No Colégio Estadual do Espírito Santo - Renato Pacheco
1 – O aluno.
Doca Pinheiro, filho de Dona Hélida e “Seu” João, me encontrou, nas vizinhanças do Viaduto, a caminho do Ginásio do Espírito Santo.
- Vai para o exame de admissão?
- Vou...
- Você vai ficar reprovado...
Nada respondi. Estava apavorado.
Passei arrastando. Vingança de menino, o Doca ficou reprovado.
Depois do quarto ano primário a gente fazia, optativamente, um quinto ano chamado de Curso de Admissão (ao Ginásio). O Ginásio tinha cinco anos e dava o título de Bacharel em Letras. Meu admissão, eu o fiz com o professor Luiz Simões de Jesus. No meio do ano ele foi nomeado para o DSP, recém-criado, e o curso passou a ser ministrado por D. Maria José, prima dele, que não infundia a mesma confiança do festejado mestre da Rua do Vintém.
Tímido, medroso, só aos poucos fui me acostumando à vida de ginasiano. Uniforme militar cáqui, com calças compridas, gravata, dólmã e quepe. Um professor por disciplina. O Ginásio Espírito Santo funcionava, por empréstimo, no prédio da Escola Normal “Pedro II”, o que propiciava, escondidos nas carteiras, troca de bilhetes com as meninas que estudavam pela manhã.
Ericsson Cavalcanti, engenheiro baiano, secarrão, dono de um único terno, materialista, aterrorizava-me. Seu cálculo mental era arrasador.
- O dobro da quinta parte de um número é 10. Qual é o número?
Se o aluno não respondesse, na bucha, 25, o mestre dizia:
- Está crescendo como um rabo de cavalo...
Um dia ele me chamou ao quadro-negro. Tremi tanto que Ericsson concluiu:
- Está doente. Sente-se.
Generoso, no francês, não era menos temido.
- Zerô, zero, era sua nota preferida.
Adorávamos o método de ensino do professor Guilherme Santos neves: muita leitura e muita redação, pouca gramática. Mas um dia o professor Guilherme extrapolou: mandou que a gente escrevesse a primeira parte do Hino Nacional Brasileiro, fracasso geral. O que deu de “solesmã” não estava no gibi...
Os demais professores, como se dizia no jargão futebolístico da época, não comprometiam o time.
A disciplina era férrea, a cargo do Tenente Josias, de nossa briosa PM, tendo ao fundo o diretor, professor João Ricardo da Costa, que, depois de uma briga com o aluno Jarbas Athayde Guimarães, foi substituído pelo mais liberal professor Darcy Lopes Rodrigues, havia guerra na Europa, nossos pracinhas estavam lá, e o mundo estava mudando.
Aos poucos, “enfant gaté”, me habituei ao sistema.
Colaborava no Comandos, o jornal inventado por mestre Guilherme, para aproveitar o embalo da 2ª Guerra Mundial. (Comandos, para quem não sabem era um célebre corpo de tropa britânico.) Fui suspenso por um dia, pelo Tenente Josias, por conversar em forma. Participei dos desfiles, que se chamavam “paradas”. Cantei no Coro Orfeônico do Maestro Vogeller, terceira voz desafinado. Joguei futebol pelo time da classe, sem nunca chegar a defender a União Atlética Ginásio do Espírito Santo, a aguerrida Uages, que estava sempre em choque com o Loren Reno, do Colégio Americano. Enfim, não era um celebridade, mas dava para o gasto.
Em 1946, aos 17 anos, estava no terceiro ano científico noturno, Mestre Guilherme ficou doente e tirou 45 dias de licença. Mandou chamar-me:
- Você vai substituir-me nas turmas do ginásio...
Tomei um susto. Mas, valentemente, aceitei o desafio e nunca mais deixei o doce veneno do magistério. Até hoje, meio século depois, ainda dou, esporadicamente, aulas de direito, história ou folclore.
2 – O Colégio.
O Colégio hoje se chama Escola do 2º Grau do Espírito Santo, Sua sede fica no forte São João, no morro que foi do Bispado. A obra foi iniciada no Governo Jones Santos Neves, um ex-aluno. O projeto arquitetônico é de outro ex-aluno, Elio Viana, e ganhou prêmio internacional. A reforma atual também se deve a um ex-aluno, o Governador Vitor Buaiz.
Fundado em 24 de outubro de 1906, com o nome de Gymnasio do Espírito Santo, era uma escola masculina equiparada ao Pedro II, do Rio. Jerônimo Monteiro o entregou, a pedido do irmão Bispo, aos Padres do Verbo Divino. Ao longo dos anos o Gymnasio, depois Ginásio, depois Colégio Estadual, andou de seca e Meca: no final da Rua Wilson Freitas, onde hoje está o Gomes Cardim, no Convento dos Franciscanos, na Escola Normal, e depois, por muitos anos, no prédio do Gomes Cardim, na Avenida Capixaba, onde é hoje a Escola de Artes Fafi.
Era chamado pelos professores de Judeu Errante, até que enfim ganhou prédio próprio e condigno, hoje totalmente reformado, parece até um prédio novo.
3 – O professor.
Voltando à vaca fria.
Abri um caderno com o nome dos meus alunos. O primeiro é Antonio Deodato dos Santos Andrade e o último Willes Leal Loureiro. O registro vai até 1948, se continuasse a escrituração seria hoje legião.
Em 1950, fiz concurso para Catedrático de História Geral. Topete assim nunca vi. Com 21 anos e autorização paterna, defendi a tese “Idade Média – algumas causas de seu termo”. Hoje sei que o que eu buscava era estudar o fim do medievo como espírito, e não como idade histórica. Naquela época, com os recursos locais, não sabia de nada.
Os catedráticos eram vitalícios e só podiam ser demitidos através de processo judicial. O concurso era de títulos e provas. Como título juntei até uma carta que Somerset Maughan me escrevera a propósito de uma crítica que fizera a Servidão Humana (sic).
Candidato único, fui aprovado, nomeado e empossado. Senti imensa responsabilidade para com os jovens de minha terra, quase da minha idade.
Abro um parêntese: belo, belíssimo foi o concurso de Guilherme Santos Neves, defendendo aplaudidíssima tese “À margem do mais-que-perfeito”.
Nos anos que se seguiram ajudei a formar rapazes e moças (desde 1944 o Colégio era misto) dos mais inteligentes de nossa capital e adjacências. Não lhes digo os nomes, prevenindo possíveis omissões.
Inventei algumas modas, como a leitura incentivada com boas notas de livros na Biblioteca da Rua Pedro Palácios, a apresentação por alunos de temas quentes tirados dos jornais e revistas correntes, a visitação a repartições públicas e fábricas.
Em 1957, voltei-me para a magistratura e deixei o Colégio Estadual, porém até 1972, quando fiz concurso para a Universidade, permaneci vinculado ao meu velho e querido Colégio, ministrando, na qualidade de Professor do 2º Grau, à disposição, aulas em São Mateus, Guaçuí, Cachoeiro de Itapemirim e Colatina.
Aprendiz sempre, considero-me ainda um aluno do Colégio Estadual e seu mais humilde docente.
O Colégio tinha tradição e mística. Os alunos amavam o Colégio e curtiam a Uages.
A Escola Pública funcionava, e nós, os menos aquinhoados pela fortuna, só crescemos graças a ela.
Que os alunos de hoje, irmanados a seus professores, procurem conhecer a história de seu Colégio, dando-lhes valor, significado e perenidade.
Fonte: Colégio Estadual – 90 anos educando,1996
Autor: Renato Pacheco
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2012
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