Herança Cultural Religiosa dos Negros
A convivência dos negros com os portugueses modificou seus costumes e, nesse sentido, a influência da igreja católica foi grande, pois, impedidos de cultuar os Orixás, temerosos da repressão dos senhores, os negros também transferiram sua devoção religiosa para alguns santos católicos, reverenciando, por exemplo, Nossa Senhora do Rosário, Aparecida, da Conceição e São Benedito, cujo culto no Espírito Santo é um dos mais fervorosos até os dias atuais(49).
Apesar disso, muitos escravos ficaram mesmo com as suas próprias rezas, Orixás, remédios, arte, culinária, danças e músicas(50), embora no século XVIII parecesse fraca a influência dos cultos africanos e dos índios entre os negros brasileiros(51).
Por outro lado, Guilherme Santos Neves, estudioso da cultura negra no Espírito Santo, afirmava que os negros, como ocorre em quase todo o Brasil, deixaram marcantes registros de sua permanência nas terras capixabas nos batuques ou tambores da região norte; nos Jongos e Caxambus da parte sul, especialmente no Vale do Itapemirim, Cachoeiro do Itapemirim, Alegre e Guaçuí; na Cabula, ainda existente em Conceição da Barra e São Mateus; nas músicas e nos ritmos das bandas de congos do litoral e interior. A presença do negro está tanto na culinária doméstica, quanto nas falas populares e na formação psicológica do povo(52).
Especificamente sobre as sobrevivências religiosas, Santos Neves, já na sua época, observava que nessas regiões limítrofes do norte eram bem acentuadas as influências do “folclore baiano”.
De fato, a região localizada ao norte do Espírito Santo, a que compreende, principalmente, os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, além da área do Vale do Rio Doce, zona cacaueira que recebeu forte e perdurável influência da Bahia, sobretudo nos hábitos e costumes populares, mantidos através dos tempos pela população miscigenada, onde é notória a presença do elemento negro(53).
Dentro da chamada cultura popular, essa região capixaba repete a Bahia, com seu culto a vários Orixás, e, entre tantos, um diz:
Ogum,
Eu sou vaquêro da minha boiada,
Ogum é vaquêro da encruzilhada,
Saravá é quem disse,
Pruquê Saravá é quem disse...(54)
NOTAS
(49) VENTORIN, Luciano. “O Negro na Província do Espírito Santo”. in Painel. Vitória. Departamento Estadual de Cultura. Julho de 1988.
(50) Novaes, 1963, p. 95.
(51) Novaes, sem data, p. 103
(52) Santos Neves, 1978
(53) Santos Neves, 1978, p. 37 a 39.
(54) Santos Neves, 1978, p. 37 a 39. As anotações de D. João Batista Corrêa Nery foram divulgadas por Guilherme Santos Neves, no número 3, dos “Cadernos de Etnografia e Folclore”, A cabula, um culto afro-brasileiro. Vitória. Comissão Espírito-Santense de Folclore. 1963.
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GSA
Fonte: Negros no Espírito Santo / Cleber Maciel; organização por Osvaldo Martins de Oliveira. –2ª ed. – Vitória, (ES): Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016.
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2021
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