Secular questão de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais - Parte III
O ACORDO
O Acordo nada mais é do que a reprodução explicita da linha sugerida, unanimemente, pelas duas comissões mineiras e espírito-santenses. Copiou-se, ipsis litteris, a conclusão a que chegaram essas ilustradas Comissões.
Incluiu-se, entretanto, como complementação do mesmo, mais uma cláusula que, aliás, deflui de todos os pactos similares, e tão natural que existiria por si mesma, se não constasse, expressamente, do documento.
E a condição de entrar em vigor o Acordo, suspenso, todavia, até a manifestação da Assembléia Legislativa.
É o decreto que o regulou ad referendum da aludida Assembléia.
Eis o que diz o Acordo:
— cláusula 1.ª — "Fica aprovada a linha divisória abaixo descrita, recomendada pela aludida Comissão (segue a linha)";
— cláusula 2.ª — "As autoridades dos Governos do Estado de Minas Gerais e do Espírito Santo farão observar, a partir da data da assinatura deste Acordo, para os efeitos jurisdicionais, a linha divisória descrita na cláusula anterior, até que as Assembléias Legislativas dos respectivos Estados se Prenunciem sobre este ajuste.
Cláusula 3.ª — "Este Acordo deverá ser aprovado por decreto do Poder Executivo do Estado de Minas Gerais e do Espírito Santo, "ad-referendum” das respectivas Assembléias Legislativas”.
Eis o que reza o Decreto:
— Art. 1.º — "Fica aprovado, "ad-referendum" da Assembléia Legislativa, o Acordo firmado entre o Estado de Minas Gerais e o do Estado do Espírito Santo que estabelece a linha divisória entre os referidos Estados, ao norte do Rio Doce, sugerida em 6 de junho de 1963, pela Comissão Mista organizada pelos respectivos Governos."
— Parágrafo único — "O Acordo aprovado por este Decreto é do seguinte teor" (segue o acordo).
— Art. 2.° — "As autoridades dos Governos do Estado de Minas Gerais e do Espírito Santo farão observar, a partir da data do Acordo aprovado por este decreto, a linha divisória, ali estabelecida, até que as Assembléias Legislativas dos dois Estados se pronunciem sobre o assunto.
— Art. 3.º — "Revogam-se as disposições em contrário".
— Art. 4.º — "Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação".
DE ONDE SE BUSCOU O FUNDAMENTO DO ACORDO
Não se pode esclarecer, entanto, o sentido da cláusula II do Acordo, firmado entre Minas Gerais e Espírito Santo no dia 15 de setembro do fluente ano, cláusula idêntica à do artigo 2.° do Decreto Executivo n.° 264, de 15-9-1963, sem que se faça um estudo introdutório concernente ao mesmo.
O Acordo estabelecido teve origem em dispositivo constitucional.
E, em questões de limites, a norma, estatuída, é, realmente, através de acordos.
Lá está, no art. 6º do Ato das Disposições Constitucionais da Carta da República. É o seu fundamento legal. Para a demarcação de linhas de fronteiras, existe uma forma jurídica adequada: é o acordo. (1)
Os Estados devem promover, por acordo, as suas divergências lindeiras, podendo fazer alterações e compensações de áreas. Para tanto, deverão atender aos acidentes naturais do terreno, às conveniências administrativas, à comodidade das populações fronteiriças. Aí estão as condições exigidas, por texto constitucional federal, expresso, para que se findem as questões de limites entre os Estados — membros, componentes que são da mesma unidade federativa.
Como se vê, o Acordo é a expressão solene, própria jurídica e constitucional, que conduz os Estados, na; dúvidas lindeiras, a soluções pacíficas.
Por outro lado, a Constituição espírito-santense, como as demais Cartas do país, atribui, à Assembléia Legislativa, a solução dos casos relativos a limites territoriais do Estado.
Em dois de seus dispositivos — art. 18, item VIII e art. 14, item III do § 1º cuida, especificamente, da competência da colenda Assembléia, para resolver tais questões limítrofes.
Conjugando, assim, o preceito constitucional federal com os citados da Carta capixaba, conclui-se que, em se tratando de linhas fronteiriças, o acordo é, inegavelmente, a forma jurídica acomodada para acabar com as diferenças existentes entre limites territoriais dos Estados.
O CONCEITO DE ACORDO
E por que só o acordo?
Porque é a maneira legal, apropriada, que decorre das normas jurídicas que põem cobro às diversidades das partes, quer dentro dos processos judiciais, quer fora deles.
Aliás, tão antigo quanto o direito é a concepção de acordos para que se faça acabar com as demandas.
Seria mesmo uma perfeição jurídica, de alta monta, que as pendências se solucionassem, sempre, através de conciliações entre as partes litigantes.
Esse foi um dos ideais jurídicos dos gregos de Atenas no dizer de Américo Lopes.
No direito germânico, a composição privada era a solução perfeita para as contendas judiciais conforme colhe em exposição de Victor Russomano.
Durante a Idade Média, fala J. Ribeiro de Castro Filho, a Igreja tudo fez para evitar as dissenções e para harmonizar aquelas que surgissem.
E a forma recomendada, concludentemente, seria, não há negar, o acordo.
O acordo, quando celebrado entre pessoas jurídicas de direito público interno — isto é — entre dois Estados, como o que se realizou, é, evidentemente, de conteúdo político-administrativo.
Nele reside o consentimento recíproco de duas entidades jurídicas com o propósito de constituir, regular, modificar, alterar ou extinguir direitos, consoante definição clássica.
Como entre os pactos internacionais, no concebimento de David Watson, é um contrato com o intuito, de promover, entre um Estado e outro, o bem estar geral.
Como se vê, o acordo procura resolver problemas inconciliáveis, exigindo dos interessados, sobretudo, boa vontade, em prol da harmonia que traz aos litigantes.
Em suas cláusulas, fica implícito o assentimento espontâneo das partes, manifestando-se a desistência, muitas vezes, de lado a lado, e até fundamentos preconcebidos, para se chegar a uma conclusão tranqüila.
É evidente que, para isso, não se discutirão mais direitos, nem razões de lastro jurídico.
O fito, no acordo, é a paz, a paz acima de tudo, acima de tratados, de códigos, de documentos, da tradição e das prescrições legais.
E isso porque o acordo faz desaparecer o estado de rixas.
Põe termo a interpretações divergentes, a pretensões descabidas, a interesses apaixonados.
Extingue preocupações, distúrbios, sobressaltos, choques, restabelecendo a ordem e trazendo tranqüilidade. Esse sossego revela a síntese dos acordos estabelecidos pelas leis e pelo Direito.
ACORDO É CONGRAÇAMENTO E PRIVATIVO DO PODER EXECUTIVO
ACORDO É CONGRAÇAMENTO
Ante a exposição feita, em que predomina, nos acordos, a paz, a paz acima de tudo, está, implícita, conseqüentemente, a observância do que as partes neles estipularam. Porque, doutra forma, nada valeria um acordo, sem que se atendesse ao conteúdo de sua conceituação jurídica.
Acordo é conciliação, é ajuste, é harmonia, é a liquidação de contas ou de questões. Acordo é, portanto, paz e amizade. É congraçamento, é simpatia. Traz bonança, brandura, mansidão. Acordo é, por conseguinte, a cessação das hostilidades, é a tranqüilidade particular ou pública.
Sem que se obedeça ao sentido gramatical ou jurídico da palavra acordo, como se deduz do exposto, a sua assinatura seria inócua, sem conseqüências legais.
Se o acordo pressupõe manifestação de vontade —assentimento recíproco — o seu intento é pacificar os litigantes.
Firmado que seja, tem que afastar, desde logo, a rixa, a intranqüilidade, aproximando os contendores para a normalização das dúvidas até então existentes.
Não pode haver acordos continuando os interessados em luta.
O acordo suspende os atos adversos, para que, através dele, se conciliem as partes.
É PRIVATIVO DO PODER EXECUTIVO
Reduzido a escrito ou a termo, na expressão jurídico-processual, terá que ser observado, sob pena de nada valer o que, expressamente, se convencionou.
SUA REALIZAÇÃO É UM PRIVILÉGIO DO EXECUTIVO
De feito, quando a Constituição Estadual cometeu ao Governador a privatividade de celebrar acordos, embora ad referendum da Assembléia Legislativa (art. 33, item V), já lhe concedeu, de modo prévio, a prerrogativa de um ato exclusivo do Poder Executivo.
Isso lhe dá a faculdade legal de cumprir os acordos mesmo antes de, sobre eles, se pronunciar o Poder Político.
Ainda que se condicione o ato à confirmação posterior, não se pode negar ao Executivo tal faculdade que é uma das suas atribuições específicas no tocante à assinatura de acordos.
A disposição constitucional citada lhe confere o poder de praticar atos, baixando-os, referentemente aos acordos, tomando mesmo decisões, embora condicionais.
Tanto é verdadeira a conclusão que, por outro lado, impende à Assembléia Legislativa, como de sua competência especial, resolver definitivamente sobre os acordos celebrados pelo Governador (art. 19, item IV da Constituição Estadual).
O advérbio definitivamente, constante do termo citado, põe às claras a existência antecipada do ato.
Decide-se o que já se convencionou e segundo as estipulações ou cláusulas insertas nos acordos, porquanto a competência legislativa é para "resolver sobre os acordos" já celebrados.
Pouco importa que o Acordo, celebrado com fundamento no art. 33, item V, da Constituição Estadual, não se refira a limites do território espírito-santense.
Pouco importa que, naquela hipótese em que cabe à Assembléia Legislativa resolvê-lo definitivamente (art. 19, item IV), a competência do órgão legisferante se dá simplesmente sem a sanção do Executivo e, nos casos de limites, se torna necessária a dita sanção (art 18, item IX).
Em síntese: uma independe de sanção, outra a exige.
Qualquer que seja o caminho legal seguido, o acordo é de forma constitucional, privativo do Poder Executivo.
Já ao Legislativo compete roteiro diferente: ou submete a sua resolução ao crivo da sanção normal porque se trata de limites (art. 18, item IX), ou não a submete a sancionamento algum porque é de sua exclusiva competência resolver os acordos "definitivamente" realizados (art. 19, item IV).
Nada disso, entanto, obsta a que se atenda ao cumprimento do acordo que se fez ou se faz ad referendum do outro Poder (art. 33. item V).
NOTAS
(1) Sobre esse assunto, durante os esclarecimentos à Assembléia Legislativa, perguntou o Dep. Christiano Dias Lopes Filho se o art. 6º já não tem sua vigência terminada - o que respondi: "O art. 6º do Ato das Disposições Transitórias efetivamente é matéria das Disposições Constitucionais Transitórias. Entretanto, eu o trouxe à balha para que serviesse de fundamentação para justificar o Acordo."
Fonte: Limites (Acordo entre Espírito Santo e Minas Gerais), 1963
Autor: Eliseu Lofêgo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2016
O ato, destarte, praticado pelos Governadores de Minas Gerais e Espírito Santo, é ato meramente administrativo, estritamente administrativo
Ver ArtigoMas acontece que nenhum ato, mesmo simplesmente administrativo, até agora fora praticado pelo Poder Executivo
Ver ArtigoSó assim, no Espírito Santo, como em Minas Gerais, os brasileiros, que trabalham naquela região limítrofe, teriam o sossego que merecem
Ver ArtigoEliseu Lofêgo, compareceu à Assembléia como Presidente da Comissão Espírito-santense de Limites, em 6 de novembro de 1963
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