O epílogo pecebista – Partido Comunista Brasileiro
A principal força política de esquerda no período anterior deposição de Jango foi o Partido Comunista Brasileiro. O início dos anos 1960 representou o apogeu da trajetória pecebista. Mesmo na ilegalidade, o partido manteve estreitas ligações com o movimento sindical, estudantil e o próprio governo federal — sobretudo após a inflexão à esquerda de João Goulart, no segundo semestre de 1963. O PCB tinha conquistado espaço nas ruas e nos corredores do poder, influenciando a luta política travada pelos movimentos sociais e fustigando o presidente da República a não recuar na realização das reformas.
A linha seguida pelo partido na conjuntura imediatamente anterior ao golpe fundamentou-se nas decisões do seu V Congresso, realizado em 1960, quando foram retomadas as principais diretrizes da declaração política aprovada em 1958. Naquele ano, ao contrário das avaliações anteriores, o PCB reconheceu o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a ampliação do mercado interno, a criação de uma importante indústria de base e o crescimento do operariado e da burguesia. Em pleno governo JK, de fato era muito difícil não aceitar que mudanças radicais estavam ocorrendo na economia e na sociedade.
Contudo, a concepção do partido sobre a revolução brasileira continuou praticamente a mesma das avaliações anteriores. O Brasil seria um país com características feudais ou semi-feudais no campo, bloqueando o pleno desenvolvimento capitalista. Nesse cenário, era preciso aprofundar as contradições do sistema econômico para fazer a revolução socialista. Mas os resquícios feudais impediam seu total desenvolvimento, situação que era reforçada pelos laços estabelecidos entre os setores feudais dominantes e o imperialismo (especialmente o norte-americano), interessado em manter o relativo atraso da economia brasileira.
Em tese, à articulação entre o imperialismo e seus aliados nacionais se contrapunha a maioria da sociedade brasileira, incluindo operários, camponeses, pequena burguesia urbana e burguesia nacional — esta, tida como independente e progressista. Daí, portanto, a proposta de uma frente ampla reunindo todos esses setores sob a direção da classe trabalhadora e de seu partido — o PCB, evidentemente — para derrotar, de uma só vez, o inimigo externo e interno. Na época, o partido chegou até mesmo a considerar a participação na frente ampla de latifundiários que supostamente guardavam contradições com o imperialismo norte-americano e de setores da burguesia ligados a monopólios imperialistas rivais ao estadunidense.
A revolução brasileira, assim, teria duas etapas. A primeira, de caráter burguês ou nacional-democrático, seria anti-imperialista e anti-feudal. Só então viria a segunda fase, propriamente socialista. Com essa interpretação, o PCB — o mesmo da Intentona de 1935 — fazia um giro no sentido da democracia. A ofensiva revolucionária ficava em segundo plano. Era possível chegar ao socialismo pacificamente, sem o confronto armado. Porém, havia uma ressalva: se os "inimigos do povo brasileiro" utilizassem de violência, advertia o PCB, as forças progressistas poderiam recorrer a uma "solução não pacifica". Na reunião de 1960, o partido abandonaria quaisquer pudores, falando abertamente em "luta armada" como forma de resistência.
Em 1961, quando Jango assumiu a Presidência da República, aquilo que o PCB vinha debatendo teoricamente parecia encontrar correspondência na realidade. Era como se o prognóstico pecebista se concretizasse. O partido estava no rumo certo. Embora não fosse comunista, Goulart era historicamente ligado aos setores que o PCB acreditava serem antagônicos ao imperialismo e ao feudalismo. O protagonismo dos movimento sociais, que pressionavam o governo em favor das reformas, era o sinal de que o povo empunhava as mesmas bandeiras do partido. Quando Jango decidiu seguir sozinho com a esquerda, os pecebistas acreditaram que a primeira etapa da revolução se aproximava.
Sabiam, contudo, que haveria resistências. Mas garantiam ter forças suficientes para lutar contra a direita. Às vésperas do golpe, Prestes chegou a dizer que, se tentassem depor o presidente, "teriam as cabeças cortadas". O vigor da retórica se estendeu também à esquerda não-comunista. Brizola ameaçava com os Grupos dos Onze, organizados pelo líder gaúcho para defender as reformas de base — inclusive com uso da violência. Eles, porém, nunca esboçaram reação alguma. No campo, Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, garantia ter cem mil homens armados, prontos para dominar rapidamente estados da região. Mas tudo não passava de blefe. Quando veio o golpe, Julião se escondeu até a poeira baixar.
Com os crescentes rumores de golpe, a esquerda acreditou que deveria dar o primeiro passo. O povo já estava a seu lado. Faltava apenas o sinal verde de Jango. Vacilante (ou prudente), Goulart confiou na legalidade. No dia 31, o golpe chegou: só que pela direita. A desconfiança tornou-se generalizada. O PCB temia que o presidente, em quem havia confiado, derrotasse os golpistas e, por tabela, isolasse a esquerda. Por isso, naquele mesmo dia, Prestes instruiu as bases estudantis a não radicalizarem a situação. Os comunistas não perceberam que o caminho era sem volta. A autoconfiança, os discursos acalorados e as ameaças explícitas caíram como um castelo de cartas.
À derrota seguiu-se uma ferrenha disputa interna no PCB para examinar as causas do golpe e definir a linha política a ser seguida naquela nova conjuntura. Para a maioria do Comitê Central, o partido teria superestimado a correlação de forças da sociedade, avaliando mal as condições objetivas da revolução. Um evidente desvio à esquerda. Porém, setores importantes do PCB fizeram uma avaliação oposta à autocrítica oficial. O erro do partido teria sido apostar na aliança com Jango e no apoio militar que o presidente dizia ter, sem preparar a militância para resistir a um golpe cada vez mais iminente. Um claro desvio à direita.
Os primeiros anos da ditadura, portanto, foram marcados pela intensa luta política dentro do PCB. A postura assumida pelo partido antes do golpe passou a ser duramente questionada, assim como sua estratégia revolucionária. A formação de uma frente ampla com a pequena burguesia urbana e a burguesia nacional tinha se mostrado equivocada. Esta, inclusive, revelara não ser antagônica ao imperialismo nem tampouco nacionalista, como argumentava o PCB. No final, acabou prevalecendo a posição moderada, sob a liderança de Prestes.
Os comunistas não quiseram arriscar com um novo desvio à esquerda, afastando-se do caminho da luta armada — ilegal e clandestino. Sua nova tática política consistiu em apoiar o Movimento Democrático Brasileiro, único partido de oposição legalmente reconhecido depois de 1965. Os efeitos colaterais dessa luta interna foram decisivos para o futuro do PCB, embora há algum tempo o partido já viesse disputando com outros grupos a hegemonia no campo esquerdo. Para o Partidão, era como se um velho fantasma ressuscitasse. Os expurgos e as manobras internas para isolar suas correntes mais radicais não tinham surtido o efeito esperado.
Sobre o autor
Vitor Amorim de Angelo nasceu em Vitória (ES) em 1982. É historiador formado pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é pesquisador do Centre d’Histoire do Institut d’Études Politiques de Paris, onde desenvolve trabalho sobre o tema deste livro. Autor de A Trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT (EdUFSCar, 2008).
Fonte: Luta Armada no Brasil, 2009
Autor: Vitor Amorim de Angelo
Editora: Claridade LTDA
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2018
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