O Grande Jogo - Hércules Dutra de Campos Filho
"De hoje não passa!" Este foi meu primeiro pensamento ao tomar o ônibus do time rumo ao estádio. Sentia um clima tenso entre meus companheiros, um sorriso amarelo de um, um esfregar de mãos de outro. Tentei manter a calma, pois era o mais antigo da turma, estava no clube há mais tempo e era o capitão. Eu tinha que manter a calma.
Chegando ao estádio, já víamos nossa torcida "invadindo", cantando, pulando, dançando, como se soubesse o resultado. Achei aquilo um pouco perigoso, já havia visto esta cena antes. As cores vermelha, branca e verde pareciam querer pintar aquela tarde de domingo, mas encontravam rival na vermelha e preta, que formava, assim como a nossa, um mar de gente, enfim, uma loucura total.
No vestiário, as instruções pareciam, naquele momento, mais confundir que explicar, como se a voz do treinador viesse de uma caverna bem funda. Nossos músculos retesados esperavam o momento de entrar em campo e lavar a alma com a conquista de um campeonato que não vinha há quinze anos. Éramos motivo de gozação mas estávamos ali, quase campeões. Mas esse quase era o outro time, aguerrido, violento e desesperado por um título para justificar o alto investimento feito. Nosso time era mais barato nos salários, porém mais solidário. Para piorar, precisávamos vencer por diferença de dois gols.
Começa o jogo e nossos nervos nos traem; uma bola na trave e logo depois um gol... deles. Metade do estádio veio abaixo e a outra metade calou, por um segundo, para logo depois, a um gesto do ponta-esquerda, soltar a voz e a paixão contida pelo gol adversário. Foi uma explosão só!
O primeiro tempo terminou para nosso alívio e no vestiário ninguém dizia nada, só aqueles olhares de espanto e preocupação. Dava para ouvir a galera gritando, xingando (ainda bem que não passou disso) e, ao cantarem o hino do time, foi como se uma força infinitamente maior nos invadisse, até que, com lágrimas nos olhos, eu gritei: — "Pô, aqueles caras não jogam mais do que nós! Quem eles pensam que são para nos tirarem assim um campeonato tão esperado. Vamos lá arrasar com eles, gol neles!"
Foi uma gritaria só, até o técnico ficou espantado mas fez um sinal de positivo para mim. Foi o que bastou. Voltamos a campo dispostos a vencer ou desfazer o time. Aos dez minutos, 1 a 1, aos quatorze, 2 a 1, aos vinte e cinco, 3 a 1, aos quarenta já ganhávamos por 6 a 2. A outra metade calou. Eu só via vermelho, verde e branco em rolos de papel, talco, fitas, bonés, tudo voando.
O árbitro apitou o fim do jogo e o começo da maior loucura que já havia visto num estádio. Era choro, riso, abraço, beijo, tinha de tudo, dança, camisas jogadas para a torcida, entrevistas, tinha até os infalíveis tapinhas nas costas que os dirigentes dão quando estamos "por cima" (quando caímos eles ajudam a pisar). Depois, o chope lá na sede, mais entrevistas, badalações etc.
Foi essa a maior vitória. Pelo time, acho que foi. Pela torcida, claro que foi. Mas o que faltou? Nós, os jogadores, nos unimos para conquistar este campeonato mas estávamos cansados de ver, ao longo do mesmo, cenas de violência, de invasão de campo, até mesmo alguns de nós perdemos a cabeça, uma vez ou outra.
Naquele domingo, pelo menos uma torcida soube se comportar. A outra tentou estragar o espetáculo mas o policiamento segurou. No final, até nos aplaudiram. Bem, já é alguma coisa. Por comparação, foi um jogo até tranquilo. Partindo daqui podemos dizer que é um exemplo a ser seguido. Não seria melhor se em todos os esportes os torcedores se comportassem assim? Se os dirigentes e os técnicos não se provocassem pelo rádio, jornais ou TV? Eles, com a "guerra verbal", insuflam também os torcedores. Melhor que a taça, foi ver paz no estádio, crianças rindo, pulando etc. Bem, assim foi o grande jogo. Agora vamos tentar ver a grande paz voltar aos campos. Afinal, não é proibido sonhar.
ESCRITOS DE VITÓRIA — Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.
Prefeito Municipal - Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar
Diretor do Departamento de Cultura - Rogerio Borges De Oliveira
Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici
Conselho Editorial - Álvaro Jose Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Bibliotecárias - Lígia Maria Mello Nagato, Elizete Terezinha Caser Rocha, Lourdes Badke Ferreira
Revisão - Reinaldo Santos Neves, Miguel Marvilla
Capa - Remadores do barco Oito do Álvares Cabral, comemorando a vitória Baía de Vitória - 1992 Foto: Chico Guedes
Editoração - Eletrônica Edson Malfez Heringer
Impressão - Gráfica Ita
Fonte: Escritos de Vitória, nº 13 – Esportes- Prefeitura Municipal de Vitória e Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996
Autor: Hércules Dutra de Campos Filho
Nascido em Vitória (ES).
Professor de inglês e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo.
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2020
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