Hoje em dia - Por Carlos Tourinho
Tenho uma visão privilegiada da cidade. Admito isso sem modéstia. Na reportagem de rua ou na redação da TV Gazeta, pude e continuo a acompanhar o dia-a-dia desta cidade que, a cada momento, mais me encanta e preenche expectativas. Expectativas de morador, de cidadão e de profissional que tem o dever de permanentemente acompanhar reivindicações de moradores e transformações do cenário urbano. Seja na avaliação direta dos passos dados pela capital do Estado, seja na comparação de seu desenvolvimento com os municípios vizinhos.
É nessa qualidade que procuro nortear minhas observações sobre a Vitória do futuro. Poderia falar de São Pedro e, num exercício ficcional, dizer que ali poderá nascer um novo centro irradiador de cultura. Se é ou não um gracejo, os anos futuros dirão, mas por lá já se instalaram uma moderna escola pública e uma ampla faculdade particular. É fácil perceber que existe hoje um avançado processo de urbanização no espaço antes destinado a ser o “lugar de toda a pobreza”, como identificou a sensibilidade de Amylton de Almeida. Assim como poderíamos imaginar que o Centro da cidade, hoje em processo de esvaziamento e em campanha de revitalização, poderá voltar a ser um lugar bom de se morar. E ainda, que os bairros nobres da Zona Norte da cidade se tornarão superlotados com o atual ritmo da construção civil – principalmente na Praia do Canto, já que em Jardim da Penha os moradores se mostraram fortes e impediram o crescimento vertical – e no futuro haverá quem diga que deva ser revitalizada uma futurologia que, nestes casos, já tem os rastros no presente.
A quantidade de moradores que ligam para reclamar ou pedir alguma melhoria pública, através dos órgãos de comunicação, é declinante no que se refere a Vitória. Aqui já não se registram novos bairros a partir de invasões, não se pedem mais áreas de lazer, problemas graves e antigos como as enchentes tendem a ser controlados com as últimas obras, e por aí vai. Parece mesmo uma cidade que, a exemplo de capitais-modelo, não mais planeja seu futuro pois já o está trilhando.
O problema da cidade que, a meu ver, vai crescer nessa caminhada para a virada do século, é mesmo a poluição.
A poluição do ar, a sonora e a poluição do mais expressivo bem natural da cidade, nossas praias. Uma ilha cercada de praias por quase todos os lados que tem de se contentar em colocar placas dizendo que ali não é bom ficar. Há alguns anos, seria difícil imaginar soluções desse tipo. Algo como “não consuma a carne deste açougue, porque ele a vende podre” ou “não atravesse essa rua para não ser atropelado” ou qualquer atrocidade deste tipo. São coisas que não acontecem porque o órgão público usa de sua responsabilidade e poder para impedir que o açougueiro venda a carne podre ou que os carros não tenham limites nas vias públicas. Por que mesmo não acontece com a poluição e os poluidores?
Não resta dúvida de que Vitória é hoje uma cidade diferenciada graças à sua arrecadação, a seus limites naturais que contêm a expansão da pobreza e à determinação política de que se deve governar para a cidade, o que deveria ser claro e óbvio. A clareza de idéias, a honestidade e o compromisso com a verdade são o caminho para o futuro, da mesma maneira que sempre deveria ter sido desde o passado.
Mas a Vitória do futuro não se restringe às atitudes tomadas ou não tomadas por governantes. Será cada vez mais a atitude tomada pela população desta cidade. A consciência e a cobrança de cada um, inspiradas no amor que cada um deve ter por um lugar tão bom de morar. Coisas como os moradores do bairro Santa Lúcia, que optaram por ficar três anos sem obras, desde que, ao final da administração do prefeito Paulo Hartung, fosse feita uma caríssima obra, aguardada há trinta anos. Este acordo entre administração e comunidade pode ser um sinal de maturidade nesta relação.
Há dezesseis anos na cidade, ouso fazer uma comparação que, se antes seria um inestimável elogio, hoje pode ser até mal interpretada: Vitória me lembra cada vez mais o meu Rio de Janeiro. Falo, naturalmente, dos aspectos que levaram a ser conhecido em todo mundo como a Cidade Maravilhosa. E até já percebo um jeito mais descontraído nos moradores desta ilha.
Com um olho nos problemas e outros nos prazeres, aposto em Vitória!
Fonte: Escritos de Vitória Nº14 Vitória do Futuro, 1996
Autor: Carlos Tourinho
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto 2014
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