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Jerônimo Monteiro - Capítulo VIII

Panorama da Baía de Vitória, vendo-se ao fundo o Convento da Penha. APEES, 1910

Enquanto, na Vitória, o povo continuava, nos comentários do "Manifesto Político", de 15 de janeiro de 1908, surgiam notícias empolgantes para o momento. Telegramas de São Paulo relatavam as manifestações de regozijo recebidas pelo Dr. Jerônimo; destacava-se um banquete oferecido ao futuro Presidente do Espírito Santo pelo Dr. Jorge Ti- biriçá. Outro banquete era promovido pelos membros do Diretório Político de Santa Rita de Passa Quatro que, para isso, vieram a São Paulo (Telegrama de 17 de fevereiro de 1908). Simultaneamente, publicava "O País", do Rio de Janeiro, uma entrevista do Dr. Eduardo Otten sobre a vitória do Partido Construtor, em relação ao Dr. Jerônimo.

Observemos, entretanto, que ele não estava em São Paulo, esbanjando o tempo, enlevado pela satisfação do êxito eleitoral. Entregava-se, de fato, a um estudo sincero, à colheita de elementos, para a execução do programa já referido.

Acompanhado pelo Dr. Albuquerque Lins, visitou estabelecimentos públicos, a fim de verificar seus aperfeiçoamentos, sua organização e possível introdução, no Espírito Santo. Estudou, especialmente, a organização do Tesouro. Postos à sua disposição, pelo Presidente Jorge Tibiriçá, os diretores da Escola Normal e do Serviço Sanitário foram solícitos em acompanhá-los aos institutos de ensino e à Repartição de Higiene.

Com os Drs. Jorge Tibiriçá e Albuquerque Lins, o Dr. Jerônimo foi visitar os arrozais de Itu.

Tratou, igualmente, de entendimentos relativos aos serviços de água, luz e esgotos para Vitória, conforme comunicação feita ao Presidente Henrique Coutinho, a 5 de março do mesmo ano. Muito lhe serviu, nesse preliminar do seu Governo, a influência do seu ilustre sogro, o Comendador Cícero Bastos, que o orientou nas relações com o Dr. Augusto Ramos. Homem de trato amável, inteligência brilhante, prosa agradável, admirável pela cultura e coração ainda maior, o Dr. Augusto Ferreira Ramos revelou-se a escolha feliz do Dr. Jerônimo para realizar seus sonhos de transformar Vitória em cidade civilizada e bonita.

Empolgado pelas notícias, o povo não perdia um telegrama inserto no "Diário da Manhã". E surgiam versos, de acordo com o velho costume vitoriense:

 

De côres várias, sortidas,

Que são todas um primor,

O chapéu Jerônimo Monteiro

É o que tem mais valor.

 

Era um anúncio da Casa Bumachar, situada na Praça Santos Dumont, depois da Praça Oito de Setembro, fronteira ao Café Globo, e que mandara vir um sortimento de chapéus para homens. Variava:

Na Casa Bumachar,

Que o Estado conhece, inteiro,

Todos já devem comprar

Chapéu Jerônimo Monteiro.

 

Em carro especial, a 4 de maio, Jerônimo chegou ao Rio de Janeiro. Foi recebido pelo representante do Presidente da República, por ministros, bancadas mineira, paulista e espírito-santense, etc. Ao embarque, em São Paulo, compareceram o Presidente Jorge Tibiriçá, secretários, políticos, etc., 0 mundo oficial, como se dizia.

 

E o Bumachar aproveitava para vender seus chapéus:

 

Na posse do novo eleito,

À Presidência do Estado,

O chapéu Jerônimo Monteiro

É um chapéu obrigado.

 

Do Rio, seguiu o Dr. Jerônimo para Minas Gerais, a fim de visitar o Dr. João Pinheiro e tratar dos limites entre aquele Estado e o Espírito Santo, questão velha e sempre nova. Outras homenagens recebeu, iniciadas com a recepção oficial, festiva, ressaltadas pelas duas Bandas de Música Militares. Em carro aberto, acompanhado por um piquete de cavalaria, seguiu para a residência do Dr. João Luís Alves, onde se hospedou.

Embora ligeira, foi proveitosa a permanência, em Belo Horizonte. Sempre em companhia do Dr. João Pinheiro, visitou diversos grupos escolares, a Escola Normal e a Fazenda Gameleira, onde assistiu à abertura de estradas de rodagem, mediante maquinismos aperfeiçoados, vindos da América do Norte.

Deve o leitor lembrar-se de que foi impressionante a obra de João Pinheiro, no curto espaço de dois anos de Governo, pois eleito para o quadriênio de 1906 a 1910, faleceu a 25 de outubro de 1908. Além de estimular todas as atividades culturais, criou Grupos Escolares e introduziu, em Minas, os métodos racionais de agricultura, de par com a instituição de cursos práticos de lavoura, estabelecimento de campos de experimentação, sementes, etc.

(Com o tempo, os espírito-santenses diziam que o Brasil tinha três Jotas em sua História: J. Pinheiro, J. Castilho e J. Monteiro).

No regresso à Capital da República, Jerônimo levou, de Minas, o Dr. José Bernardino Alves Junior como Secretário Particular. E visitou o Dr. Alfredo Backer, Presidente do Estado do Rio de Janeiro.

Assim, preparou-se rigorosamente, com segurança e noção de suas responsabilidades, para o seu grandioso quadriênio.

No "Correio da Manhã", de 16 de maio de 1908, destacava-se a entrevista que dera sobre os seus objetivos de prosseguir na política financeira de Coutinho, mantendo a pontualidade nos pagamentos e o maior respeito aos credores; reduzindo quanto possível o passivo do Estado. Conservar e construir vias férreas. Desenvolvimento e multiplicação de núcleos coloniais. Ensino agrícola e profissional. Melhoramentos da Capital, instrução, programa conciliatório, etc.

 

* * *

Mas, enquanto o Dr. Jerônimo realizava essa preparação rigorosa para assumir o pesado cargo de Presidente do Espírito Santo, seu irmão, o Bispo Diocesano, viajava pelo interior da Diocese, para levar a Palavra Divina aos seus queridos filhos espirituais, em Pau Gigante e outros lugares. A cavalo, de trem ou de canoa, Dom Fernando viajava, na sua piedosa missão, acompanhado pelos lazaristas e outros sacerdotes. Era o filho de São Vicente; era o Bispo Missionário, alheio às grandezas do mundo, para viver na pobreza e na humildade.

 

* * *

A 27 de março de 1908, um telegrama de Piúma divulgava a Circular do Governo Municipal de Vitória, relativa à subscrição popular, para a compra de uma casa, para o Cel. Henrique Coutinho. Já rendera ali 700$000. A subscrição alcançou 19:245$000, quantia que o ex-Presidente agradeceu, a 25 de outubro do mesmo ano, pelo jornal "O Comércio do Espírito Santo". Declarou que aplicaria em apólices de 1.000$000, para depois adquirir uma casa! Saiu pobre do Governo e teve de procurar um emprego. Recorreu ao Gen. Pinheiro Machado, que o colocou e, desde então, decidiu-se contra o Dr. Jerônimo Monteiro...

 

* * *

A 19 de maio de 1908, no paquete Pará, posto à sua disposição pelo Ministro Lauro Müller, chegou o Dr. Jerônimo à Vitória, em companhia de sua Exma. Família. Tocava, então, o ótimo vapor, pela primeira vez, na Capital do Espírito Santo. Chegaram, igualmente, na comitiva, a Sra. Da Henriqueta Rios de Sousa e os cunhados de Jerônimo, Alcino e Avelinda.

(O Lloyd Brasileiro, de acordo com o Ministro, ofereceu a passagem ao Dr. Jerônimo e a toda a família).

Festa excepcional!...

Salva de vinte e um tiros, quando o Pará transpôs o Penedo, no Forte de São João. Filarmônicas Rosariense e Caramuru, tocando no Éden Parque, onde se realizou o desembarque. Um cortejo festivo enorme acompanhou os recém-chegados ao Hotel d'Europe, onde todos se hospedaram, em cômodos reservados pelo Governo. Da Henriqueta foi para a residência episcopal, junto ao filho Bispo.

Todo o percurso, a pé, visto como não existiam veículos, para o trânsito, nas ruas medonhas daquele tempo.

Marfório, nos seus "Croquis" do "Diário da Manhã", dedicou um soneto ao Presidente eleito:

 

Salve!

Toda a Vitória, engalanada, em festa,

Hoje, de intenso orgulho prisioneira,

Ao chefe eleito, as homenagens presta

Acolhendo-o, risonha, prazenteira.

Como ao dever ela faltar não queira,

Num frêmito de glória manifesta,

Sua população acode, inteira,

E, assim, apreço franco lhe protesta.

Ele, em triunfo, ao seu Estado aporta,

Vibrante de esperança nunca morta,

De fazê-lo brilhar, pelo progresso!...

É justo, pois, o entusiasmo ardente,

Com que vai recebê-lo toda a gente,

Nas faces, tendo esse prazer impresso!

 

Marfório era o pseudônimo do jornalista Luís Fraga.

Havia o Cel. Henrique Coutinho, a 19 de maio, inaugurado a luz elétrica, no Palácio do Governo, e melhorado a praça fronteira, onde as moças faziam o Corso, à tarde.

Finalmente, no dia 23 de maio de 1908, realizou-se a Posse, no Congresso Legislativo, com destacado discurso proferido pelo Cel. Augusto Calmon, Presidente da Casa, e as galerias repletas de senhoras em trajes pomposos, ornadas de finas joias, tudo ao rigor do Art Nouveau: grampos lindos, empinados nos cajus, amparavam os topetes, ao passo que os leques de finas rendas, plumas, madrepérolas, etc. amenizavam o rigor do ambiente. Quase todos os vestidos eram de cetim-Macau puro, e gurgurão e tafetá.

— Nunca se viu uma posse assim!, alguém exclamou.

Soam os primeiros compassos do Hino Nacional. Voltam-se todos os olhares para a entrada do salão, e muitas lágrimas afluem àqueles que divisam a cena singular: Dom Fernando penetra no recinto, conduzindo, com filial ternura, sua querida Mamãe! Da Henriqueta vivia, ali, uma hora indefinível, na sua vida de formadora de homens conscientes dos seus deveres cívicos!

* * *

À noite, o Ex-Presidente Henrique da Silva Coutinho ofereceu um banquete ao Dr. Jerônimo, no Palácio do Governo, terminado o qual, seguiram todos para a Praça Santos Dumont e tomaram o bonde especial, até o Melpômene, onde houve uma peça teatral, e o ator Brandão Sobrinho recitou um Monólogo, escrito pelo Prof. Aristides Freire:

 

Nos dias de aniversário,

Cada qual faz o que pode:

O velhote pinta a barba,

O moço frisa o bigode.

 

É extenso e termina:

 

Agora as festas de um povo, Que tem noção do dever,

São festas justas, sinceras,

São festas que têm que ver.

Por exemplo, a festa de hoje,

Que envolve a população,

Rememorando alto feito

Do seu querido torrão,

Que recebe, em suas plagas.

Ilustre filho chegado,

Alvo de todas as vistas

Há tanto tempo esperado.

 

Assim, entre esperanças de muitos e expectativa simpática de outros, prestigiado pelo Governo Federal e por todas as correntes políticas do Estado, iniciou Jerônimo o seu Governo, e inaugurou uma nova era para o progresso e o conforto do seu povo; era assinalada pelos traços indeléveis de sua prodigiosa capacidade de trabalho, a serviço de uma inteligência forte e bem cultivada.

Logo após assumir o Governo, nomeou o Dr. Ubaldo Ramalhete Maia Secretário Geral do Estado, e o Capitão Hortêncio Coutinho, seu Ajudante de Ordens.

Restabelecido o cargo de Oficial de Gabinete, pelo Decreto n° 99, com o subsídio anual de 3.000$000, foi nomeado para exercê-lo o Dr. José Bernardino Alves Júnior, a 6 de junho seguinte.

 

 Notas:

 

A presente obra da emérita historiadora Maria Stella de Novaes teve sua primeira edição publicada pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo -APEES, em 1979, quando então se celebrava o centenário de nascimento de Jerônimo Monteiro, um dos mais reconhecidos homens públicos da história do Espírito Santo.

Esta nova edição, bastante melhorada, também sob os cuidados do APEES, contém a reprodução de uma seleção interessantíssima de fotografias da época — acervo de inestimável valor estético-histórico, encomendado pelo próprio Jerônimo Monteiro e produzido durante o seu governo — que por si só, já justificaria a reimpressão, além do extraordinário conteúdo histórico que relata.

 

Autora: Maria Stella de Novaes
Fonte: Jerônimo Monteiro - Sua vida e sua obra
2a edição Vitória, 2017 -  Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Coleção Canaã Vol. 24)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2019

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