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Secular questão de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais - Parte II

Capa do Livro: Limites (Acordo entre Espírito Santo e Minas Gerais), 1963

A BUSCA DE UMA SOLUÇÃO PACÍFICA

TRANQUILIDADE LOCAL

As sugestões apresentadas tiveram por fito acarretar, aos dois estados, quietação às populações locais.

Tiveram ainda por objetivo deixar resolvidos, definitivamente, os problemas inconciliáveis — fiscais e policiais, que, até hoje, são freqüentes na zona contestada.

Seria uma conquista de paz à região litigiosa transportar tudo isso para um Acordo.

Esses foram os propósitos elevados dos Governadores de Minas Gerais e Espírito Santo, no sentido de terminar, de uma vez por todas, a disputa de terras entre respectivos Estados.

Tal entendimento recíproco e patriótico poria, assim, termo à quase secular questão de limites entre mineiros e capixabas.

E, conseguintemente, haveria de alcançar o restabelecimento da ordem pública, para as populações limítrofes, restabelecimento que concorrerá para o progresso local sem as preocupações de distúrbios constantes, na região.

Para tanto, só uma solução pacífica e honrosa, porque só assim se acabariam os males dessa fronteira dúbia; os sobressaltos de seus habitantes: os choques policiais e fiscais.

Só assim, no Espírito Santo, como em Minas Gerais, os brasileiros, que trabalham naquela região limítrofe, teriam o sossego que merecem.

A questão perante a história

A HISTÓRIA

Se formos perquirir a história das conturbações em geral — referentes a limites do Espírito Santo com Minas Gerais —, iremos até a Carta Régia de 1709.

Ao ser criada a Capitania Geral de São Paulo e Minas Gerais, foi alterada a linha limítrofe até então pertencente à Capitania do Espírito Santo, doada a Vasco Fernandes Coutinho.

Posteriormente, prosseguiu-se nas desavenças, surgindo — dos entendimentos — um famoso Auto de Demarcação do ano de 1800 — que fixou limites e passou a ser considerado lei nela Carta Régia de 1816.

Novas incompreensões fizeram que o Governo Imperial interviesse no caso baixando o Dec. n.° 3043 em 1863, para regular o assunto. Mais tarde, despontaram outros desentendimentos em 1879, recrudescendo-se em 1892, até que apareceu, para tentar resolvê-los, uma Comissão Mista, em 1895.

Continuaram as entabulações, entre os dois Estados, nos anos de 1903, 1905, 1908, até o célebre Convênio de 1911, em que se apelava para uma decisão arbitral.

Tal Convênio teve aprovação das Assembléias Legislativas dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, no mesmo ano de 1911. Constituída que foi a Corte Arbitral em 1913, dela emanou o respectivo Laudo em 1914.

Perduraram, não obstante isso, as divergências entre os dois Estados, ficando, na História, ainda, as reminiscências de uma ação de nulidade de arbitramento, proposta pelo grande brasileiro e advogado RUI BARBOSA.

E foi nomeada nova Comissão Mista e celebrado novo Convênio em 1928.

Mas não ficou aí essa controvérsia intérmina.

Veio a Constituição Federal de 1937 e, ante dipositivo explícito — art. 184 —, foi posto fim às questões de limites entre os Estados, arquivando-se as causas em andamento no Supremo Tribunal Federal ou as levadas à consideração dos juízes arbitrais.

Parecia estar terminado, assim, todo e qualquer conflito de limites de vez que se entregou ao Serviço Geográfico do Exército a sua solução.

O Comandante Thiers Flemming, na Revista Naval do mesmo ano, chegou a afirmar, por isso, que a Constituição de 1937, sábia e patrioticamente, dirimiu de um golpe, essas criminosas pendências territoriais, concluindo que "só esse motivo justificaria plenamente a promulgação daquela Carta" tal a esperança em que se tinha da fulminação das questões lindeiras.

Mas a verdade é que estamos ainda em litígio permanente até hoje.

Tanto assim que poderíamos repetir o que dizia o eminente Dr. Cícero Morais, em 1939, como se estivéssemos hoje, em 1963, escrevendo a mesma coisa. Eis as suas palavras, textuais:

"O Estado do Espírito Santo contende com o de Minas Gerais, há oitenta anos, para encontrar a definição de seus limites comuns. Estabeleceram-se entendimentos diretos, solicitou-se a intervenção do Governo Imperial, criaram-se comissões mistas de juristas e técnicos, erigiu-se um juízo arbitral, a questão foi entregue ao Supremo Tribunal, e a divergência permaneceu. Voltam os estudos, voltam as comissões mistas, as cidades crescem de vulto, as interpretações se entrechocam".

A realidade dos fatos

OS FATOS

A sustentação, como se vê, perante a história, das lindes territoriais de Minas Gerais e Espírito Santo, apesar de tantos esforços de uns e outros, tem demonstrado, aos dois povos irmãos, que a questão do contestado continuaria irresolúvel.

Apegados a interpretações jurídicas, fundados em provas documentais, os bons intuitos dos homens de outrora, até o presente, não conseguiram terminar esse litígio de quase um século.

Estaríamos, ainda, baseados nas crônicas históricas, no início da contenda.

E tudo porque nos faltava atender à realidade dos fatos que hoje se apresentam de modo diverso.

A situação atual daquela gente que vive na zona litigiosa reclama uma pacificação urgente.

Já sofreu a mentalidade do povo uma grande modificação e a angústia, dos que labutam na região contestada, tem e está contribuindo para eliminar as divergências contínuas dos seus habitantes.

Já, agora se conclama paz, paz que se reivindica entre as nações mais poderosas do mundo, paz que então se impõe entre os próprios irmãos brasileiros.

Portanto, já não se justifica mais, ante a questão de fato, da posse tranqüila de um grupo e de outro em determinado território, que se prossiga nessa luta in-cessante de fronteiras, como se dois Estados brasileiros fôssemos duas potências estrangeiras, adversárias rancorosas e, conseguintemente, inconciliáveis.

Mineiros e capixabas não se detestam a tal ponto que se torne impossível estabelecer uma pacificação para suas terras.

Irmãos brasileiros que são, pelo correr do tempo, já fixaram entre si uma situação de fato.

Para se evitar que eternamente continuem a viver sob jurisdição dupla, com inquietações permanentes resolveram, de modo espontâneo e por força de suas necessidades, rasgar as tradições históricas dos antigos tratados, que não condizem mais com a realidade presente.

Ambas as populações ocupam determinados lugares distritos e povoações, com predominância de jurisdição para umas e para outras. Tornava-se mister, de conseguinte, pôr fim a essa duplicidade de convivência, que ocasiona prejuízo para todos — na ordem econômica, social, política, religiosa e jurídica.

Sobre a questão estritamente jurídica já se está fazendo reconhecer como imprescindível a questão estritamente real dos atos.

Chegou-se à compreensão de que, buscando o direito de cada um nos velhos trabalhos históricos, os nossos netos e tetranetos não teriam sossego de espírito como há quase cem anos não se tem tido na região contestada.

As divergências, os sobressaltos, os choques armados e até mortes, tudo persistiria como está, numa demonstração triste da incapacidade dos povos irmãos para entendimentos pacíficos necessários à sobrevivência humana.

Era de mister então uma resolução imediata. E esta exigiria de todos boa vontade, propósitos sadios, que levassem os mineiros e capixabas até a renúncia de direitos, se isso fosse mister.

AS CIDADES – LITÍGIO

CIDADES-LITÍGIO

Vale ressaltar, ao término destas considerações, que não foi sem razão que o Dr. Cícero Moraes, o mais profundo perito da região contestada e o advogado do Espírito Santo no pleito judicial que tramita no Supremo Tribunal Federal, lembrou a expressão, desconhecida nos tratados de Geografia, de "Cidades-litígio".

Embora com a desavença contínua nos territórios, com duplicidade de jurisdição de mineiros e capixabas, com a insegurança pessoal e patrimonial de cada um de seus habitantes, ainda assim surgiram cidades dentro dessa luta ingloriosa.

Barra de São Francisco, Mantenópolis, Mucurici, Ecoporanga, Mantena ou Gabriel Emílio, Ataléia ou Joeirana — todos esses municípios se originaram de um contraste famoso entre os próprios irmãos brasileiros.

A História Nacional aí está para rememorar que as cidades do mesmo nome acima "surgiram de um litígio e cresceram com ele", no pronunciamento pitoresco do aludido escritor espírito-santense.

Mas isso seria, ante o estabelecimento havido das relações amistosas, agora, apenas, um fato ocorrido na vida dos nossos conterrâneos.

 

Fonte: Limites (Acordo entre Espírito Santo e Minas Gerais), 1963
Autor: Eliseu Lofêgo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2016

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