Secular questão de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais - Parte IV
ATO COMPLEXO
E isso porque se trata de um ato complexo, que só se conclui, só se torna perfeito e acabado com a colaboração de dois Poderes — o Executivo e o Legislativo.
Aqui se aplica a doutrina dos atos administrativos complexos, vale dizer, daqueles atos cuja eficácia só se completa quando colaboram dois ou mais poderes para a sua realização, no expressar do douto Temístocles Cavalcanti.
Requer, assim, o concurso de duas vontades, a participação de mais de um órgão para que se integre o ato e se complete a sua eficácia.
Donde se colige que, ante os termos citados da Constituição, a competência, atribuída à Assembléia Legislativa para "resolver definitivamente" os acordos firmados, equivale, perfeitamente, a um ato complexo, isto é, dos que só se tornam perfeitos e acabados com o referendo do Legislativo.
CLÁUSULAS, TRÉGUA, OBSERVÂNCIA
ATO ESTRITAMENTE ADMINISTRATIVO
O ato, destarte, praticado pelos Governadores de Minas Gerais e Espírito Santo, é ato meramente administrativo, estritamente administrativo.
Não vai além do Poder de cada um deles, mesmo que se queira dar interpretação diversa à cláusula II do Acordo, porque aí nada se fez senão atender ao espírito jurídico do que, em regra, se estipula entre as partes contratantes.
Identicamente ocorre com o decreto n.° 264. de 15-9-1963, que não regulou senão o próprio acordo, dando-lhe o cunho jurídico.
Aliás esses atos em que se reproduz a cláusula que manda que as autoridades dos dois Governos farão observar a linha divisória descrita, a partir da data da assinatura, não precisavam nem constar do aludido documento.
Ela é implícita em todos os acordos.
Se acordo é união, é boa graça, é cessação das hostilidades, por sua vez tem que ser também sossego, tranqüilidade, paz.
Acarreta, inevitavelmente, calma, serenidade, moderação.
Logo, firmado o Acordo, essas conseqüências são uma condição — sine qua non — de sua validade jurídica.
Por conseguinte, a cláusula citada deflui implicitamente de todos os acordos.
Mas, admitida que seja, bem se infere que ela se tornava, ou se torna, precisa para assegurar o termo firmado entre os interessados.
Não existe acordo, pacto, convenção, tratado, — o que é sinonimamente o objetivo de tais conciliações — sem cláusulas denominadas de garantia.
CLÁUSULAS DE GARANTIA
Desde os tempos remotos, a exemplo do que ocorre no Direito Internacional Público, a cláusula de garantia é indispensável a convenções do jaez da que se estipulou entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Sem a condição preestabelecida de segurança para o cumprimento de acordos, pouco valor teria sua assinatura.
Na velha Roma, uma das formas conhecidas, para aboná-los, era o juramento.
Tal também sucedia na Idade Média.
O juramento era promessa solene de que o pacto se dizia sagrado e, conseguintemente, acatado.
Mais tarde, foi substituído o juramento pela entrega de reféns à fiança da convenção realizada. Ficavam certas pessoas de importância social, em poder do inimigo, qual garantia das obrigações estatuídas nos tratados.
Surgiram, depois, outras modalidades de cauções, para sustento das cláusulas dos convênios, como o penhor sobre objetos preciosos, a hipoteca sobre parte do território, a ocupação ou desocupação temporária de certa região.
Todas essas condições se incluíam nos acordos ou tratados com o propósito de atestar a sua firmeza no cumprimento das obrigações estabelecidas.
As cláusulas de garantia são, como se infere do exposto, um elemento integrante dos acordos. Elas se traduzem em acessório à parte principal. Em regra constam do próprio pacto ou em instrumento complementar. Mas são condições imprescindíveis à validade jurídica dos acordos.
Daí a inserção apropriada da cláusula II referida no Acordo como garantia do que convencionaram as partes contratantes.
TRÉGUA
Nem era possível deixar de constar do Acordo uma condição de trégua.
Impõe a lógica jurídica que, tentando os interessados uma conciliação, teriam eles, forçosamente, que sustar as desafeições reinantes no território em litígio.
A suspensão temporária dos sentimentos hostis entre os litigantes era a forma, pois, adequada para conduzir as partes a uma solução pacífica.
Fato semelhante ocorre na aplicação do Direito Internacional Público.
O tratado de paz, diz Raul Pederneiras através de Alberto Tornaghi, o tratado de paz começa a ser obrigatório para os governos desde a sua conclusão, isto é, depois de ratificado, todavia, por prática comum e geral, determinada pela conveniência recíproca e razão de humanidade, cessa, desde a data da assinatura, todo gênero de hostilidades.
Desde que firmado o pacto, logo se põe termo, —prosseguem os mestres —, às lutas; regulam-se a retirada de tropas e a entrega dos prisioneiros; estipulam-se as condições em que deve continuar a ocupação de certas praças ou região; restabelece-se a paz em termos gerais.
Se isso se dá entre beligerantes estrangeiros, com maioria de razão deve suceder entre dois irmãos brasileiros, ligados pelos mesmos sentimentos, pelos mesmos costumes, pelos mesmos ideais políticos e religiosos.
Não é nenhuma novidade, perante o Direito das Gentes, que as partes contratantes estipulem a vigência de um tratado na data em que foi firmado.
Embora pareça isso irregular, por ser o ato ad referendum do Legislativo, a matéria teve guarida na Convenção de Havana como expõe o professor Hildebrando Acióli: os tratados vigorarão desde a troca ou depósito das ratificações, isto é, de sua assinatura, salvo se, por cláusula expressa, outra data tiver sido convencionada.
Logo, desde quando o instrumento é trocado por outro análogo, começa ele a viger, estabelecendo-se, daí por diante, um modus vivendi entre as partes interessadas.
Diga-se que célebres tratados internacionais entraram em vigor no próprio dia da assinatura como enumera o autor citado, in Revista Forense, Vol. 126, pg. 33, não obstante estarem, dependendo, ainda, do referendo de outro Poder.
Isso equivale, em direito, à prática de atos, com antecipação, mesmo subordinados ao pronunciamento do órgão que complementa as obrigações assumidas.
UMA CLÁUSURA HISTÓRICA
Outrora já aconteceu entre os dois Estados — Minas Gerais e Espírito Santo —, caso semelhante. Estabeleceu-se cláusula análoga — de se dar cumprimento prévio aos acordos, como se colige do celebrado em 1911, pelos dois Estados. Esclareceu-se aí que se mantinha, — no exclusivo intuito de pacificar a zona litigiosa, — uma linha provisoriamente atribuída à jurisdição espírito-santense até decisão arbitral e outra atribuída à jurisdição mineira, no mesmo sentido.
É o que se lê no célebre trabalho de "Limites do Espírito Santo", da autoria do Dr. Cícero Moraes, grande conhecedor do assunto.
Lá, à página 38, ainda se completa a garantia que Minas Gerais deu ao Espírito Santo, e este reciprocamente a ela, com os seguintes dizeres: "Esta delimitação provisória entrará, desde já, em vigor."
E é óbvio que, sem essa reserva de uma linha provisória a ser obedecida, sem delimitação das jurisdições de cada um dos Estados-membros, não haveria tranqüilidade para o Acordo, pondo fim aos conflitos freqüentes de jurisdição dupla na zona contestada.
Bem convinhável foi, portanto, a convenção estipulada em 1911, determinando uma linha provisória qual a de hoje estipulada pelo Acordo de 15 de setembro de 1963.
Lá se dizia, e agora se pode repetir, que "esta demarcação provisória, que entrará desde já em vigor e será mantida até decisão final, não poderá ser invocada por nenhuma das partes como argumento novo, demonstrativo de posse" — pg. 44 da citada obra, porque ainda ela estaria sujeita ao referendo do Poder Legislativo.
Com essa condição suspensiva, o ato não tem execução legal se depende ainda de uma demarcação in loco.
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
De feito, a condição suspensiva tolhe, temporariamente, a eficácia do ato jurídico.
Enquanto pende a condição, não se adquire o direito.
Logo, se a condição não se verifica, expõe Paulo Mereia, o negócio jurídico nenhum efeito produz, ficando privados de qualquer eficácia os atos que porventura hajam sido realizados pelo sujeito do direito condicional.
O Acordo estipulado contém uma expectativa de direito, porquanto está dependente de certa cláusula que interrompe sua executoriedade, pois exige, para validade legal, o beneplácito posterior da Assembléia Legislativa.
Por conseguinte, enquanto não se verificar essa condição, diz Clóvis Beviláqua, o direito a ela subordinado é, apenas, possibilidade em via de se atualizar.
As autoridades capixabas e mineiras farão observar, da data do Acordo, a linha descrita, para efeitos jurisdicionais, PORÉM somente até que as Assembléias de ambos os Estados se pronunciem a respeito do ajuste.
Essa é a cláusula do Pacto firmado.
Aí está, patente, a condição suspensiva, vale dizer, enquanto não se verificar, no negócio realizado a condição preestabelecida, o direito não se considera adquirido.
É comum a inclusão de cláusula dessa espécie, nos negócios jurídicos, sem penetrar na validade do ato propriamente dito.
A eficácia, todavia, do mesmo, fica aguardando a realização da condição nele inserida.
Noutros termos, a eficácia do ato administrativo, mesmo acabado e perfeito como se diz na técnica jurídica pode ficar sujeita à verificação de uma condição suspensiva.
Tal a espera do pronunciamento da Assembléia Legislativa por meio do referendo.
O ato só se integra após a provocação do Poder Político.
Não obstante, ele é válido e produz efeitos desde logo.
Para a sua existência jurídica até a sua existência verdadeira, real, porém no sentido de ter execução completa, preciso é que se tenha submetido à aprovação da Assembléia Legislativa.
Assim, o dispõe, claramente, o art. 118 do Código Civil, quando reza que “subordinando-se a eficácia do ato à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito a que ele visa”.
Aí o teor da cláusula, constante do Acordo, que, pela sua declaração explícita – ad referendum – da Assembléia Legislativa, não obriga ninguém antes do seu consentimento.
A execução do Acordo é ato conseqüente, evidentemente.
Está subordinado à condição suspensiva.
E a cláusula II – que manda observar a linha provisória – não é um ato executório.
Ao revés, é ato de garantia à palavra empenhada.
Sua força legal, está, porém limitada, pois que ficou dependente do referendo.
Uma coisa é ater o ato administrativo à esfera de sua competência exclusiva e outra a de lhe dar eficácia posterior.
A complementação do ato se faz, então, através do conceito jurídico que se convencionou chamar ato complexo – segundo as teorias dominantes no Direito Administrativo.
Fonte: Limites (Acordo entre Espírito Santo e Minas Gerais), 1963
Autor: Eliseu Lofêgo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2016
Mas acontece que nenhum ato, mesmo simplesmente administrativo, até agora fora praticado pelo Poder Executivo
Ver ArtigoSó assim, no Espírito Santo, como em Minas Gerais, os brasileiros, que trabalham naquela região limítrofe, teriam o sossego que merecem
Ver ArtigoComo se vê, o Acordo é a expressão solene, própria jurídica e constitucional, que conduz os Estados, na; dúvidas lindeiras, a soluções pacíficas
Ver ArtigoEliseu Lofêgo, compareceu à Assembléia como Presidente da Comissão Espírito-santense de Limites, em 6 de novembro de 1963
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