algumas efetivamente foram feitas, em geral com apoio do Ministério do Trabalho e de estatais como a Petrobras. Já em 1962, logo após a adoção do parlamentarismo, houve uma greve pedindo o plebiscito sobre a permanência ou não do parlamentarismo. Em 1963, ocorreram ameaças de greve em favor das reformas de base, sempre com o envolvimento dos funcionários públicos.
Era um período de muita fragilidade e tensão na política nacional. A mobilização política crescia em torno das chamadas reformas de base, um conjunto de propostas feitas pela equipe do presidente João Goulart para os setores agrário, fiscal, bancário e educacional. Também se reivindicavam reformas estritamente políticas, como o voto para os analfabetos e para os soldados, bem como a legalização do Partido Comunista. Enquanto isso, suboficiais e sargentos das forças Armadas se queixavam de que podiam votar, mas não podiam ser votados.
Nesse contexto era difícil a posição de Jango, que estava imprensado entre os conspiradores de direita, que o queriam derrubar, e os radicais da esquerda, que o empurravam para medidas cada vez mais ousadas. Incapaz de determinar um curso próprio de ação, ele afinal cedeu à esquerda e concordou em realizar grandes comícios populares como meio de pressionar o Congresso a aprovar as Reformas de Base.
A 13 de março de 1964, uma sexta-feira, foi realizado, no Rio de Janeiro, o primeiro grande comício. Nele, Jango assinou dois decretos: um nacionalizando uma refinaria de petróleo e outro desapropriando terras às margens de ferrovias e rodovias federais e de barragens de irrigação.
Mas o grande debate do momento era justamente sobre a reforma agrária. A Constituição da época exigia o pagamento em dinheiro das terras desapropriadas, elevando o custo da Reforma Agrária. E o Congresso se negava a emendar a Constituição no sentido de permitir uma reforma agrária mais barata. Os decretos de desapropriação assinados por Jango foram considerados como um desafio a deputados e senadores. Em São Paulo, chegou até a haver um comício de protesto contra o comício de 13 de março, o que precipitou a queda de Jango.
José Murilo de Carvalho registra esse acontecimento:
No dia 19 de março um comício foi organizado em São Paulo em protesto contra o do Rio de Janeiro. Promovido por organizações religiosas sob a inspiração de um padre norte-americano e financiado por homens de negócio paulistas, o comício, calculado em 500 mil pessoas, centrou sua retórica no perigo comunista que se alegava vir do governo federal. Outros comícios semelhantes foram planejados para outras capitais sob o lema “Marcha da Família com Deus pela Liberdade (CARVALHO, 2004, p. 142-143).
O autor relata ainda:
Em 26 de março de 1964, mais de mil marinheiros e fuzileiros navais se revoltaram no Rio de Janeiro, entrincheirando-se na sede do Sindicato dos Metalúrgicos. Os marinheiros tinham se organizado numa associação e pediam melhorias de condições de trabalho. Seu líder, Cabo Anselmo, foi posteriormente identificado como agente da CIA, tendo ainda colaborado com os órgãos de repressão durante os governos militares. A reação do presidente foi desastrosa: substituiu o ministro da Marinha por outro, indicado pela CGT. O novo ministro anistiou os revoltosos (CARVALHO, 2004, p. 142-143).
A revolta dos marinheiros, pela quebra da hierarquia militar, teve resultado negativo. Os oficiais defensores da legalidade ficaram sem argumento diante da insubordinação e DOS seus efeitos na estrutura militar. E o presidente da República, no dia 30 de março, ainda compareceu a um encontro de sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro, onde fez um discurso extremado, reproduzido por rádio e televisão para todo o País.
No dia seguinte, o golpe estava a caminho. Tropas do Exército partiram de Minas Gerais em direção ao Rio. Jango ainda teve uma chance, mas negou uma proposta do General Amauri Kruel de repudiar o CGT e o comunismo. Tropas paulistas uniram-se às mineiras e o presidente preferiu não resistir, diante da ameaça de uma guerra civil. Partiu para o Uruguai, deixando vaga a Presidência da República, logo ocupada pelo substituto constitucional, o presidente da Câmara Federal Ranieri Mazzilli.
Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Antônio Gil Vellozo, 2013
Texto: Roberto Moscozo
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel/ 27-9864-3566
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