Secular questão de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais - Parte I
COMISSÃO DE LIMITES
DO ESPIRITO SANTO:
- ELISEU LOFÊGO, Presidente
— Cícero Morais
— Asdrúbal Soares Délio Magalhães
— Eugênio Neves Cunha
— Christiano Dias Lopes Filho
— José Parente Frota
— Mário Gurgel
— Setembrino Pelissari
DE MINAS GERAIS:
— RAUL DE BARROS FERNANDES, Presidente
— Darcy Bessone de Oliveira Andrade
— Getúlio Vargas Barbosa
— Aureliano Chaves
— Manoel Costa
PREFÁCIO DO LIVRO
Por solicitação da colenda Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, fui convocado para prestar esclarecimentos relativos ao Acordo de Limites celebrado em 15 de setembro de 1963 entre os governos — mineiro e capixaba.
Entendi que prestaria justa homenagem aos Drs. Francisco Lacerda de Aguiar e José de Magalhães Pinto e maximamente, aos dois povos irmãos, divulgar a explanação que ali fiz.
Este o intento do presente opúsculo, em que se pode incluir, inegavelmente, o grande desejo patriótico de dar por finda a quase secular questão de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais.
Compareci à Assembléia, na qualidade de Secretário do Interior e Justiça e como Presidente da Comissão espírito-santense de Limites, em 6 de novembro de 1963.
Eliseu Lofêgo
Explanação à Assembléia Legislativa
Introdução
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembléia Legislativa
Demais componentes da Mesa
Senhores Deputados
Convocado que fui pela colenda Assembléia Legislativa, por intermédio de requerimento dos nobres Deputados Dr. Christiano Dias Lopes Filho e General José Parente Frota, aqui me encontro para atender ao ofício que recebi, do teor seguinte:
"Vitória, 4 de outubro de 1963. N. 3 703 Senhor Secretário, — Cabe-me comunicar a V. Exa. que a Assembléia Legislativa, aprovando requerimento dos senhores deputados Christiano Dias Lopes Filho e José Parente Frota, deliberou convocá-lo para, perante ela, prestar informações sobre o acordo de limites firmado entre os Estados do Espírito Santo e Minas Gerais, especialmente sobre os atos referentes ao cumprimento do aludido acordo antes de sobre o mesmo pronunciar-se o Poder Legislativo. Pedindo que escolha, dentro de prazo razoável, o dia e a hora da sessão em que comparecerá, apresento a V. Exa, protestos de estima e consideração. Saudações atenciosas. (a) Ely Junqueira — 1.° Secretário".
É uma honra insigne esta — que se me oferece de poder comparecer ao recinto de tão augusta Corporação Política.
Nem todos os presentes sabem, porém aproveito o ensejo para dizer aos eminentes Deputados que sou, também, além de simples Secretário de Estado, um representante modesto do povo na Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim pela legenda da União Democrática Nacional.
E como o voto é a expressão que qualifica o eleito não se pode inferir nenhuma jactanciosidade pessoal na declaração que faço — de ter sido, entre todos Partidos que concorreram ao pleito, o candidato votado em todo o meu Município.
Por isso, sinto nimiamente satisfeito em participar por alguns momentos, do convívio de um grupo que obteve, como me aconteceu, um mandato popular digno para desempenho de tão elevadas funções públicas.
Do Comparecimento de Secretários às Assembléias Legislativas
a) FUNDAMENTO
Em seguida, peço vênia aos preclaros representantes do povo para uma digressão relativa ao comparecimento de Secretários de Estado às Assembléias Políticas.
Desde 1934, foi introduzida no país, através de disposição expressa, a modalidade de convocação de Ministros de Estado ao Congresso Nacional.
A Constituição Federal, de 1937, manteve a regra vigente, de 1946, reproduz idêntico dispositivo.
O Estado do Espírito Santo, seguindo as pegadas do princípio constitucional, incluiu, entre as suas normas também o comparecimento de Secretários à Assembléia Legislativa.
Os Secretários são, na verdade, de confiança imediata do Governo, responsáveis pelos atos que praticam por ordem deste, ou pelos que assinam, isolada ou conjuntamente.
Essa característica faz ressaltar os encargos de sua especial atribuição ante o Poder Público, tornando-os elementos integrantes do Executivo.
A convocação constitucional, destarte, de um Secretário de Estado, a esta colenda Assembléia, é uma forma de aproximação necessária entre os dois Poderes.
É mais, como diria Antônio Marques dos Reis, uma educação democrática dos nossos governantes, melhorando-lhes os costumes políticos.
A Constituição da América do Norte não permite o comparecimento de Ministros ao Congresso.
Mas a Carta Constitucional Argentina chega a conceder-lhes a prerrogativa, até, de participação nos respectivos debates.
Os Ministros, ali, no tocante a projetos de iniciativa do Poder Executivo, podem discuti-los e sustentá-los, como se fossem membros também do Legislativo.
É bem verdade que o sistema presidencialista se harmoniza com essas prescrições mais destinadas a governos parlamentaristas — de gabinete — de fiança das câmaras.
Entretanto, conforme o douto Carlos Maxiano prevaleceu, na Constituição de 1934, um regime de natureza mista — regime presidencial com determinados temperamentos parlamentaristas.
A convocação, porém, autorizada pelas leis brasileiras, de Ministros ou Secretários de Estado às câmaras legislativas, só tem um objetivo: esclarecimentos às assembléias políticas.
Restringe-se, tão somente, a isso.
E tão limitada é que há mister sejam prestados mediante assunto prévia e expressamente determinado.
b) OBJETIVO
A coartação explícita, por certo, teve o intuito supremo e justo, de evitar abusos e vexames que poderiam ou possam advir de um oposicionismo aos governos ou aos seus auxiliares, — quando o sadio propósito é obter, exclusivamente, informações.
Assim realmente se infere do texto constitucional capixaba ao se referir ao comparecimento obrigatório do Secretário para prestar informações sobre assunto prévia e expressamente determinado — cf. art. 16.
Como se vê, estabeleceu, ante estipulação expressa, a impossibilidade da dialética ou de discussão estéril de pontos controvertidos, que fujam da matéria antecipadamente solicitada.
Na verdade, a argumentação dialogada ou engenhosa, de plano, pode redundar, pela improvisação da mesma, num descrédito do governo ou de seus representantes.
Por isso, mui constitucionalmente se previu a necessidade de tudo girar sobre tema certo, inampliável, estudado no recesso dos gabinetes, refletido, para o assunto não ser desviado para outro campo intelectual ou jurídico senão o explicitamente aquele objeto de conhecimentos e referido da convocação.
Nem doutra forma se poderia compreender o intento do legislador, máxime em se tratando de Secretários de Estado cujas palavras e ações tem limite expresso em crime de responsabilidade que hoje decorre da lei federal nº 1079, de 10 de abril de 1950, e dos vários dispositivos da Constituição Federal.
Feita esta digressão que se tornava mister, - como intróito às informações que devem ser prestadas pelo Secretário de Estado, ex vi do que preceitua o art. 16 da Carta Estadual, “sobre assunto prévia e expressamente determinado”, - passo a responder ao mesmo.
Velha Questão
Outros Rumos
QUESTÃO QUASE SECULAR
A questão de limites entre Minas Gerais e Espírito Santo tem desafiado muitos governos, sem solução.
Baseada em elementos históricos, geográficos, com pretensões de um Estado e de outro, essa luta inglória já serviu de base para feitura de livros, memoriais, cartografias diversas, artigos abundantes em jornais e revistas, culminando numa ação judicial que hoje corre no Supremo Tribunal Federal.
NOVOS RUMOS
Com a evolução havida na mentalidade dos povos em geral que procuram propugnar pelas resoluções pacíficas como únicas capazes de pôr termo a uma sobrevivência sossegada, — também os capixabas e mineiros sofreram essa influência, certos da necessidade que traria um acordo que pudesse findar o caos existente entre os dois Estados Brasileiros.
E foi assim que surgiu a idéia de se colocar de lado a disputa antiga, por meios amigáveis, sem os óbices comuns encontrados até aqui, eliminando os propósitos de uma contenda eterna, pois os efeitos desta seriam, como o são, danosos aos habitantes dos territórios ocupados por ambos os Estados.
OS GOVERNADORES
Conscientes de que a divergência contínua e insolúvel de uma linha divisória jamais permitiria harmonizar as Populações locais; convencidos de que lides análogas de fronteiras têm sido decididas amistosamente com países estrangeiros; cônscios de que não era, assim, possível permanecer nesse estado de coisas — os dois Governadores, Dr. José de Magalhães Pinto e Dr. Francisco Lacerda de Aguiar, respectivamente, de Minas Gerais e Espírito Santo — convieram em terminar com a vetusta questão de limites.
Para tanto, entenderam-se previamente, no sentido de uma resolução honrosa, sem prejuízo para o Estado do Espírito Santo, muito menor que Minas, no tocante à área territorial a ser aquinhoada àquele.
Isso demonstraria o espírito altaneiro de concórdia de maneira que, posto em execução, se acabaria com essa pendência que vem molestando os dois Estados há muitos anos.
As Comissões Mistas
DESIGNAÇÕES
O primeiro passo foi a designação por parte de cada Governo de uma Comissão mista que pudesse estudar e apresentar fórmula razoável, a ser sugerida, para cessar a luta do contestado.
O Estado de Minas Gerais nomeou os membros de sua Comissão, incluindo nela, além do advogado que defende a causa mineira no Supremo Tribunal Federal, outros elementos como dois deputados da respectiva Assembléia Legislativa — um da maioria, outro da minoria.
O mesmo fez o Espírito Santo, designando vários membros inclusive quatro deputados — dois da oposicão e dois do governo, além de seu advogado que patrocina a ação judicial no Supremo.
Consta a designação desses membros do decreto de 31 de maio de 1963, do Estado de Minas Gerais e do decreto de 27 de maio de 1963, do Estado do Espírito Santo.
Os elementos constitutivos da Comissão Mista espírito-santense foram mencionados nos decretos de designação assim: Dr. Eliseu Lofêgo, Secretário do Interior e Justiça, Presidente; Dr. Cícero Moraes, advogado; Dr. Asdrubal Soares, engenheiro; Dr. Délio Magalhães, advogado do Serviço Jurídico; Dr. Eugênio Neves Cunha, bacharel em direito e agrônomo; deputados Dr. Christiano Dias Lopes Filho e General Parente Frota, do P.S.D; deputados Dr. Setembrino Pelissari da U.D.N. e Dr. Mário Gurgel, do P.T.B.
Os membros da Comissão mineira foram: Dr. Raul de Barros Fernandes, presidente Secretário do Interior; Dr. Darcy Bessone de Oliveira Andrade, advogado; Dr. Getúlio Vargas Barbosa, engenheiro; Deputado da U.D.N, representante da maioria, Dr. Aureliano Chagas e deputado do P.S.D., representante da minoria Dr. Manoel Costa.
PONTO DE VISTA
As Comissões Mistas tiveram que escolher o ponto inicial para discussão. E foram lembrados os laudos periciais existentes na causa que transita no Supremo Tribunal Federal.
Lá existem laudos do perito do Espírito Santo; do perito de Minas Gerais; e do perito desempatador, com uma linha de conciliação.
No exame desta foi que a Comissão calcou os seus estudos para começo dos debates.
Tal linha fora proposta, em 1957, pelo engenheiro Dr. Henrique Dietrich da Costa, nomeado pelo Ministro Ribeiro, então relator da ação existente no Supremo Tribunal Federal.
Diga-se, de intróito, que essa linha absorve totalmente o município de Mantenópolis e grande parte do atual município de Pancas.
RITO TRAÇADO
As comissões, em seguida, estabeleceram um roteiro, fixando, preliminarmente, os pontos básicos de predominância de jurisdição mineira ou capixaba.
Destarte, Minas Gerais, desde logo, chamou a si Mantena, cidade mineira por excelência e Espírito Santo reinividicou-se, sem tergiversas, e de Mantenópolis, sobre maneira capixaba.
Foi o princípio da discussão para ser traçada a linha que deveria atender às jurisdições predominantes e às áreas compensatórias, sem acarretar diminuição territorial para o Espírito Santo, fazendo-se compensações mútuas.
A linha limítrofe correspondeu às restrições apontadas, procurando rios, afluentes e outros meios possíveis que ressalvassem as situações locais onde prevalecessem as posses espírito-santenses e mineiras.
POVOAÇÕES RESERVADAS
Com esse critério, o Estado do Espírito Santo não teve prejuízo territorial nos municípios limítrofes de Barra de São Francisco e Ecoporanga, com todos os seus distritos judiciários, conservando Mantenópolis com os distritos da sede e São Geraldo.
Citam-se as povoações lindeiras, de prevalência de jurisdição capixaba, que ficaram para o Espírito Santo: Água Doce, Café Ralo, Santo Agostinho, Santo Onofre e outras.
O Estado de Minas Gerais conservou o município de Ataléia, Mantena e os distritos de Limeira e Ametista, do município de Mantenópolis.
A ÁREA
Fixada a linha divisória, feitos os cálculos das compensações de área, ao Espírito Santo coube área maior que Minas Gerais.
A área geral de toda a região contestada ou litigiosa é de 9.000 km2, mais ou menos.
Dentro dessa delimitação, os cálculos aproximadamente apuraram, para o Espírito Santo, 70% e para Minas Gerais, 30%.
Assim, no atual Acordo, o Espírito Santo tem 6.300 km2 e Minas Gerais 2.700 km2, aproximadamente.
Estas são as informações fornecidas por técnicos, através do planímetro e tão exatas quantas são as cartografias atuais.
Fonte: Limites (Acordo entre Espírito Santo e Minas Gerais), 1963
Autor: Eliseu Lofêgo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2016
O ato, destarte, praticado pelos Governadores de Minas Gerais e Espírito Santo, é ato meramente administrativo, estritamente administrativo
Ver ArtigoMas acontece que nenhum ato, mesmo simplesmente administrativo, até agora fora praticado pelo Poder Executivo
Ver ArtigoSó assim, no Espírito Santo, como em Minas Gerais, os brasileiros, que trabalham naquela região limítrofe, teriam o sossego que merecem
Ver ArtigoComo se vê, o Acordo é a expressão solene, própria jurídica e constitucional, que conduz os Estados, na; dúvidas lindeiras, a soluções pacíficas
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