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Os santuários, manifestações do mistério de cristo – Por Frei Alberto Beckhauser

Convento da Penha - 1969

FREI Alberto Beckhauser, nascido em Forquilhinha (SC) aos 20-5-1935. Estudos: em Curitiba, Petrópolis e em Roma, onde se doutorou em teologia. É professor de teologia na Faculdade Teológica Franciscana de Petrópolis (RJ).

 

Celebramos em 1970 o quarto centenário da morte de Frei Pedro Palácios, fundador do Santuário de Nossa Senhora da Penha em Vila Velha, perto de Vitória. É o primeiro Santuário de Nossa Senhora no Brasil.

Hoje, mais do que nunca, a pastoral dos Santuários é posta em xeque por muitos. Por ocasião do quarto centenário da morte de Frei Pedro Palácios escrevemos na Revista Eclesiástica Brasileira um artigo com o título acima. Reproduzimo-lo aqui, acrescido de outras considerações brotadas de reflexões ulteriores sobre os Santuários e o sentido das peregrinações na vida do homem. Nestas linhas não pretendemos fazer uma apologia dos Santuários, nem entrar numa problemática real de tensão existente entre as comunidades paroquiais e a vida dos Santuários. Interessa-nos antes apresentar algumas reflexões sobre o fenômeno da vida religiosa dos Santuários e, de modo especial, do Santuário de Nossa Senhora da Penha.

Parece que poderíamos comparar a vida cristã da comunidade paroquial com a vida cotidiana, rotineira. É nela que os cristãos são inseridos na Comunidade pelo Batismo; é nela que os cristãos vivem a vida fraterna, participando da mesa eucarística. Ainda na Comunidade paroquial ele faz penitência, sendo com ela reconciliado quando pelo pecado for excluído da Comunidade Eucarística. É esta mesma Comunidade que se solidariza com um irmão ou uma irmã enfermos. Juntos celebram o Cristo médico da humanidade e invocam o Espírito Santo para que o enfermo, nesta hora mais difícil, possa cumprir a vontade do Pai e retornar à comunidade eucarística. É nesta Comunidade local que o amor entre um casal cristão se manifesta como sinal do amor de Cristo à sua Igreja. Por fim, a comunidade local é uma comunidade de oração, não só na celebração dos Sacramentos, mas ainda por outras manifestações comunitárias de oração. Não devemos esquecer que ela forma ainda uma comunidade de caridade fraterna, de ajuda mútua.

O que falta então? A vida de uma comunidade cristã não se resume nisto? O que resta para a vida dos Santuários? O essencial da vida cristã, não resta dúvida, encontra-se manifestada na vida da comunidade paroquial, Mas, existem aspectos da vivência do Mistério Pascal que dificilmente encontram uma manifestação apropriada na vida paroquial. Assim, por exemplo, a pertença a uma Igreja diocesana ou universal, o caráter de ser um Povo de Deus em marcha. Ora, sendo o Mistério de Cristo muito rico, certas circunstâncias como fatos e lugares são capazes de realçar este ou aquele aspecto do mesmo. Eis o lugar para os santuários e as peregrinações ou romarias.

I. Peregrinações e santuários

As peregrinações constituem um fenômeno ligado à própria natureza do homem. Ele se sente um ser a caminho. Sua própria vida é uma caminhada do nascimento para a morte, da juventude para a velhice e, em sua aspiração mais profunda, uma passagem desta vida efêmera para uma vida mais feliz.

Por isso, sair de um lugar para buscar outro é próprio do coração humano. O homem é o eterno peregrino, o permanente "procurador" de Deus. Saímos de Deus e estamos em contínua tendência para Aquele que é o nosso princípio e o nosso fim. É daí que o caminhar adquire um sentido especial para o homem. Todos povos têm seus lugares de romaria. É por assim dizer, o subconsciente universal que está à procura de uma perfeição perdida: o paraíso perdido e a esperança de encontrá-lo, o céu.

Cícero diz: "Somos intimamente movidos para os lugares onde existem vestígios daqueles a quem amamos ou admiramos". As peregrinações para os túmulos dos pagãos, como Júpiter em Gades, de Júpiter Capitolino em Roma, de Apoio em Delfos, de Diana em Éfeso e as massas de inumeráveis adoradores dos túmulos em Rama e Crishna, que perduram em nossos dias, provêm habitualmente da crença do aumento do poder da divindade, cuja ajuda está sendo procurada, quando localmente circunscrita.

As peregrinações dos judeus na época das grandes festas eram objeto de obrigação (Cf Deut 16,16). E desde que o templo de Jerusalém figurava como santuário nacional, lugar privilegiado da presença e da ação de Deus, tornou-se alvo das três romarias anuais, realizadas com grande fervor.

Diversas missões na História do Povo de Deus foram realizadas em íntima relação com peregrinações. A eleição de Abraão exigiu uma caminhada de Ur para a Terra de Canaã (Gen 12), a libertação do povo de Israel do Egito sob a direção de Moisés, uma travessia do deserto até chegar à terra prometida (Ex 13ss).

No Novo Testamento, o nascimento de Jesus está ligado a uma viagem da Galiléia para a Judéia (Lc 2). Temos ainda a fuga para o Egito (Mt 2,13-23). E a Sagrada Família de Nazaré cumpria fielmente a lei, conforme nos narra o Evangelho: "Seus pais iam todos os anos a Jerusalém na festa da Páscoa. Tendo ele atingido doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume da festa" (Lc 2,41-42). Jesus e os Apóstolos também não deixavam de subir a Jerusalém por ocasião das festas anuais (Cf Jo 5,1;7,1-14).

A crença cristã, segundo a qual "Deus é um espírito" a ser procurado e achado não especialmente "nesta montanha, nem ainda em Jerusalém", mas em qualquer lugar em que os verdadeiros adoradores se aproximam dele em espírito e em verdade, poderia parecer à primeira vista destinada a encorajar muito pouco as peregrinações (Cf Jo 4,21-25). Contudo, desde o começo a Igreja, ao mesmo tempo que admitia o perigo dos abusos, e tomando as medidas para preveni-lo, aprovou a prática das peregrinações aos lugares santos como uma ajuda poderosa e um incentivo para a vida devota. Ela também favorece a prática porque reconhece o fato indubitável que Deus tem concedido freqüentemente, e ainda concede, favores interiores e exteriores, graças e milagres, em lugares ou túmulos, para honrar certos mistérios da vida de Cristo, de Nossa Senhora e dos Santos.

Desde os primeiros tempos da Igreja formou-se uma contínua corrente de peregrinações que se dirigia para os lugares santos e para os túmulos dos Apóstolos. Desde então não mais cessaram as visitas aos lugares santos como por exemplo, as descritas na Peregrinação de Etéria, piedosa senhora que descreve minuciosamente sua peregrinação aos lugares santos. E no decorrer dos séculos multiplicaram-se os santuários cristãos. Aconteceu, então, que "entre as práticas de piedade popular, figura a romaria como uma das prediletas. Esta jornada religiosa feita a algum santuário longínquo constitui um exercício comum aos povos de todos os tempos. Ademais a romaria simboliza a própria vida do homem como peregrinação terrestre até o destino eterno do céu, enquanto as felizes horas passadas no santuário proporcionam um antegozo do céu e um símbolo da vida eterna" (Frei Venâncio Willeke, O.F.M., São Francisco das Chagas de Canindé, Editora Mensageiro da Fé, Salvador 1962, p.38).

O Brasil não escapou a esta lei geral. Desde o primeiro século de sua evangelização, nos diz Frei Venâncio na obra citada, o Brasil acompanha o movimento peregrino de toda a cristandade. Em 1558, o ermitão franciscano Frei Pedro Palácios fundou o célebre santuário de Nossa Senhora da Penha em Vila Velha, Estado do Espírito Santo. Em 1663, seguiu-se a fundação do Santuário do Senhor Santo Cristo de Ipojuca em Pernambuco, tendo como promotor outro irmão franciscano, Frei Antônio de Santa Maria. Em 1775 principia a construção do Santuário de São Francisco das Chagas à margem do Rio Canindé. Em 1717 deu-se o encontro da imagem que seria chamada Nossa Senhora da Conceição Aparecida, que se transformou em centro de romarias e em 1930 foi proclamada Padroeira do Brasil. Tornar-se-ia muito longa a lista se aqui mencionássemos todos os Santuários que foram surgindo pelo imenso território brasileiro.

Em vista de certas distorções referentes à vida religiosa dos santuários, a Santa Sé em 1936 baixou um decreto sobre as peregrinações aos santuários. Entre outras coisas se diz que "as peregrinações hão de revestir-se de caráter verdadeiramente religioso, sendo tidas e realizadas como atos pertencentes à piedade cristã; devem perfeitamente distinguir-se de viagens de recreio. Portanto, tudo o que desdiz da referida finalidade religiosa e devota será removido e deve-se evitar tudo quanto faça suspeitar que estas peregrinações sob pretexto de um fim religioso, na realidade foram empreendidas para fins de divertimento e passeio.

Unicamente a autoridade eclesiástica tem direito de promover e dirigir peregrinações. Por esse motivo, mesmo que se trate de Institutos religiosos ou seus membros, requer-se ao menos a aprovação da referida autoridade". (A AS 28(1936) p. 167).

E o Papa Paulo VI recentemente dirigiu-se em carta aos reitores dos Santuários Marianos com uma palavra orientadora (Cf Sedoc 4 (1971/72) p. 18-20). "Se a Providência divina, pergunta Paulo VI, por desígnios muitas vezes admiráveis, marcou os Santuários Marianos com um cunho particular, não será para ajudar os pastores e os fiéis a recorrerem com mais confiança e alento à intercessão de Maria, numa contemplação amorosa do seu mistério?

Às multidões, continua o Papa, que hoje como outrora, se congregam nestes lugares, tão invocadores da presença do invisível, vós, os que deles sois ministros e guardiães, tendes certamente a peito inculcar uma devoção autêntica, para com aquela que deu Cristo aos homens".

O Papa recomenda vivamente a devoção do Santo Rosário que, aliás, constitui uma das formas mais profundas de contemplar o Mistério de Cristo em sua manifestação, na sua realização dolorosa, e na sua consumação vitoriosa. É no fundo o Breviário do povo fiel. Mas, que se cultive de modo especial a devoção litúrgica de Nossa Senhora intimamente inserida no mistério de Cristo. E convida os fiéis que freqüentam os Santuários a orarem com mais fervor ainda a Nossa Senhora pela Igreja e pelo mundo, para que por uma fé sempre mais viva, os homens possam chegar à unidade, à paz e à felicidade : "Procurai, portanto, amados Filhos, diz o Papa, fazer dos Santuários Marianos, de que estais encarregados, cada vez mais, lugares de onde se eleve uma oração assim, pela paz, pela unidade, pela felicidade de todos os homens, e, sobretudo para que eles acolham a Palavra da fé e a ponham bem no centro da sua vida; lugares igualmente, de onde se volte ardentemente decidido a trabalhar, com todas as forças, pela paz do mundo e pela unidade da Igreja".

II. O Santuário de Nossa Senhora da Penha

Tentemos, agora, uma análise do Santuário de Nossa Senhora da Penha: quais os elementos capazes de realçar certas facetas especiais do Mistério de Cristo e de levar a maior vivência do Mistério Pascal?

1. Antes de mais, a localização: A montanha é um elemento de localização. O Santuário está situado sobre uma montanha. Este elemento de localização é um dado escriturístico muito rico. Nos Evangelhos vemos Cristo subindo montanhas para se transfigurar, para sofrer, para orar. Sobre a montanha Cristo é tentado. O alto da montanha leva a uma especial presença de Deus. Subir uma montanha pode representar penitência, esforço de voltar-se para Deus.

Para os que não conhecem o Santuário de Nossa Senhora da Penha convém lembrar que sobre o topo da montanha ergue-se um grande rochedo, sobre o qual foi construído o Convento e a Igreja. Sob este aspecto sobressai aqui a idéia da Igreja construída sobre a rocha. A Igreja, meio seguro para atingirmos a felicidade do Reino de Deus. Por outro lado, o próprio Cristo é apresentado como pedra angular. E a vida cristã, por sua vez, deve ser uma casa edificada não sobre a areia, mas sobre o rochedo. O Santuário é de Nossa Senhora da Penha. A imagem de Maria venerada no Santuário é a de Nossa Senhora dos Prazeres. Maria traz o menino Deus nos braços e o apresenta aos homens. Maria nos dá o Cristo, rochedo firme, caminho na nossa escalada até Deus.

O Santuário está localizado na entrada do Porto de Vitória, entre a barra e o Oceano Atlântico. Do alto-mar pode-se avistar o Santuário. Por isso em momentos de perigo, nas fúrias da tempestade, os marinheiros e sobretudo os pescadores encontram o rumo, o porto seguro, a bonança, orientando suas barcas pelo Santuário de Nossa Senhora da Penha. Eis porque Nossa Senhora é chamada também de Mãe da Boa Esperança, sendo Cristo a Boa Esperança. Nossa Senhora aparece outrossim como Estrela do Mar e farol dos errantes.

O Santuário de Nossa Senhora da Penha lá está também para comemorar a vitória sobre os inimigos. Aqui os fatos históricos são outros tantos meios de comunicação. Cristo e Maria levam a humanidade à vitória sobre o inimigo.

2. A caminhada: Outro elemento rico de significado. Para se chegar a Cristo e Maria é preciso caminhar, peregrinar. Abraão teve que deixar família, haveres, pátria e ir a uma terra que Deus lhe haveria de mostrar. Israel, para se tornar povo de Deus, teve que deixar o Egito e por se a caminho pelo deserto até o Monte Sinai para, então, feita a Aliança com Deus, conquistar a terra onde corre leite e mel.

Todos nós somos chamados por Cristo para com Ele subirmos a Jerusalém para enfrentar, desta forma, o pecado e a morte, e participarmos assim do seu Reino. O que melhor poderia expressar esta realidade peregrinante de nossa vida humana do que uma peregrinação até o alto da Penha, como fazem todos os anos os homens de Vitória por ocasião da Festa de Nossa Senhora da Penha?

Nesta caminhada, além do mais se realça o caráter penitencial da peregrinação humana. Penitência é mudança de vida, é conversão, é voltar-se para Deus. Este voltar-se para Deus se manifesta de maneira toda especial numa peregrinação.

3. A Igreja reunida: Na Penha encontram-se peregrinos não só da cidade de Vila Velha, não só da Diocese de Vitória, mas de toda uma região compreendendo o Espírito Santo, parte de Minas Gerais e parte da Bahia.

Em Cristo e Maria cria-se assim uma comunidade de oração que continua o diálogo que Cristo estabelecia com o Pai, durante longas noites no alto das montanhas.

Os cristãos caminham juntos, sobem juntos e se encontram com Cristo e Maria, irmanados na mesma fé.

Eis a Assembléia convocada por Deus. Deus fala, transmite sua mensagem, não só por palavras. Fala também por acontecimentos, por meio de lugares e outros elementos.

III. A vida dos santuários

Se neste momento em que Deus fala à Igreja reunida, os ministros de Deus ainda procurarem enriquecer a mensagem própria do Santuário, pela proclamação da Palavra de Deus, e pela Eucaristia, então temos realizada plenamente sua finalidade.

Cada Santuário tem, pois, uma mensagem que o caracteriza. Cada Santuário tem uma situação geográfica determinada por acontecimentos históricos, situação topográfica e outros elementos. Pensemos nos Santuários de Nossa Senhora sob os diversos títulos que na prática proclamam os diversos aspectos do Mistério da Salvação, pois Nossa Senhora faz parte do Mistério de Cristo. O mesmo, em outra medida, pode-se dizer dos Santuários dos Santos, que representam a atualização do Mistério de Cristo em seus membros. Os mistérios de Cristo também estão representados nos diversos lugares. Pensemos nos Santuários de Bom Jesus de Matozinhos, do Senhor do Bonfim e assim por diante. Se quisermos fazer uma comparação, poderíamos dizer o seguinte: Como o Mistério de Cristo se desenrola diante dos olhos dos fiéis e em suas vidas, através do tempo, pelo ano litúrgico, o mesmo Mistério de Cristo refulge também desdobrado em lugares diferentes, através dos Santuários.

A vida cristã, como a psique humana, não subsiste no cotidiano rotineiro. Precisa de impactos, de vivências que rompam a rotina. Esta rotura alimenta, dá novo impulso. Manifesta-se, além das festas do ano litúrgico, pela vivência de algum aspecto especial realçado por algum santuário.

Uma visita a um Santuário constitui antes de tudo uma vivência efetiva, onde entra a pessoa toda. A partida, a viagem, a desinstalação do cotidiano, a linguagem do próprio Santuário e tudo isto enriquecido pela Palavra de Deus aí proclamada.

É necessário, porém, que esta palavra de Deus realce a mensagem própria do Santuário. Por isso, os que aí exercem o seu ministério, terão que descobrir e aprofundar a mensagem característica do respectivo santuário. De modo geral, pode-se dizer que a vivência espiritual de um Santuário não abrange os Sacramentos da Iniciação cristã, o Batismo, a Confirmação e a Primeira Eucaristia, nem os sacramentos não reiteráveis comumente, a Unção dos Enfermos, a Ordem e o Matrimônio. Outra coisa seria a renovação das promessas do Batismo, da Ordem, do Matrimônio ou dos votos religiosos.

A vida cristã no santuário será antes de mais nada a de uma comunidade de oração, focalizada na característica própria do Santuário. Esta oração conduz à conversão e terá sua expressão máxima na Eucaristia. Pode-se dizer, pois, que a Penitência e a Eucaristia entrarão numa pastoral de santuário, mas brotam, por assim dizer, da mensagem própria de cada santuário, manifestada na própria peregrinação, nas circunstâncias locais e históricas, que serão conscientizadas pela proclamação da Palavra de Deus. Será, pois necessário dar uma atenção especial a esses elementos básicos.

IV. O sentido das bênçãos e das promessas

Vimos que a atitude fundamental dos que se dirigem a um santuário deverá ser a conversão. Mas, o cumprimento de promessas ou de um voto e a busca de bênção especiais também estão normalmente na intenção dos romeiros. Como encarar estes dois elementos na vida de um santuário sem deturpá-la? Será que a maioria do nosso povo simples não se dirige a um Santuário para pedir uma graça especial, para pagar uma promessa? Mais importante do que desfazer ou menosprezar estas praxes populares será ajudar o povo a descobrir o seu sentido, purificando-as, se necessário.

1. O sentido das bênçãos

1. O sentido das bênçãos. — Objetos como lembranças do Santuário são sinais que lembram e difundem a mensagem do mesmo. Quando falamos em bênção, pensamos logo em abençoar, em benzer, em receber benefícios. Este é apenas um aspecto da bênção. Em português existem dois verbos: benzer e bendizer. Benzer quer dizer dar a bênção, conceder benefícios, ao passo que bendizer significa atribuir os benefícios recebidos àquele que os concedeu. Bendizer significa, portanto, louvar, enaltecer. Deus nos cumula de bens, de benefícios: a vida, a saúde, amigos, etc. Nós então, temos a obrigação de atribuir estes benefícios a Deus. Ora, atribuir os benefícios a Deus significa bendizê-lo, louvá-lo, agradecer-lhe. Por isso, deveríamos distinguir bem entre a bênção: os benefícios concedidos por Deus aos homens; e a bendição: o ato de atribuir os benefícios recebidos a Deus. A palavra bendição quase não é usada. Usa-se o termo louvação. Ora, após ter atribuído os benefícios a Deus, nós pedimos outros bens a Deus. Com isso dizemos: "Ó Deus, vós nos destes tantos benefícios, continuai a mostrar o vosso poder, repetindo o que realizastes em nossas vidas".

Como vemos, este pedido se transforma também em louvor, pois desta forma reconhecemos o poder de Deus.

Quando, pois, mandamos benzer uma casa, um carro ou outro objeto qualquer, temos em vista estes dois aspectos da bênção: Bendizemos a Deus que nos concedeu a vida, a força, a energia de adquirir uma casa. Louvamos a Deus que nos concedeu o benefício de um carro para que possamos servir melhor o próximo; para que possamos andar pelas estradas deste mundo em direção a Deus, servindo sempre a Ele. Após considerar os benefícios realizados por Deus, nós pedimos que Ele abençoe todos aqueles que fazem uso dos benefícios divinos. O pedido, então, como que brota da ação de graças. A bênção como que depende da bendição.

Se considerarmos assim a bênção dos objetos, descobriremos que tudo se transfigura: os objetos, as coisas criadas, os benefícios se tomam meios de encontro com Deus, Nosso Senhor, fonte e doador de todos os bens.

A bendição pelos objetos lembra ao homem os benefícios e abre-o para receber as bênçãos. Os objetos podem servir como lembrança da conversão vivida por ocasião da visita a um Santuário. Mas, a bênção principal que podemos e devemos pedir sempre é o Espírito Santo para que nos ajude a realizar em tudo a vocação à qual Deus nos chamou, isto é, para que em cada momento de nossa vida possamos viver em atitude de conversão.

2. O sentido das promessas

Também as promessas podem ser valorizadas e por vezes devem naturalmente ser purificadas. O cumprimento da promessa pode ser considerado como exercício de conversão que teve seu início quando a pessoa talvez em alguma dificuldade se voltou a Deus em atitude de fé e confiança em seu poder. Fazer uma promessa é reconhecer a soberania de Deus, o seu poder. Constitui, pois, um ato de fé e de confiança em Deus.

O cumprimento de uma promessa pode exprimir também o agradecimento ou a ação de graças por benefícios recebidos, não através da linguagem falada, articulada em palavras, mas por um gesto de retribuição. Neste sentido o cumprimento de uma promessa pode ser entendido como uma espécie de retribuição pelo benefício recebido. Traduz um esforço de corresponder melhor com a graça recebida. O homem exprime através da linguagem da doação de algo que lhe é caro, que ele mesmo pertence a Deus, que ele mesmo quer voltar-se mais a Deus, oferecendo-lhe o seu coração. O importante na questão das promessas é educar o povo no sentido de que o cumprimento de uma promessa não deve estar unido a uma espécie de contrato com Deus: "Prometo dar a Deus para que ele me dê em troca", numa atitude de justiça comutativa, pois sabemos que o que temos é tudo total gratuidade de Deus para conosco. A nada temos direito. A promessa e o seu cumprimento deverão antes conduzir a uma abertura para Deus, numa atitude de sujeição total a sua santíssima vontade. Podemos pedir, mas a nossa atitude deve ser a de Cristo: "Pai, se é possível afasta de mim este cálice. Mas não se faça a minha, mas a tua vontade".

Concluindo

O homem é alma e corpo. Não se alimenta só de palavras. O homem vive o mistério pascal não só pela palavra, mas pela ação, pelos sinais que significam e realizam o mistério de Cristo em sua vida. Não só os textos sagrados falam da mensagem da Salvação. Ela nos é transmitida também por outros modos. Entre eles estariam os lugares que nos falam de Deus, que nos recordam a Salvação. Na renovação do culto não estaríamos por demais ligados a palavras, tornando-as a forma quase exclusiva de comunicação, numa exagerada verbalização? Da reflexão sobre os santuários chegamos à conclusão de que certos lugares, por motivos históricos ou topográficos, parecem ser capazes de falar ao homem e, por isso mesmo, são sinais de Salvação.

É tempo pois de não apenas tolerarmos as diversas expressões do homem, mas de as valorizarmos em sua totalidade. Ouve-se muitas vezes dizer que a romaria, as procissões, as devoções populares por não constituírem Liturgia também não se justificam. Primeiro, não só o que é Liturgia é bom na espiritualidade cristã. Segundo, não é tão fácil afirmar que procissões e romarias não constituem Liturgia. Não constituem Liturgia no sentido jurídico, se entendermos por Liturgia só o culto que teve a ventura de ser codificado no Concilio de Trento, mas se compreendermos como Liturgia todo e qualquer culto comunitário cristão, então devemos dizer que as procissões e peregrinações e os encontros de oração populares constituem ações litúrgicas em forma popular, em nada inferiores à forma erudita, clerical e codificada. Em outras palavras, à base do problema da pastoral dos santuários se encontra o problema do conceito de Liturgia e de Igreja.

O que importa, pois, é levar o povo fiel a viver o Mistério de Cristo em sua profundidade, independentemente da forma erudita ou popular, tanto na expressão comum rotineira nas comunidades paroquiais, como na forma extraordinária dos santuários em que se realçam certos aspectos determinados do Ministério de Cristo.

 

Fonte: Antologia do Convento da Penha, ano 1974
Autor: Frei Venâncio Willeke O. F. M.
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2015

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