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O Descobridor de Talentos - Por Álvaro José Silva

Telmo Torres no Rio Branco 1º à esquerda

Rodrigo passou rapidamente a mão na testa, limpou o suor que escorria e se concentrou no lance. O adversário tomou distância e chutou a bola com violência, ao lado da barreira, justamente no canto onde ele a esperava. Mesmo assim, teve que dar um salto e sentir o impacto violento dela contra o peito, a queimação rápida, antes de cair ao chão dominando-a mais uma vez, e ouvir os gritos da torcida voltando a encher o estádio.

Atrás do gol, Júnior, repórter da rádio, anunciava tempo esgotado. Rodrigo bateu bola com calma, fez sinal a seus companheiros para avançarem a zaga, conferiu o 0 a 0 no placar, e depois correu, chutando para cima, com violência, contra o campo adversário. O chute coincidiu com o levantar das mãos do árbitro e a correria dos repórteres campo adentro. Nas arquibancadas, a torcida insistia em gritar seu nome, enquanto em campo ele era cercado por fios e microfones.

Sentiu empurrões de um lado para o outro, tapinhas nas costas, e ouviu as perguntas, todas antecedidas pelas informações de que ele havia sido escolhido o melhor jogador do Campeonato Brasileiro recentemente encerrado, ia receber a "Chuteira de Ouro" e estava contratado pelo Corinthians. Seu último jogo no Rio Branco havia acabado.

— Rodrigo — perguntou o Júnior, — como você se sente agora, depois de terminar seu último jogo aqui, em Vitória, um dia antes de viajar para São Paulo e se apresentar ao Corinthians? Eu pergunto porque você, aos 24 anos, foi escolhido como o melhor goleiro do Brasil, ganhou a "Chuteira de Ouro" e está sendo cogitado para a Seleção Brasileira.

Rodrigo sorriu um sorriso meio contrafeito, surpreso com a afirmativa do repórter. Não queria parecer pretensioso:

— Esse negócio de Seleção é você quem está afirmando. Eu não sei de nada. Sei que vou para São Paulo, disputar posição e tentar me firmar como titular. Se conseguir, aí sim vou sonhar com a Seleção — disse.

Depois foi andando devagar para o vestiário, respondendo a novas perguntas e acenando para os torcedores que, por trás do banco de reservas, gritavam seu nome. Desceu as escadas rapidamente, passou pelo túnel e subiu do outro lado, procurando tirar o uniforme logo, para entrar na banheira e se recuperar dos noventa minutos de tensão.

Levou um susto quando viu pela frente seu Antenor, o ex-técnico, agora no Vitória, e que havia ido lá dar-lhe um abraço. O treinador esperou os repórteres olharem antes de, espalhafatosamente, agarrar Rodrigo pela camisa e dizer quase gritando:

— Parabéns, meu garoto. Eu bem acreditei em você. Sabia que isso ia acontecer. Vai com Deus. Muita sorte.

Os repórteres correram até Antenor, que era todo sorrisos, e colocaram os microfones diante de seu rosto. O técnico foi falando e Rodrigo, ao mesmo tempo em que se deitava na banheira, chocado com o espetáculo, recordava-se do Rio Branco de apenas dois anos antes.

Havia chegado de Linhares, pedindo emprego como jogador. Os times locais estavam parados, ele não havia nascido para ficar enchendo tanque de automóveis em postos de gasolina, e preferiu tentar a sorte em Vitória. Afinal, era ou não um bom goleiro?

Foi seu Antenor quem o recebeu. Sem entusiasmo algum, mandou-o vestir o uniforme e treinar. "Só para você não ficar enchendo o saco, pois nós já temos três goleiros e nem pensamos em outro," completou.

Foi o erro. Rodrigo treinou como um leão. Ao final, os dirigentes vieram conversar com ele, disseram ter gostado de sua atuação, perguntaram se o passe estava livre, mas esclareceram que a decisão final sobre a contratação dependeria do técnico. Afinal, técnico serve é para isso mesmo.

O rapaz foi embora, dormiu em uma pensão barata do Parque Moscoso e voltou no dia seguinte bem cedo, para esperar o treinador e ver se o contrato tão sonhado sairia. Antenor exigiu que ele treinasse de novo no time reserva antes de uma decisão. Rodrigo fez o diabo, pegou tudo, saiu de campo ensopado de suor e vendo o treinador sinalizar para ele esperar. Conversariam depois.

E conversaram mesmo. O técnico veio chegando após tomar seu banho e dispensar os jogadores. Estavam só eles à margem do gramado enquanto a tarde morria. Ninguém, nem um repórter havia para testemunhar a conversa.

— Garoto, você leva jeito. É corajoso, tem elasticidade. Precisa melhorar, mas é bom. Eu sou o passaporte para o sucesso, posso ajudá-lo no time, fazê-lo titular, abrir o caminho para você acabar em um clube grande do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Mas tudo na vida tem um preço — disse, calando-se em seguida.

Rodrigo não entendeu. "Preço, como assim?" — perguntou.

— Eu explico. Vou recomendar a sua contratação. Você vai assinar por salário teto, o mesmo que ganham os outros jogadores menos famosos. Depois de findo o primeiro mês, você entrega o salário a mim. O preço é o primeiro salarinho do garotão. Do segundo em diante o dinheiro é seu.

Rodrigo ficou pasmado. "Mas, seu Antenor, e eu vou viver de quê durante sessenta dias?" — perguntou.

— Não é problema meu. More na concentração, junto com os solteiros, venda o relógio, a bicicleta, tudo. É questão sua. Da minha parte o preço é o primeiro salário. Pega ou larga?

Rodrigo pegou. Não tinha alternativa. E foi logo embora dali. Depois treinou com afinco, chegou a titular e, um belo dia, a melhor goleiro do Estado. No Campeonato Brasileiro, tornou-se a sensação, e logo os times grandes começaram a disputar o seu passe. O Corinthians veio na frente e o levou. Já se haviam passado dois anos, Antenor tinha sido mandado embora depois de uma campanha ruim do Rio Branco, foi parar no Vitória, mas agora estava lá no vestiário, a maior cara-de-pau do mundo, a olhar para ele e a dizer que havia sido o responsável pelo seu descobrimento no futebol.

O rapaz ficou sentado na banheira, molhando o corpo, enquanto via o espetáculo. Antenor era um artista:

— No dia em que esse rapaz chegou aqui no Rio Branco, eu virei para a diretoria e disse: "Aí temos um craque!". Depois foi só recomendar a sua contratação, esperar por um ou dois jogos antes de lançá-lo no time titular, e pronto. Eu sabia que ele ia "estourar no norte". Depois fui embora daqui e ele continuou no mesmo ritmo. Olha aí o rapaz indo para o Corinthians! Eu bem dizia: "Esse Rio Branco me deve" — completou.

Os repórteres, então, viraram os microfones em direção a Rodrigo. Foi Júnior quem perguntou:

— Então, Digão, emocionado com esses elogios todos? — Muito, — respondeu ele. — O seu Antenor é uma grande figura humana...

O técnico veio em direção ao rapaz, cercou-o com um abraço e continuou a falar, tomando conta da entrevista:

— Eu lhes digo uma coisa: este ano mesmo o Rodrigo chega à Seleção Brasileira. Vou me encontrar com o Zagalo e falar com ele. Ele é um grande amigo meu. Vou recomendar o rapaz. Tenho certeza de que teremos um capixaba na Seleção, e em breve. Rodrigo olhava para ele: "O senhor é um amor, seu Antenor..."

— Que é isso, meu filho, não precisa agradecer, não. A vida eu passei toda ela ajudando jogadores, como fiz com você. É minha vocação de técnico humanista. Se não dei a sorte de dirigir time grande foi porque o futebol é muito ingrato. Mas meu orgulho são os craques que consigo revelar com esse faro aqui — e tocou na ponta do nariz.

Rodrigo se livrou dele, pediu "licença minha gente, que vou trocar de roupa", e foi andando em direção ao seu armário. Agora estava sentindo vontade de rir. Passou por dois ou três torcedores que haviam driblado a segurança e entrado no vestiário, levou tapinhas nas costas, agradeceu, e estava tirando a roupa do armário quando ouviu Antenor saindo do local e se despedindo dele:

— Até logo, meu filho, e muito boa sorte. Dê um abraço no Vicente Matheus por mim. E mais uma coisinha: se você encontrar lá no Corinthians algum jogador com idade estourada nos juvenis, sem chance no time titular e precisando jogar para sobreviver, como aconteceu com você há dois anos, mande para o Vitória. Você sabe como a coisa funciona...

 

Nota do Site:

Não conseguimos uma foto do goleiro Rodrigo

 

ESCRITOS DE VITÓRIA — Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.
Prefeito Municipal - Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar
Diretor do Departamento de Cultura - Rogerio Borges De Oliveira
Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici
Conselho Editorial - Álvaro Jose Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Bibliotecárias - Lígia Maria Mello Nagato, Elizete Terezinha Caser Rocha, Lourdes Badke Ferreira
Revisão - Reinaldo Santos Neves, Miguel Marvilla
Capa - Remadores do barco Oito do Álvares Cabral, comemorando a vitória Baía de Vitória - 1992 Foto: Chico Guedes
Editoração - Eletrônica Edson Malfez Heringer
Impressão - Gráfica Ra
Fonte: Escritos de Vitória, nº 13 – Esportes- Prefeitura Municipal de Vitória e Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996
Autor: Álvaro José Silva
Nascido em Vitória (ES). Jornalista, esses textos de Álvaro José Silva estão publicados neste volume por decisão dos demais membros do Conselho Editorial.
Compilação: Walter de Aguiar Filho,fevereiro/2020

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