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Índios semeiam o terror na capitania de Vasco Fernandes

Mém de Sá, terceiro governador geral do Brasil

Estudando a quadra que se seguiu ao regresso de Vasco Coutinho(1555), escreveu Misael Pena que os habitantes da capitania estavam “dispersos por seus sertões” e que o donatário procurou reuni-los “com a nova gente, que trazia de sua pátria”.(37) Assim pôde manter os íncolas à distância até fins de 1557, quando, “persuadido de suas poucas forças, e queixas dos povos”,(38) apelou para o governo da Bahia, pedindo auxílio para dar combate aos selvagens. Suas cartas chegaram à cidade do Salvador pouco antes ou nos dias mesmo em que Duarte da Costa transmitia o cargo ao sucessor. Lá está, no Instrumento dos Serviços de Mem de Sá, muito bem contado o que ocorreu: “Como me derão posee do guoverno loguo me derão cartaas de vasco fernandez coutinho capitão da capitania do espirito santo em que dezia que o gentio da sua capitania se allevantara e lhe fazia crua gerra e lhe tinha mortos muitos homens e feridos e que ho tinhão serquado na villa / onde dias e noites ho combatião e que nam podia deixar de se emtregar a que o comesem se ho não socorresem com muita brevidade”.(39)

Era, como se vê, de extrema gravidade a situação. Além de muitos mortos e feridos, o donatário e sua gente estavam cercados em Vitória, beirantes da rendição.

Auxílio da Bahia – Fernão de Sá – “...e por me não deixar os moradores yr em pessoa” – contínua o governador geral – “mamdei a fernão de saa meu filho com sejs vellas e perto de dozemtos homens.”(40)

Brás do Amaral informa que, em companhia de Fernão de Sá, vieram os capitães Diogo Álvares e Gaspar Barbosa, que participaram voluntariamente da missão: (41) “em chegamdo a capitania do espirito Santo emtrou por comselho dos que comsiguo leuaua pello Rjo de cicaree e foi dar em tres fortallezas muito fortes que se chamauão marerique donde o gentio fazia e tinha feito muito dano e mortos muitos cristãos as quajs Rendeo com morte de muito gentio e elle [Fernão de Sá] moreo ally pellejando”.(42)

Relatando os fatos poucos meses depois, em carta ao “padre geral” da Companhia de Jesus, o irmão Antônio Blasquez escreveu que Fernão de Sá e seus homens “fueron a dar donde no los mandavan, y todavía rendieron dos cercas donde mataron mucha gentilidad y prendieron muchos yndios. Con este buen successo, queriendo el Capitão seguir la victoria, dió en la tercera cerca donde se acabava todo de vencer. En ésta lo dexaron todos los suyos con solos diez hombres a pelear, y se acogeron a los navios, unos por curar algunas heridas de poco momento, otros por recadar sus pressas que ellos más desseavan. Estos diez con su Capitán pelearon tan bien, que tenían ya la cerca rendida sy le acudieran con dos ollas de pólvora que nunca se las quisieron llevar, hasta que los Yndios conocieron que eran tan pocos, com lo qual cobraron ánimo y cargaron sobre ellos y hiziéronlos venir recogiendo hasta los navios. Y quiso La desaventura que les avían tirado los navíos y barquos donde los dexara, que fué otro desatino nunca oydo; y alli en la playa pelaron un gran rato aguardando socorro de los navios, y al cabo nunca les vino; y allí mataron al Capitán hijo del Governador con cinco, porque los otros salváron-se a nado”.(43)

Matança de ambas as partes – Diogo de Morim assumiu o comando da expedição e rumou “pera a villa donde estaua vasco fernandez mas jaa deserquado e o gentio com a nova da estroiçam das fortallezes se Recolheram a huma fortalleza em que tinhão gramde comfiança e balltezar de saa meu sobrinho com hos majs da armada a combateram entrarão e matarão os majs que nella estauão o que foi causa de pedirem pazes e se someterão a toda obediençia”, concluiu o governador geral.(44)

Dentre as perdas que os brancos tiveram a lamentar, destacam-se Bernaldo Pimenta, morto “ao entrar de uma casa”(45), e Manoel Ramalho.(46)

Foi tamanha a mortandade que fizeram entre os silvícolas que Mem de Sá pôde escrever ao monarca: “Fica [a capitania do Espírito Santo] agora muito pacífica e o seu gentio tão castigado: mortos tantos e tam principaes: / que parece que não alevantaram a cabeça tam cedo”.(47)

Maior, muito maior deve ter sido o número de escravos aprisionados, pois essa modalidade de caça era uma das mais poderosas atrações do voluntariado daqueles tempos.

 

NOTAS


(37) - História, 36.

(38) - VASCONCELOS, Crônica, I, 187.

(39) - Instrumento, 132.

– Aliás, “ciertos dias después” do enterro do filho de :Maracaiaguaçu, falecído a dois de abril de 1557, houve reunião em casa de Vasco Fernandes Coutinho com o objetivo de tratar de “una rebuelta antre los de la tierra y los blancos” (PIRES, Cartas, II, 374).

E, na carta ao padre Miguel de Torres, Manuel da Nóbrega escrevia a dois de setembro de 1557 que “socorrer ao Spiritu Sancto [...] são todas cousas em que todos trazem os sentidos” (Cartas, II, 407).

(40) - Instrumento, 132.

(41) - AMARAL, Notas, I, 338.

– Frei VICENTE DO SALVADOR assevera que a expedição constava de cinco embarcações, tendo por capitânia a galé São Simão. Os outros comandantes eram Diogo Morim, o velho,* e Paulo Dias Adorno. Em Porto Seguro, onde tocaram, foram informados de que no rio Cricaré** estava o grosso do gentio que guerreava contra o donatário do Espírito Santo. Diogo Álvares e Gaspar Barbosa juntaram-se ali à expedição com os seus caravelões (Hist. Brasil, 167).

* CALMON emendou: Diogo de Amorim Soares (Hist. Brasil, I, 270).

** “Kiri-kerê, o que é propenso a dormir, o dorminhoco. Nome que davam os índios a uma planta mimosácea, como a sensitiva. É o nome indígena do Rio São Mateus” (SAMPAIO, O Tupi, 192).

(42) - Instrumento, 132.

(43) - BLASQUEZ, Cartas, II, 439-40.

– JABOATAM informa que dois filhos (naturais) de Diogo Álvares, o Caramuru, morreram ao lado de Fernão de Sá: “Manuel Alvares, e Diogo Alvares, que matarão os Indios em Giquiriçá (sic), quando matarão o filho do Governador Men de Sá” (Orbe Seráfico, 55).


(44) - Instrumento, 132-3.

(45) - Frei VICENTE DO SALVADOR diz Bernardo Pimentel, o velho (Hist. Brasil, 170). Tudo leva a crer que outro não era senão Bernaldo Sanches de la Pimenta, que fora provedor da Fazenda e governara a capitania durante o tempo em que Vasco Coutinho estivera ausente pela segunda vez (1550-55). Grafamos “Bernaldo” porque assim se lê no traslado da carta de sua nomeação para o cargo de provedor (DH, XXXV, 160) e em Nóbrega (Cartas, III, 81). SERAFIM LEITE adota a forma atual – Bernardo. É desse mesmo autor a observação de que Bernaldo Pimenta morreu depois de vinte de janeiro de 1558, pois nesta data paraninfou o batismo ou casamento de Sebastião de Lemos (HCJB, I, 234-5), filho de Maracaiaguaçu (PIRES, Cartas, II, 372). Daí se concluir que a expedição enviada por Mem de Sá chegou ao Espírito Santo depois dessa data.

(46) - Manoel Ramalho “possuía terras confinantes com as doadas ao Colégio de Santiago em 1552” (LEITE, Cartas, III, 82, nota 36); foot-note n.o 26 deste capítulo.

(47) - SÁ, Carta, I, 225.

 

Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, maio/2017

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