Ouro, índios e quartéis na história do Rio Doce
Navegar pela história do rio Doce, em toda a sua extensão, é penetrar numa diversidade de mundos que transita das comunidades indígenas às bandeiras em busca do ouro e pedras preciosas, que inclui até impedimento de navegações, para não permitir, principalmente, o contrabando das minas gerais para o Espírito Santo a caminho do mar e da Europa.
Chamado de Vatu (Rio Grande) pelos índios e inicialmente de Santa Luzia, pelos portugueses, conforme registrado em 13 de dezembro de 1503, ganhou o nome de rio Doce porque na foz, em Regência (Linhares), as águas em turbilhão avançavam em corrente quase 10 quilômetros (seis milhas) mar a dentro.
Na época das capitanias hereditárias, o rio era considerado divisor da capitania do Espírito Santo da de Porto Seguro. Conforme o livro “Vale do Rio Doce”, de Henrique Lobo e outros, em 1572, Sebastião Fernandes Tourinho, da capitania de Porto Seguro, reuniu um grupo de 400 homens, que teriam feito a primeira “entrada” pelo rio Doce, percorrendo num total dois mil quilômetros. Trouxe consigo a lenda da serra de cristal fino, onde haveria esmeraldas e pedras azuis. Estava despertado o interesse.
Essas informações de Tourinho levaram, em 1574, ao governador-geral do Brasil, Luís de Brito e Almeida, a enviar uma expedição, comandada por Diogo Alvares (neto do famoso Caramuru), para subir o rio Mucuri (ou Cricaré), acompanhado de 150 portugueses e 400 índios mansos. Encontraram algumas pedras, consideradas praticamente sem valor, mas o problema foi o enfrentamento com os índios, as doenças e o cansaço.
O fraco resultado fez com que por 20 anos nenhuma nova expedição se arriscasse, apesar da convicção geral de que em algum lugar havia as boas pedras.
Em 1611, porém, o aventureiro Marcos de Azeredo Coutinho, junto com um índio, subiu o rio Doce, voltando com esmeraldas verdadeiras e amostras de minerais de prata.
O governo tentou negociar a localização, mas ele não aceitou, foi preso e morreu na cadeia. Nos anos seguintes muitas foram as tentativas, mas do início das empreitadas à descoberta foram ainda dois séculos, quando o paulista Antônio Rodrigues Arzão encontrou as primeiras pepitas de ouro, num córrego chamado rio Casca.
E o interessante é que ele não procurava ouro, mas índios para aprisionar. Ele morreu logo depois, mas deixou para o cunhado Bartolomeu Bueno de Siqueira a rota.
O rio Doce, a partir daí, como diz o livro “O Vale do Rio Doce”, tornava-se vedete da história. Era o início do ciclo do ouro, que incluiu em 1721 o surgimento da capitania das Minas Gerais. Com o início do ciclo do ouro, portugueses começaram a vir ao Brasil aos montes, apesar de leis proibindo o embarque.
O medo era de contrabando e evasão. A Coroa queria o controle total sobre as minas. Nos anos seguintes, os capixabas foram proibidos de subir o rio e os mineiros de descer. Em seguida, a região foi considerada área proibida, que serviria como barreira protetora.
Por garantia, em alguns pontos foram construídos quartéis ou fortes, como o da foz, chamado de Regência Augusta, e o de Coutins, que depois viria a ser Linhares.
Pela proibição, a região tornou-se lugar de refúgio de tribos indígenas, principalmente botocudos. Registra-se que as regiões do médio e baixo rio Doce pagaram um preço alto por isso. Foram 150 anos de abandono.
O fim do ciclo do ouro foi fatal para os índios, pois, por ordem da Coroa, e interesse dos fazendeiros, com quem travavam lutas permanentes, eles foram combatidos e praticamente eliminados.
Para se perceber como todos esses acontecimentos retardaram a fixação na região, a cidade de Linhares, o primeiro município da calha do rio, só ganhou esta condição em 1833.
O rio também chegou a ser até navegado, em vários trechos, com rotas de vapores, que só deixaram de funcionar por causa da ampliação do assoreamento no século passado.
Tributo a um sonhador
Na manhã do dia 25 de maio deste ano, o jornalista José Antônio Sarcinelli, 48 anos, preparava-se para entrevistar pescadores de Baixo Guandu quando o seu coração decidiu que era hora de seus acordes finais. Na beira do rio Doce, sem nenhuma palavra, Sarcinelli colocou a mão no peito e desmaiou. Chegou a ser levado ao hospital, mas não resistiu.
Como relatou sua mulher, Adriana, ele estava entusiasmado com o projeto que apenas iniciara, de fazer reportagens sobre a situação das bacias hidrográficas do Espírito Santo, mostrando seus problemas, a vida do povo que vive nas margens, a importância econômica, a arte e a força cultural.
O projeto “Navegando os rios capixabas”, da Rede Tribuna de Comunicação, foi abraçado por Sarcinelli, um experiente e premiado jornalista da área econômica, tão logo o conheceu.
Pai de duas filhas (Gabriela, 14, e Luisa, 11), ele se entusiasmava como poucos repórteres no desenvolvimento de cada pauta, de cada entrevista.
A experiência profissional, o caráter, a disposição pelo trabalho, são parte de seu legado. E o presente conjunto de cadernos, num total de oito, que começa hoje pelo rio Doce, é também uma homenagem a quem ocupou tão bem seu espaço na mídia capixaba e soube sonhar com um jornalismo a serviço do homem e da natureza.
Fonte: A Tribuna, Suplemento Especial Navegando os Rios Capixabas – Rio Doce - 01/07/2007
Expediente: Joel Soprani
Subeditor: Gleberson Nascimento
Colaboradores de texto: Nelson Gomes, Wilton Junior e Lívia Scandian
Diagramação: Carlos Marciel Pinheiro
Edição de fotografia: Sérgio Venturim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2016
Vinte e oito municípios do Espírito Santo estão ligados ao rio Doce, que precisa de ajuda para superar os problemas
Ver ArtigoProblemas do rio Doce colocam do mesmo lado sociedade civil e poder público para busca de soluções
Ver ArtigoO IV Fórum das Águas do Rio Doce, programado para abril de 2008, vai ter participação de vários países
Ver ArtigoNuma iniciativa inédita, órgãos ambientais do Espírito Santo, Minas Gerais e governo federal trabalharão juntos pelo rio Doce
Ver ArtigoA bacia do rio Doce em toda a sua extensão é berço de atividades econômicas de importância nacional e internacional
Ver ArtigoPasseio ecológico na foz de Regência deu origem à Descida do Rio Doce, num percurso de 154 quilômetros
Ver ArtigoO processo de desertificação pode afetar 38 municípios do Estado em 2025, a maior parte situada na área da bacia do rio Doce
Ver ArtigoOs profissionais que vivem às margens do rio Doce avisam que algumas espécies de peixes estão em extinção
Ver ArtigoNa usina hidrelétrica de Aimorés foi montado sistema que permite aos peixes subirem o rio para desova
Ver Artigo