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Quando o Penedo falava, 1927 - Por Elpídio Pimentel - Parte V

Capa do Livro: Quando Penedo falava, 1927 - Autor: Eupídio Pimentel

Quarta Narrativa – Presidentes da Província

- Então, não queres cumprir o nosso contrato de ontem?

- Quero sim, vovozinho. Bem sabe quanto gosto do carrossel e também... das tuas histórias.

- Hoje vais ser atendido na tua vontade de ontem: vou dizer-te o que se fez no nosso Estado, quando o Brasil era uma monarquia, dirigida pelo Imperador, aliás, um homem bom, instruído e generoso.

- Espere um pouco, vovô; no seu entusiasmo por esse homem, o senhor disse que naquela época, a nossa terra já era um Estado, quando ontem, me ensinou que era uma Província.

- Tens razão, Glauro; agradeço-te. Naquele tempo o Imperador – a quem também pode chamar D. Pedro II – nomeava, por decreto, os Presidentes para a nossa Província, como fazia para todas as demais. Tivemos no prazo de sessenta e seis anos, 53 presidentes provinciais, sendo um visconde, um barão, cinco sem títulos de nobreza, vinte e nove bacharéis, três capitães, três coronéis, um brigadeiro, sete doutores e dois desembargadores.

- São curiosos esses esclarecimentos, mas tenho mais vontade de saber que é que fez toda essa gente em beneficio de nossa terra.

- Bem pouco, quase nada, meu querido netinho, muito embora, entre eles, se possam apontar nomes importantes, como o do capitão de milícias Silva Pontes, o do coronel José Thomas Nabuco de Araújo, o do coronel Machado de Oliveira, o do doutor Luiz Pedreira de Couto Ferraz, o do bacharel Antonio Pereira Pinto, o do bacharel José Fernandes da Costa Pereira, o do bacharel e literato Francisco Leite Bittencourt Sampaio, o do doutor Elyseu de Souza Martins, o do bacharel e publicista H. Marcos Inglês de Souza, o do doutor Henrique de Athayde Lobo Moscoso e o do doutor José Caetano Rodrigues Horta, que foi o nosso último presidente provincial.

- Mas, que é que fizeram esses figurões?

- Ignácio Accioli de Vasconcelos foi o nosso primeiro presidente provincial e levou cinco anos no governo; Nabuco de Araujo dedicou-se à instrução pública; o doutor Luiz Pedreira do Couto Ferraz – visconde do Bom Retiro – promoveu reformas na administração pública, no ensino, na polícia, interessou-se pela conservação das igrejas; protegeu os índios e mandou abrir estradas; Costa Pereira foi incansável sustentador da ordem publica que – no seu dizer – entre os espírito-santenses, “é considerada como um legado de família e uma qualidade, que se herda com o sangue”; desvelou-se pela instrução popular; foi sincero nacionalista, aconselhando grande amor às coisas pátrias, notadamente a história e a língua; o poeta Bittencourt Sampaio empenhou-se, acertadamente, em favor da nossa colonização; o doutor João Thomé favoreceu o ensino público, lembrou a criação da Escola Normal e a fundação de asilos humanitários para os desvalidos; em suma, todos os outros, com algumas exceções, tiveram desejos de bem servir à Província, quando a dirigiram.

- E eles tinham, como os Presidentes de agora, tempo certo de governo?

- Não, meu Glauro. Dependentes da livre nomeação do Imperador, eles, às vezes, pouco demoravam, mas, mesmo assim naquele tempo, houve alguns acontecimentos notáveis, que se ligaram profundamente à história espírito-santense: a chamada Insurreição do Queimado, quando, em 1849, os pretos escravos, que fizeram a igreja de São José do Queimado, à margem do Santa Maria...

- Conheço essa igreja velha. Não é aquela que fica perto da “Fazenda Perao”, onde todos os anos, íamos passar as férias escolares?

- É ela mesma. Esses pretos revoltaram-se contra os seus senhores e quiseram, aconselhados pelo padre Gregório Maria de Bene, obrigá-los, por meio das armas, a lhes dar liberdade. Foram todos presos e os cabeças barbaramente enforcados. Houve mais, naquela época, a fundação da imprensa no Espírito Santo, também em 1849, quando circulou, nesta cidade, o semanário chamado – Correio da Victória...

- Não sei ainda o que é semanário...

- É o jornal, que se publica uma vez só por semana.

- E a vida Capichaba como se chama?

- É quinzenal – porque se edita duas vezes, por mês. Mas deixa-me acabar com a relação dos principais acontecimentos, no Espírito Santo, quando estavam por conta dos seus destinos os senhores Presidentes da Província. Além do que já te apontei, deu-se ainda o início dos nossos cursos secundários; a publicação dos primeiros livros de escritores espírito-santenses ou de pessoas, que aqui se fixaram e alguma coisa disseram a respeito da nossa terra e da nossa gente; a fundação da Biblioteca Pública; a guerra do Paraguai, para onde foram, como voluntários, muitos bravos conterrâneos defender a pátria brasileira; a propaganda da República, da qual já te falei, esquecendo-me de te observar que, entre os jornais brasileiros, que primeiro se ocuparam da idéia republicana, estiveram os nossos – O Cachoeirano, em Cachoeiro de Itapemirim, e A Tribuna, em Anchieta; a vila da Vitoria, nossa capital, foi elevada a categoria de cidade em dois de março de 1829; instalou-se o serviço telegráfico no Estado; iniciou-se a construção de nossa primeira estrada de ferro – a que vai da Cidade de Cachoeiro de Itapemirim à do Alegre; em 1832, perdemos a capitania da Paraíba do Sul, também chamada de São Thomé, que esteve setenta e nove anos sob a nossa jurisdição..

- Não fale assim, vovô, que não o compreendo. Sei lá o que é jurisdição!

- Mas eu te explico: é o mesmo que domínio, governo, direção. Aquela capitania desligou-se da nossa Província e foi constituir outra Província, com o nome de Rio de Janeiro. Ainda preciso dizer-te que, também na quadra provincial, com a vinda de emigrantes para o Espírito Santo, foram fundadas as colônias de Santa Leopoldina, Santa Teresa, Rio Novo, Castelo e outras; no período legislativo de 1826 a 1829, tivemos, no Rio de Janeiro, como nosso primeiro deputado geral, ao grande estadista brasileiro doutor José Bernardino Baptista Pereira; em 1826, foi nomeado para o posto de primeiro senador da Província o padre Francisco dos Santos Pinto; instalou-se solenemente a primeira assembléia provincial, cuja legislatura inicial durou de 1835 a 1836; e, para concluir esta longa, mas indispensável, resenha de acontecimentos capitais...

- Deixe-me ir ao dicionário; não estou sabendo o que são – acontecimentos capitais, nem sei o que significa a palavra resenha...

- A mesma coisa que “acontecimentos principais”, valendo resenha o mesmo que – enumeração, lista, catálogo. É preciso que, desde agora, te vás habituando com as grandes riquezas do nosso vocabulário. Não precisamos estar repetindo o mesmo vocábulo toda hora, quando há grande quantidade de palavras, na língua brasileira, com sentidos iguais...

- Mas, vovozinho, lembre-se de que não lhe pedi para me contar histórias gramaticais.

- Tem paciência, Glauro; foste tu próprio o causador do meu desvio, na tua intenção, muito louvável, de me perguntares sempre a significação das palavras, que desconheces. Ia dizer-te, no momento de tua consulta, que, ao mesmo tempo dos Presidentes Provinciais, aqui houve, desde 1869, uma brilhante propaganda em favor dos negros africanos, para que logo lhes dessem a suspirada liberdade ou alforria.

Na Capital e nos municípios, por meio das conferências nos grêmios abolicionistas, da imprensa e da compra de escravos para libertá-los, com Moniz Freire, Cleto Nunes, João Aprígio Aguirre, Afonso Cláudio, Ovidio Santos, doutor Antonio Francisco de Athayde...

- Ainda ontem o vi na rua; falou comigo e mandou lembranças ao Papai.

- Candido Costa, Aristides Freire e outros vultos dessa estatura à frente, a campanha foi tenaz e fecunda até 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel, a redentora, filha do Imperador, num belo gesto de sincera humanidade, assinou o famoso decreto, extinguindo a escravidão no Brasil. Nossos pretos ficaram tão contentes que, durante quinze dias, festejaram a sua liberdade, multiplicando os batuques e as cantorias.

- O velho Bino, lá na Fazenda, já me contou essa história, com os olhos rasos de pranto, cheio de saudades. E, antes desses Presidentes provinciais, como é que estava o nosso Espírito Santo?

- Chega. Por hoje não te contarei mais nada. Amanhã, depois de tomares o teu banho frio, ouvirás a continuação das minhas narrações. Não precisamos correr muito, como fez o desastrado cavalheiro, que, de tanto galopar, acabou carregando o selim nas costas, porque o cavalo morreu.

- Eu – rematou Glauro, com uma risada – se fosse esse cavalheiro, abandonava o cavalo e o selim e voltaria... a pé. E, com uma mesura ao vovozinho, foi dizer à vovó que estava cheio de fome, olhando bonitas bananas maduras, na fruteira...

 

 

Fonte: Quando o Penedo falava, 1927
Autor: Elpídio Pimentel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2015

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