Invasão Holandesa à Penha – Por Maria Stella de Novaes
Existe no Convento da Penha, um quadro de Benedito Calixto: — "A Visão dos Holandeses". Recorda-nos a passagem histórica da segunda investida dos flamengos sobre a Capitania do Espírito Santo (1640), ponto sempre visado, no Brasil, pelos aventureiros e piratas, ávidos de suas riquezas decantadas pelos cronistas e viajantes.
Após a derrota sofrida, na Vila da Vitória, a 27 de outubro de 1640, fortificaram-se, em Vila Velha; no dia 2 de Novembro, foram atacados e desalojados, pelos Capitães Adão Velho e Gaspar Saraiva. Recolheram-se aos seus lanchões, deixaram o porto, no dia 6.
Lendas, trovas e poemas foram os troféus que os capixabas conservaram dessa luta para a defesa do seu domínio. Conta-se, por exemplo, que os holandeses tentaram escalar o Monte da Penha. Retrocederam, porém, porque se lhes deparou extraordinária visão: — o Santuário transformava-se em poderoso castelo defendido por esquadrão de soldados, enquanto, a pé e a cavalo, descia muita gente, "com armas luzentes e bem preparadas". Entretanto, a ermida estava deserta e a própria imagem de Nossa Senhora fora removida cautelosamente para o Convento de São Francisco, em Vitória.
E o povo começou a cantar: —
Nossa Senhora da Penha
tem um manto de alegria;
Deus lhe deu os seus soldados
pra defender a baía.
Nossa Senhora da Penha
tem soldados a valer,
que lhe deu Nosso Senhor,
pro seu povo defender.
Nossa Senhora da Penha
tem um manto de alegria;
foram os soldados que deram,
quando vieram da Bahia.
(Alusão aos que foram com Salvador Correa de Sá e Benevides e voltaram para a Capitania, protegidos pela Virgem da Penha).
No "Poema Mariano sobre a Penha do Espírito Santo", Domingos de Caldas declama: —
C X I
Aqui chega a nefanda companhia
e o vermelho estandarte levantando,
campos, bosques e montes desafia,
bombas, peças e balas disparando.
Anda o negro Plutão, nesta porfia,
os reforçados bronzes atirando;
e girando se vê, por toda a parte,
a Belona cruel, o fero Marte.
C X I I
Porém, essa pequena cidadela
que milagrosa praça se afigura,
com pouca força as naus muito atropela,
mediante o favor da Virgem pura.
Teme o fero holandês, chegando a ela,
no mesmo arrojo, achar a sepultura,
e das fúrias cruéis, deixando a ira,
infiel e medroso se retira.
Na Quinzena de Arte Capixaba, promovida, em Vitória, pelo Sr. Dr. Augusto Emílio Estelita Lins, em 1947, o Sr. Tosé Elesbão de Castro, recordando a passagem histórica de 1640, pronunciou, pelo rádio, o seguinte: —
Em 1640.
Quando forçava
o corsário-invasor
os flancos da cidade, um capixaba
lembrou-se de rogar, com puro amor,
a proteção do Céu, que não se acaba
como se acaba a força transitória;
e, na porta do templo, assim rezava :—
"Senhora da Prainha
Da Vitória,
Livrai-me do invasor que se avizinha!
Entrando, enfim,
dispôs-se, sem medida,
a todas as façanhas o inimigo.
Em Vila Velha, então, desguarnecida,
mereceu, afinal, justo castigo,
e ao capixaba coube toda a glória,
por ter pedido, deste modo, assim: —
"Senhora da Prainha
Da Vitória,
Salvai-me, como pródiga Madrinha"!
Dizem melhor
do que meus versos rudes
as telas que ficam recordando,
no Santuário da Penha, as atitudes
de tão livre, feroz e estranho bando;
elas também recordam, como a história,
de um capixaba a súplica maior: —
"Senhora da Prainha
Da Vitória,
cobri-me, com ó vosso manto, a Pátria minha!"
Nossa Senhora da Prainha era venerada, em Vitória num pequeno templo, situado no antigo Largo da Conceição.
Posteriormente, receberam de um português, informações das riquezas da Penha — ouro, prata, alfaias, pedra preciosas, jóias etc. De passagem pelo Espírito Santo, aproveitaram, mais uma vez, para o desembarque, em Vila Velha , e certificaram-se do tesouro de Nossa Senhora. Subiram a montanha. Surpreenderam o irmão Frei Francisco da Madre de Deus orando, perante o altar da milagrosa imagem. Invadiram o Santuário, espalhando o pavor entre os religiosos, que procuraram fugir dessa importuna visita. Frei Francisco permaneceu imóvel. Tudo saquearam; mas, ao tentarem retirar a coroa e o manto da Virgem, o religioso suplicou não o fizessem — ele mesmo os tiraria, a fim de evitar tanta profanação. Enquanto o português se apoderava do Menino Jesus, um flamengo esforçava-se, em vão, para retirar um anel valioso da imagem de Maria. Inúteis, porém, foram as tentativas de cortar-lhe a mão e o próprio dedo!...
Suplicou Frei Madre de Deus que deixassem o Menino Jesus, mas o português respondeu-lhe que o levaria para brincar com outro Menino, que existia no Recife. Retrucou-lhe o religioso: — "Vai-te embora e lá verás os brincos que te hão de custar caro; e este será o último atrevimento dos teus companheiros, no Brasil. Porque isto bastava por teus pecados, para castigo teu e dos mais".
Partiram os holandeses para o Sul, a fim de pilharem reses, em Cabo Frio. Levaram todas as preciosidades e os escravos da Penha. Foram, porém, flechados pelos índios. Só escaparam os que permaneceram a bordo. Regressaram apressadamente a Pernambuco; mas, dias após, a 27 de janeiro de 1654, terminou o seu domínio, no Brasil. Os escravos, as alfaias e os ornamentos foram recuperados para o Convento da Penha. Do Menino Jesus, não apuramos o destino. Consta que ficou em Olinda.
No "Poema Mariano", já referido, lê-se:—
C X V I
Mas, o holandês sacrílego e desumano,
com duro peito e ânimo felino,
rouba as prendas do templo soberano,
e, da Senhora, o erário diamantino;
e a tanto chega o seu furor insano,
que lhe rouba também o deus Menino.
Só não pode, por mais que força empenha
movê-la do altar da sacra Penha.
C V I I
Oferece o Menino Onipotente
à cidade de Olinda, majestosa,
nome tão sem mistério competente
ao encarnado botão da pura rosa.
Ali, é festejado, anualmente,
com fiel devoção, pompa lustrosa,
no mesmo dia em que, da sua planta,
a Penha nos louvores se quebranta
E a alma do povo continua: —
Nossa Senhora da Penha
tem janelas para o mar,
para ver seu bento Filho
que, de certo, há de voltar.
Encerram as crônicas do Convento outro fato impressionante: — o milagre da cerração. Certa manhã, ao despontar esplêndido do Sol, os moradores de Vila Velha divisaram no horizonte. uma esquadrilha impelida pelo nordeste e semelhante, ao todo, àqueles assaltantes bem informados da riqueza natural da Capitania. Demandava a barra.
Voltaram-se preces a Nossa Senhora da Penha, a Protetora do Espírito Santo. Galgaram os seus devotos a ladeira. Uma fervorosa multidão encheu o templo, rezando e entoando hinos à Virgem Poderosa. Ainda presas das recordações tétricas das passagens tormentosas de Cavendish e dos holandeses, todos se voltaram para o Céu, pedindo socorro, naquela hora de apreensões.
Avançam os barcos fantasmas. Tenebrosos! Mas, o esplendor daquele dia tolda-se gradualmente, e denso véu de neblina opõe-se à mira dos corsários, que retrocedem, tementes de enfrentar o perigo de um canal cercado de ilhotas alfaques.
Fonte: O Relicário de um povo – O Santuário de Nossa Senhora da Penha, 2ª edição, 1958
Autora: Maria Stella de Novaes
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2016
Saltando, do reinol, encontra a porta aberta... E o frei vagando, só, na praia — já deserta — Distante vê, na gruta, o abrigo que buscava
Ver ArtigoCrescia a concorrência do povo às horas da prece, na capelinha de São Francisco, o templo cujas ruínas ainda podemos apreciar, na orla do Campinho
Ver ArtigoTambém ouvida, por Gomes Neto, ao Padre Joaquim de Santa Maria Madalena Duarte
Ver ArtigoDo livro O RELICÁRIO DE UM POVO – Santuário de Nossa Senhora da Penha (1958, 2ª Edição), da autora Maria Stella de Novaes
Ver ArtigoDesde 1570 comemoramos a Festa da Penha oito dias após a Páscoa. Ela é a festa cristã pioneira da América
Ver Artigo