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Quando o Penedo falava, 1927 - Por Elpídio Pimentel - Parte VIII

Capa do Livro: Quando Penedo falava, 1927 - Autor: Eupídio Pimentel

Sétima Narrativa – Capitães-móres

- Vai mudar os teus sapatos. Vieste da rua e deves ter os pés úmidos, porque está chovendo!

- Sim, senhor. Vou trocar de sapatos e de roupa e já voltarei para conversarmos sobre a história espírito-santense, que o homem do búzio encantado lhe ensinou...

- Não faças troça, porque, quando souberes toda essa história, também há de vê-lo surgir, como alma do Penedo e, então, compreenderá o grande dever de não te esqueceres das nossas tradições e daqueles, que dirigiram a nossa boa terra, em tempos tão recuados.

Alguns minutos depois, Glauro voltava e o diálogo se restabelecia.

- Estamos, agora, no ano de 1718, em começo do século XVIII, quando ainda prevalecia o sistema colonial das capitanias hereditárias...

- Não se esqueça vovo, da pobreza do meu vocabulário.

- Quando o Brasil começou a ser colonizado, o rei de Portugal, D. João III, a quem pertencia a nossa Pátria, repartiu-a em diversos quinhões e deu-os, em paga de serviços prestados ao seu reino, de presente para toda a vida, com o direito de passarem de pai a filhos, a fidalgos portugueses. Esses quinhões ficaram com o nome de capitanias hereditárias e o Espírito Santo foi um deles, até começar o período histórico, que vai ser objeto da minha narração de hoje.

Havia 182 anos que o nosso Estado, sob essa orientação administrativa, vinha passando, por meio de heranças, de um dono para outro, cada vez mais atrasado, sem recursos para se salvar da pobreza e da rotina, que o aniquilavam. Os piratas ou ladrões dos mares, os bugres e as imposições da Metrópole, proibindo-lhe que exportasse ouro, fundasse imprensa e abrisse estradas...

- Mas esse sistema de governar era bárbaro!

- Era-o; sendo, porém, pequeníssimo o grupo de espírito-santenses naquele tempo e não tendo nenhuma instrução, nossa terra sofreu, durante tantos anos, tão amargas vexações. Assim, sem meios de se salvar dessa angustiosa situação, o senhor Cosme Rolim de Moura, a quem tinha cabido, por herança, a propriedade do nosso torrão, vendeu-o á Coroa Portuguesa pela quantia de 40.000 cruzados, ou sejam, na nossa moeda atual, 65:000$000, mais ou menos...

- Que? Toda essa porção de terra, que forma o Espírito Santo, vendida por tão pouco?!

- É verdade, embora isso te espante. A Coroa, ou, melhor, D. João V, rei de Portugal, com essa compra, tomou do vendedor todas as suas regalias e jurisdições sobre a terra espírito-santense, que passou, sob o nome mais curto de Capitania, pelo espaço de 82 anos, para o regime governativo dos capitães-mores, subalternos, na parte administrativa e militar, ao governo da Bahia, e, no foro judicial, à ouvidoria geral do Rio de Janeiro, até o ano de 1800, quando Silva Pontes começou a dirigi-lá.

- E quais foram os principais capitães-móres, que governaram a nossa terra?

- Foram muitos e eram sempre escolhidos entre os seus habitantes de maior importância. Infelizmente, no tempo dos governadores, talvez devido ao fato de não haver aqui pessoas bastante instruídas, o rei de Portugal modificou essa praxe e nos mandou, para o governo da Capitania, patentes militares... Algumas sendo portugueses legítimos, mas fidalgos e instruídos, como o Pontes, o Tovar, o Rubim e o Baltasar...

- Vai contar-me, agora em diante, a história em versos?

- Não. Aquela rima foi uma simples casualidade, desculpável. Nosso primeiro capitão-mór foi João Vellasco Molina, que incrementou o povoamento de São Matheus, primitivamente aldeia do Cricaré, devido ao seu grande rio, que assim se chamava na língua dos caboclos...

- Por que é que dão tantos nomes aos bárbaros, que viviam nas florestas do Brasil?

- Os portugueses, a quem eles chamavam emboabas, pelo fato de andarem vestidos, lhe deram, em troca, por vingança, a designação de cabloco, que quer dizer – pelados. Seus outros nomes têm, também, explicações: selvagens, por que habitavam nas selvas; autochtones, porque já se supôs que eles, desde a sua origem, sempre viveram no Brasil; índios, porque, quando Cabral descobriu o Brasil, pensou que tivesse chegado a índia, na Ásia; e bugres, por influencia da língua francesa.

- Chega vovô; não me esmague sob o peso de tantas designações diferentes... Continue com os seus capitães-móres.

- Depois de Molina, veio Alberto de Oliveira Madail.

Desenvolveu os núcleos populosos do norte, que, cheios de índios mansos, se estendiam pela margem de S. Matheus, aproveitando-lhe a fertilidade do solo. Em seguida, sucederam-se vários outros capitães-móres, sem serviços notáveis e dos quais nem sempre se sabem os nomes, por absoluta falta de noticias a seu respeito. Posso lembrar-te ainda o nome de Motta Furtado, em cujo governo se desenvolveram, um pouco, os lugares, chamados Conceição da Serra, Reis Magos ou Nova Almeida e Iriritiba ou Benevente, que subiram à categoria de vilas.

- E não houve acontecimentos dignos de lembrança, nos tempos deles?

- Houve, meu netinho, alguns fatos memoráveis, isto é, dignos de memória, merecedores de menção ou de registro: a morte do padre espírito-santense Gonçalo Soares da Franca, que nos princípios do século dezessete, brilhou na Bahia, como louvado poeta e insigne tribuno; a expulsão dos jesuítas, por ordem do célebre marques de Pombal, que governava Portugal, de acordo com o rei D. José I. Os padres loyolistas ou jesuítas, que tão grandes serviços prestaram à nossa terra – catequizando os seus selvagens e dando-lhes profissão e instrução; fundando várias aldeias, que hoje são notáveis cidades; construindo edifícios solidíssimos, que ainda existem, como o Palácio do Governo, a igreja de Nova Almeida, as ruínas lendárias de Araçatiba e Muribeca – foram deportados daqui em 1759, despojados de todas as suas propriedades que foram confiscadas – quero dizer “tomadas” – pelo governo português. Foi igualmente na época dos capitães-móres que – em 1726 – se construíram, para nos defender dos corsários estrangeiros, que queriam conquistar-nos, as seguintes fortalezas, hoje todas desaparecidas: a de S. João, fronteira ao Penedo; a do Carmo, onde está hoje o colégio Nossa Senhora Auxiliadora; a de São Tiago; e a de Santo Ignácio ou de São Maurício, onde se acha o Café Americano...

- Lá em baixo, perto do Porto dos Padres?

- Sim, lá mesmo. Mas o fato mais importante, que ocorreu na época governativa dos senhores capitães-móres, foi a criação de nossa primeira escola pública – uma aula de latim – em 1771.

- E da língua, que falamos, ninguém se lembrou? Não a ensinavam?

- Ensinavam-na sim – mas... nas aulas de latim. Suporta mais essa rima e repara que te falei na criação da nossa primeira escola pública, porque, enquanto aqui estiveram os jesuítas, desde as origens da Capitania, mantiveram aqui seus cursos particulares, que os freqüentavam, rudimentos de leitura e escritura, latim, religião e canto, além de uma profissão manual, que conviesse ao estudante.

- E porque foram expulsos esses homens tão úteis?

- Mais tarde o saberás, quando estiveres fazendo o teu curso secundário, no Ginásio. E o avozinho de Glauro, já na porta da rua, fazia o sinal ao condutor de um bonde, para que o parasse: eram sete horas da noite e ele ia dar o seu passeio habitual à Praia Comprida.

 

Fonte: Quando o Penedo falava, 1927
Autor: Elpídio Pimentel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2015

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