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Quando o Penedo falava, 1927 - Por Elpídio Pimentel - Parte II

Capa do Livro: Quando Penedo falava, 1927 - Autor: Eupídio Pimentel

Primeira Narrativa

Do presente para o passado

São sete horas da noite, Glauro e o avozinho, depois de terem passeado muito, a pé e de bonde, percorrendo as ruas da cidade de Vitória, admirando as suas praças, os seus edifícios mais bonitos, o Palácio do Presidente do Estado, o do Congresso, o das Escolas, o Parque Moscoso, a Praça Costa Pereira, o teatro “Carlos Gomes”, a Avenida Capixaba e de terem conversado a respeito do que iam vendo, jantaram com grande apetite e foram descansar nas poltronas do gabinete de estudos.

Ia cumprir-se a promessa do avozinho – começaria, naquela noite, a narração da história, que o Gênio do Penedo lhe ensinara.

Glauro estava impaciente e queria que o avô, antes de lhe ensinar as lições do dia seguinte, logo lhe dissesse o formoso conto prometido. Mas, para ouvi-lo, teve que se sujeitar ainda à seguinte vontade do velho, foi buscar o seu caderno de desenhos.

Então, numa folha em branco, com o lápis bicolor, o avozinho traça várias linhas, combina-as, sombrea-as e, quando a pintura fica pronta, chama a criança para junto de si, fazendo-a largar o estojo infantil de marcenaria, que lhe deram no dia do seu nono aniversário natalício, e pergunta-lhe:

- Conheces este desenho?

- Si o conheço?... É a nossa casa. Como ficou bonita, assim pintada de vermelho e azul!

- Mas – continuou o avô – onde estão os quartos, as salas, a cozinha, a área e o pomar?

- Estão por de trás destas paredes, que o senhor pintou. Faça-os nesta outra página branca do meu caderno, que logo, sem errar lhe direi os nomes.

Alguns minutos depois, Glauro admirava novamente a habilidade com que seu velho amiguinho fizera todos os compartimentos da casa, indicando, pela posição dos objetos conhecidos, as suas diversas denominações.

- Aqui é a área cimentada, com o tanque, onde a Ignácia lava roupa; ali está a caminha de Zenaide, no quarto de mamãe...

- Bem, está tudo certo; conheces perfeitamente todas as dependências de nossa casa, mas, talvez, não saibas onde ela está situada...

- Ora! E já não me ensinou o papai que moramos á rua ***, na cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo?!

- Bravos! Mas, agora, desejo mostrar-te que, como o desenho representa a casa, posso fazer outra figura – um mapa – mostrando as dimensões e os contornos de nossa capital, com as suas ruas e praças, palácios e arrabaldes, e outro maior, como aquele que está ali, pendurado à parede, marcando os limites, os municípios, os rios, as montanhas, as cidades e vilas de nossa terra.

- Sim, vovozinho, sei que o senhor fará tudo isso, mas a minha professora já me indicou, no tabuleiro negro, um desenho igual ao daquela rede, e me disse que ele era uma representação exata do nosso Estado, assim como a fotografia, que está colada na capa do meu livro, me mostra montando em meu velocípede. Agora queria que o senhor me narrasse a história prometida.

- Vou fazer-te a vontade; escuta-me atentamente.

Há, perto de nós, um homem poderoso, cumpridor das leis, decisivo nas suas ordens e bondoso para com os seus servidores. É ele quem administra todo o nosso Estado, que viste representando no desenho de tua professora e não é tão pequeno, como, talvez, suponhas, porque possua uma extensão de terra, que daria milheiros de pomares, iguais ao nosso, e é habitado por 457.328 pessoas.

- Quem contou essa gente toda?

- Foram os homens, que, quando tinhas pouco mais de cinco anos, andaram de casa em casa, dando listas, para que nelas se inscrevessem os nomes dos seus habitantes, e depois, reunindo essas listas, souberam quantas pessoas haviam, naquele tempo, no nosso Espírito Santo. Esses homens chamavam-se recenseadores. Mas – como te ia dizendo – aquele governador poderoso tem sob a sua orientação um grupo enorme de colaboradores – todos os ajudam a dirigir o Estado; uns fazendo leis, aos quais se dá o nome de deputados; outros distribuindo justiça, os quais se chamem magistrados, outros, os funcionários públicos, atendendo os que procuram; ainda outros, bondosos e prestativos, dirigindo escolas, para que nelas se instruam os ignorantes...

- São os professores?

- Sim. Aquele homem opulento tem ainda soldados, que mantém a ordem; médicos que curam os enfermos; colaboradores que exigem de todos nós as quantias necessárias, para que ele nos proteja, ampare e adiante o nosso progresso. Assim, tem muito dinheiro, com que paga aos que o ajudam a desenvolver a grandeza do Estado, que o povo espírito-santense lhe deu para administrar.

- O povo?

- Sim, o povo do Espírito Santo – seus habitantes, que sabem ler e escrever – de quatro em quatro anos, reúne-se e escolhe quem, recomendável pelo seu saber, boas intenções e amor ao trabalho, durante aquele tempo, com o nome de Presidente do Estado, governe a terra espírito-santense. Como é muito grande o nosso território e o governador, sozinho, não pode dirigi-la bem, os deputados dividiram-no em partes diversas, de que resultou ficar subdividido em trinta e dois municípios, uns maiores e outros menores. Cidadãos dignos são eleitos para administrá-los, com o nome de prefeitos, nos municípios mais ricos, e de Presidentes de Câmara, nos de menores recursos.

- E como se chamam esses municípios?

- São os seguintes, pela ordem alfabética: Afonso Cláudio, Alegre, Alfredo Chaves, Anchieta, Barra de S. Mateus, Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Colatina, Domingos Martins, Espírito Santo, Fundão, Guarapari, Iconha, Itaguassú, Itapemirim, Muniz Freire, Pau Gigante, Ponte de Itabapoana, Riacho, Rio Novo, Rio Pardo, Santa Cruz, Santa Leopoldina, Santa Teresa, São João do Muqui, São José do Calçado, São Manoel do Mutum, São Mateus, São Pedro de Itabapoana, Serra, Viana e Vitória. No mais próspero deles, naquele em que se encontra a cidade mais importante do Estado, a sua capital – que é o de Vitória – o presidente estabeleceu sua residência e cercou-se de seus colaboradores e auxiliares imediatos: deputados, desembargadores e secretários do Estado, além de uma centena de outros auxiliares menores. Mas aquela divisão, embora facilite muito os serviços administrativos, não foi suficiente e os deputados, para os efeitos da distribuição da justiça, subdividiram o Estado em dezesseis quinhões maiores, a que deram o nome de comarcas – governadas, cada qual por uma autoridade, que se chama – juiz de direito. Não queres saber os nomes dessas comarcas?

- Quero, porque ouvi dizer que o doutor Ferreira, aquele amigo do papai, vai para um lugar chamado - Comarca do Itapemirim...

- Então guarda as designações de todas elas:

Afonso Cláudio, Alegre, Alfredo Chaves, Anchieta, Cachoeiro de Itapemirim, Calçado, Colatina, Domingos Martins, Itabapoana, Itaguassú, Itapemirim, Pau Gigante, Rio Pardo, Santa Leopoldina, Santa Teresa, São Mateus e Vitória. Assim, com essas divisões, o Chefe do Estado exerce, tranqüila e seguramente, as suas funções executivas. É ele, portanto, um homem a quem devemos, como nosso governador supremo, a melhor consideração e o maior respeito. Quando ele passa, os estandartes brasileiros tremulam, ouve-se o Hino Nacional, os civis se descobrem e os militares lhe fazem continência...

- Quem são os civis e porque se descobrem?

- Os civis somos todos aqueles que não usamos fardas, e descobrimo-nos, quando tiramos os nossos chapéus.

- E, quando estou com o meu uniforme ginasiano, sou civil ou militar?

- És estudante; logo, porém, que te tornes homem, serás o que tua vocação quiser; médico, engenheiro, advogado, almirante ou general.

- Ah! Hei de ser médico, para dar saúde aos que sofrem. Mas temos conversado muito e o senhor ainda não me disse quem é, agora, o Presidente do Estado.

- Sim, tinha deixado esse nome para o dizer, quando o exigisse. Chama-se doutor Florentino Avidos...

- Quem? O doutor Avidos? Vi-o ontem num automóvel... Mas não supunha que tivesse tamanho poder.

- Tem-no e a ti, como espírito-santense, cumpre o dever cívico de estimá-lo e respeitá-lo, porque ele é a mais alta autoridade do nosso Estado.

- Não sei mais o que seja dever cívico...

- É o dever de estima e respeito de todos nós, que somos cidadãos, para com a nossa Pátria e os seus dirigentes. Agora, porém, vamos descansar; já estás cheio de sono e mal ouves o que estou dizendo. Amanhã prosseguiremos.

- Sim, senhor, mas de tarde, antes do jantar, porque, à noite, irei ao cinema ver o Tom Mix, aquele engraçado valentão, que dá mais de cem tiros com a mesma arma, sem mudar as balas...

E Glauro, beijando a mão rugosa do vovozinho, foi à procura de sua cama pequenina.

 

Fonte: Quando o Penedo falava, 1927
Autor: Elpídio Pimentel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2015

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