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Quando o Penedo falava, 1927 - Por Elpídio Pimentel - Parte IX

Capa do Livro: Quando Penedo falava, 1927 - Autor: Eupídio Pimentel

Oitava Narrativa – Os donatários      

- Bons os araçás?

- Excelentes. Onde é que o senhor os comprou? Comendo-os, lembrei-me das férias, que se aproximam e me prometem esplendida temporada na Fazenda.

- Hás de ir e muito te divertirás. Agora presta-me toda a tua atenção, porque vou apressar o fim das minhas narrativas. Depois hás de contá-las ao teu primo Jorge.

- Não sei se serei capaz de semelhante façanha; em todo caso, com os seus auxílios, hei de mostrar ao Jorge como já lhe posso narrar histórias bonitas, sem as mentiras da carochinha faladeira.

- Tenho certeza do teu êxito, e, sem mais perda de tempo, precisamos recordar que estávamos...

- No tempo em que o Espírito Santo, vendido por 64:000$000, ao rei de Portugal, D. João V, esteve sob o domínio dos capitães-móres.

- Exatamente. Dependíamos, então, da monarquia portuguesa, que, até a independência do Brasil...

- Em 7 de setembro de 1822.

- Obrigado pelo teu esclarecimento; até aquele tempo, teve a Capitania do Espírito sob o rigor de suas leis. Agora veremos o que aconteceu em nossa terra, antes dessa época, quando estivermos sob o governo dos donatários, verdadeiros donos do Espírito Santo.

- E quantos foram esses felizardos?

- Onze; o último chamou-se Cosme Rolim de Moura, que, sem forças para defender a sua Capitania, nem haveres para povoá-la e faze-lá progredir, conseguiu vende-lá definitivamente à Coroa Portuguesa. Ele foi donatário da Capitania espírito-santense, herdando-a das mãos de seu parente Manuel Garcia Pimentel, seu décimo proprietário. Não podendo vir em pessoa administrá-la, fez por intermédio do capitão João Velasco Molina. Essa administração foi brilhante e ficou famosa: no seu tempo, em 1693, o bandeirante Rodrigues Arzão, com cinqüenta companheiros, obteve, nos nosso sertões, o primeiro ouro que achou no Brasil. Molina mandou construir as Fortalezas, chamadas de Piratininga e de São Francisco Xavier, das quais, hoje só nos resta a lembrança. Antes de Pimentel, o Espírito Santo pertenceu ao seu pai, o coronel Francisco Gil de Araujo, rico fazendeiro, com grandes propriedades na Bahia. Ele comprou, pela mesma importância dos 40.000 cruzados todos os direitos e privilégios sobre a terra capixaba ao seu oitavo donatário – um remoto descendente dos Coutinhos.

- Quem foram esses Coutinhos?

- Foram os primeiros donos da Capitania espírito-santense, como saberás oportunamente. O Coronel Araujo, trazendo um grupo regular de colonos, desenvolveu o povoamento de nossa terra, interessou-se pela sua cultura, construiu fortalezas, fundou vilas, intensificou muito a lavroura da cana-de-açúcar, mas proibiu o plantio do algodão, afirmando ser ele o causador da rápida esterilidade dos terrenos.

- Esterilidade?

- Sim: qualidade má dos solos, que não produzem nada ou dão escassas colheitas. Antecederam a esse domínio quatro herdeiros da família Coutinho, que nada fizeram de memorável, embora um deles – Ambrósio de Aguiar Coutinho e Camara – se tivesse tornado famoso como... inimigo fidalgo do maior poeta brasileiro do século XVII, o temível trovador baiano Gregório de Mattos Guerra. A administração de João Dias Guedes – quinto donatário – teve pouco tempo de paz, porque os holandeses teimosos, pela terceira vez, tentaram novo e violento assalto à nossa costa, protegidos por grande esquadra, sob o comando do almirante João Koin – repara que pronuncio Kune – sob ordens de um conselheiro político da Holanda, chamado Niculand. Nosso porto estava desguarnecido, de forma que foi fraquíssima a nossa oposição e eles puderam desembarcar. Mas o governador Guedes, os jesuítas, os fazendeiros e os caboclos mansos se juntaram para a resistência em terra e a luta, que durou quatro horas, foi valente e tremenda, no lugar chamado Porto das Roças Velhas, hoje conhecido sob o nome de Porto dos Padres...

- Quantas pessoas não andam por ali, todos os dias, sem nunca imaginar em semelhante luta?!

- Pois é certo: aquele terreno sorveu o sangue de muita gente holandesa e também de muitos defensores do Espírito Santo. Os invasores foram expulsos e, às pressas, se refugiaram em suas embarcações, que se chamavam – patachos, barcaças e polacas. Saíram de nosso porto e foram para a barra, onde ficaram até o dia seguinte, quando tentaram uma investida contra Vila Velha, o que não conseguiram devido a um milagre de Nossa Senhora da Penha, a protetora do Espírito Santo...

- Como?

- Na ocasião em que os piratas iam saltando na praia, pareceu-lhes ver, descendo do alto da montanha milagrosa, cerrados esquadrões de cavalaria e, sem, mais demora, espavoridos, foram-se para sempre, deixando-nos em paz.

- E antes de Dias Guedes?

- Escuta-me: já Portugal, por sua vez, reduzido à posição de colônia, estava sob o governo do rei da Espanha, D. Felipe II, e, conseqüentemente, também o Brasil com todas as suas capitanias, quando o Espírito Santo foi dado a um neto do primeiro donatário, de nome Francisco de Aguiar Coutinho, com poderes absolutos de quarto donatário. Depois de longa demora, ele veio tomar conta de sua capitania e logo teve que repelir grande ataque dos holandeses, chefiados por Pieter ou Pedro Heyn – é Háine, que se pronuncia – e pelo almirante batavo Patrid...

- E que quer dizer batavo?

- Batavo ou batavio quer dizer – holandês... Essa poderosa esquadra de piratas flamengos...

- Flamengos também significa holandeses?

- Significa. A poderosa frota deu dois assaltos violentos contra a Vila de Vitória e, se não fosse a bravura da heroína Maria Ortiz, queimando, do alto de sua janela, com água fervente, os atrevidos inimigos, ali, no topo daquela ladeira, que por, isso tomou seu nome e se orgulha de sua linda escadaria...

- Por onde desço, quando vou ao cinema?

- Essa mesma. E se não nos acontecesse a ventura de chegar em tempo o socorro ocasional, que nos prestou o intrépido Salvador Correa de Sá e Benevides, quando ia para as guerras da Bahia, certamente teríamos ficado, por algum tempo, sob o domínio da Holanda. Mas fomos felizes e essa vitória foi tão brilhante que a ela, com entusiasmo, se referiu o jesuíta padre Antonio Vieira, mandando noticias para Roma. Quanto a Maria Ortiz, não é fábula ou mentira o que se conta respeito de seu heroísmo, porque os cronistas do seu tempo, como Brito Freire, louvaram a sua grande bravura. Digo-te essas coisas, porque, infelizmente, em nossa terra, o passado é esquecido depressa e, muitas vezes, injustamente julgado.

- Mas os livros dos nossos escritores não contam os feitos dessa espírito-santense gloriosa?

- Não, meu querido Glauco. Espero, porém, que tu e todos os teus companheiros de todas as escolas do Espírito Santo, quanto ficardes homens e puderes assumir responsabilidades, haveis de prestar à nossa história – ao passado espírito-santense – os cuidados e os carinhos, que lhe tem faltado até hoje.

- Hei de escrever um livro, exaltando o nome da heroína capixaba.

- Toma cuidado no que dizes: as promessas da mocidade devem ser juramentos infalíveis.

- Antes de Aguiar Coutinho, a capitania do Espírito Santo, por herança, ficou entregue à viúva de Coutinho Filho, dona Luiza Grinalda. Por intermédio do capitão de ordenanças, Miguel Azeredo, ela movimentou a sua administração. Nesse tempo os piratas ingleses, Thomás Cavendish e Roberto Morgan...

- Que nomes arrevesados, meu avô!

- É verdade, porque obedecem à pronúncia inglesa. Quero que aprendas a pronunciá-los exatamente, como os estou dizendo. Mas os dois ousados aventureiros, tentando um desembarque em nossa terra, foram repelidos pela nossa gente a tiros e... adivinha?

- A flechadas.

- Perfeitamente; e também a pedradas! Desgostosa e vendo que a sua capitania não prosperava, D. Grinalda retirou-se para Lisboa...

- Capital de Portugal?

- Sim; e, no governo, ficou o seu adjunto Miguel Azeredo, que, assim, a dirigiu por mais vinte e dois anos e praticou feitos de alta importância; castigou a insolência agressiva dos goitácases e repeliu todas as investidas dos flibusteiros ou ladrões do mar.

Neste ponto o telefone bateu com insistência e o avozinho de Glauro foi atendê-lo, deixando a continuação de sua história para a manhã seguinte.

 

Fonte: Quando o Penedo falava, 1927
Autor: Elpídio Pimentel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2015

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