Degradação ameaça cidades – Rio Doce
O rio Doce agoniza. A contaminação com o lançamento de esgotos doméstico e industrial ameaça à saúde dos moradores das cidades às suas margens e a escassez de água nos afluentes, conseqüência do avanço do assoreamento, agrava os problemas, dando forma real ao fantasma da desertificação.
Dados do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) apontam que áreas em 38 municípios, a maioria delas na bacia hidrográfica do rio Doce, que somadas representam 45% do território do Espírito Santo, podem se tornar deserto até 2025.
“Os problemas não são recentes. A exploração predatória da madeira, a ocupação urbana e industrial, aliada à adoção de práticas inadequadas em áreas de mono cultura, pastagens e fruticultura construíram o cenário desastroso que temos hoje. A desertificação é um processo consolidado”, alerta o coordenador da unidade regional da Agência Nacional de Águas (ANA) na bacia do rio Doce, Ney Murtha.
Segundo Ney, que conhece como a palma da mão todos os 230 municípios que fazem parte da bacia, 90% das cidades lançam os seus resíduos sem qualquer tratamento. Conseqüência: a morte lenta e silenciosa do rio.
A degradação dos habitats condena à extinção várias espécies animais, motivo de desespero dos biólogos. Os pescadores capixabas amargam o fim da profissão com a lenta agoniada redução da lâmina d’água ano a ano.
“A profundidade média em 1960 era de 3 metros. Atualmente, não chega a 90 centímetros. Na bacia temos de 7% a 10% de floresta nativa da Mata Atlântica e 80% do território possuem pastagens degradadas”, contabiliza o ambientalista e pesquisador Henrique Lobo, que há 27 anos estuda o rio.
No Estado, o rio representa o maior manancial de água doce. Os sólidos suspensos e o lixo em suas águas têm causado sérios danos ambientais em seu estuário, região de desova da tartaruga marinha, monitorada pelo projeto Tamar.
Das cabeceiras à foz, a bacia do rio Doce é um mosaico de problemas hídricos e ambientais. “O processo de destruição é um fator para os ciclos migratórios. A falta de água favorece o êxodo rural. A inexistência dela numa região com base econômica agropecuária eleva as migrações”, explica o gerente de Recursos Hídricos do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema), Fábio Ahnert.
As impressões da destruição
“Estou assustado com a devastação”
“Nasci e me criei às margens do rio Doce. Ao tomar consciência do grau de devastação pela qual passa a bacia, só posso dizer que estou assustado. A diminuição da quantidade de água é visível. A profundidade do rio baixou muito. Ela é um terço do que era há décadas. A retirada indiscriminada da madeira e a derrubada da Mata Atlântica para abrir espaço para as pastagens criou o cenário que estamos vendo hoje.”
Paulo Foletto, deputado estadual e coordenador da bancada capixaba na Cipe Rio Doce
“Restaram apenas de 7% a 10% da Mata”
“A expansão da agricultura e da pecuária, o comércio de madeiras e a urbanização, desenvolvidos nos últimos três séculos, e, mais recentemente, a industrialização provocaram uma redução significativa da cobertura florestal da bacia do rio Doce. Restaram apenas de 7% a 10% da cobertura original da Mata Atlântica.”
Edmilson Teixeira, coordenador do Laboratório de Gestão de Recursos Hídricos e Desenvolvimento Regional da Ufes e idealizador do Projeto Águas do Rio Doce
“Em alguns locais, a lâmina d’água é de meio metro”
“O Estado perdeu mais de 90% da Mata Atlântica nas últimas sete décadas. Por isso, o percentual desse tipo de vegetação às margens do rio Doce é muito baixo, com o predomínio absoluto das pastagens degradadas, mono culturas do café e do eucalipto. Com a redução da cobertura vegetal e avanço do assoreamento, em alguns locais a lâmina d’água é de meio metro. Ao participarmos de descidas ecológicas, percebemos que têm pontos do rio em que o barco inflável precisa ser levantado.”
Fábio Ahnert, gerente de Recursos Hídricos do Iema
“Investir em saneamento é fundamental”
“O esgotamento sanitário é um dos maiores problemas do rio Doce. Investir em saneamento e controle dos resíduos sólidos é essencial. Também é preciso ficar atento aos resíduos hospitalares que, na maioria das vezes, não recebem o tratamento adequado. Outro problema está no descarte de embalagens tóxicas. Se não houver coleta, com a chuva o produto químico vai chegar ao rio. Isso levará à mortandade dos peixes e contaminará o ser humano.”
Guerino Balestrassi, prefeito de Colatina e vice-presidente do CBH-Doce
“Cada um precisa fazer a sua parte”
“O rio está muito degradado. Os maiores problemas são a falta de esgotamento sanitário nos centros urbanos e a má gestão do uso dos solos (carreamento de segmentos para dentro do rio). A utilização de algumas práticas agrícolas em regiões mais montanhosas favorecem ao processo de erosão. É preciso ter uma visão coletiva dos problemas do rio, já que ele não privilegia o estado A ou B, mas os unifica. Se quisermos um rio despoluído, cada um precisa fazer a sua parte.”
Vitor Feitosa, secretário-executivo do CBH-Doce.
Os principais problemas do Rio Doce
• Queimadas e desmatamentos, que eliminam matas de topo, matas ciliares e contribuem para a degradação de nascentes, reduzindo a fauna e a flora regionais;
• Reduzida cobertura vegetal, que provoca enxurrada, gerando erosão que leva partículas de solos e seus nutrientes para dentro dos rios, o que causa o fenômeno do assoreamento;
• Destinação inadequada do lixo urbano;
• Poluição hídrica causada pela falta de tratamento de esgotos domésticos e descarga de rejeitos industriais sem tratamento;
• Poluição hídrica e do solo causada pelo uso em larga escala e pouco cuidadoso de agrotóxico e fertilizantes;
• Inundações periódicas nos perímetros urbanos; Secas prolongadas e escassez de água.
Fonte: Atlas Escolar da Bacia do Rio Doce – Nosso território, nossa gente (Projeto Águas do Rio Doce)
Fonte: A Tribuna, Suplemento Especial Navegando os Rios Capixabas – Rio Doce - 01/07/2007
Expediente: Joel Soprani
Subeditor: Gleberson Nascimento
Colaborador de texto: Nelson Gomes, Wilton Junior e Lívia Scandian
Diagramação: Carlos Marciel Pinheiro
Edição de fotografia: Sérgio Venturim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2016
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