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A Estrada Real São Pedro de Alcântara - Por João Eurípedes Franklin Leal

Professor e historiador João Eurípedes Franklin Leal

No início da colonização portuguesa no Brasil, quando da criação do sistema administrativo denominado de Capitanias Hereditárias, em 1534, foi doada a Vasco Fernandes Coutinho uma área que, em 1535, tornou-se a Capitania do Espírito Santo. Seu território abrangia, inicialmente, uma enorme área que englobava, além do atual Espírito Santo, boa parte de Minas Gerais e parte de Goiás, pois seu limite a oeste dava-se pelo meridiano de Tordesilhas. Foi dentro desse território, então percorrido no século XVII por bandeirantes paulistas, ávidos por ouro, prata e pedras preciosas que um deles, Antônio Rodrigues Arzão, em 1692, nas cabeceiras do rio Casca, na tão falada e pouco conhecida Casa do Casca, foi descoberto, oficialmente, o ouro procurado pelos bandeirantes. Foi a partir desse evento que materialmente se concretizou o ciclo do ouro no Brasil, mudando radicalmente a economia e a política colonial.

O ouro descoberto na região do rio Casca foi levado à Vila de Vitória, a mais próxima do local, sede da Capitania do Espírito Santo. Apesar de não ter sido a primeira mostra do metal precioso encontrada no Brasil, a quantidade achada foi maior que as encontradas em outros locais. O que ela representa é o inicio da maior corrida ao ouro, com sucesso na história recente do homem e que, por cerca de um século, mudou radicalmente a Colônia do Brasil.

Com isso, a política governamental do Reino de Portugal procurou adaptar-se à nova realidade, regulamentando a exploração do ouro, evitando ao máximo o seu descaminho ou contrabando e agindo para controlar a produção, a cobrança de tributos e a entrada e saída de pessoas da região das chamadas Minas Gerais. Foi criada a Capitania de São Paulo e Minas Gerais, logo depois desmembrada em duas. Com isso, o território que pertencia a Capitania do Espírito Santo ficou restrito a uma faixa a beira mar.

Com a explosiva produção de ouro, já nas primeiras décadas do século VXIII, o governo português, consciente de que quanto mais caminhos houvesse, mais contrabando haveria, delimitou o uso de apenas uma estrada de acesso às minas. Primeiramente partindo do porto de Parati, no Rio de Janeiro, o Caminho Velho da Estrada Real, em direção a Ouro Preto, foi a rota permitida. Depois, foi complementada pelo Caminho Novo, que partia diretamente da cidade do Rio de Janeiro para as Minas Gerais. A proibição do uso de quaisquer outras opções de acesso acabou batizando o Espírito Santo de "a defesa natural das Minas Gerais". Era vedado qualquer contato, era proibida qualquer entrada e as terras capixabas, com suas florestas e seus indígenas, não muito amistosos, cumpriu, em parte, seu papel.

Hoje, entretanto, sabemos que muitos bandeirantes, muitos aventureiros, muitos mineiros cruzaram aquele território no século XVIII, onde mineraram ouro, especialmente na região do vale do rio Jucu, Castelo, Pardo e Itapemirim. Os produtos dessa extração proibida foram totalmente contrabandeados, não rendendo tributos ao governo de Portugal. Um dos mais famosos mineradores foi Pedro Bueno Cacunda, que com seu grupo explorou o ouro do Castelo, desde 1705 até 1735, centrado no Arraial de Santana, quando abandonou a região. Outros mineradores percorriam a região e exploravam o ouro e muitos relatam constantes ataques de índios Puris, sendo famoso o grande ataque de 1771, que com a vitória indígena, retirou da região, do rio e serra do Castelo, boa parte dos aventureiros. Entretanto, é bom lembrar que, se no lado do Espírito Santo era proibida abertura de estradas, no lado mineiro, isto não acontecia e mapas de Minas Gerais, da segunda metade do século XVIII, já mostravam caminhos em direção ao Espírito Santo, seja via vale do rio Doce, seja em direção a região mineira do rio Casca e do rio Manhuaçu.

No final do século XVIII, a mineração do ouro em Minas Gerais já estava decadente e o governo português procurava alternativas de riquezas na região. No início do século XIX, o Espírito Santo teve uma seqüência de governantes — Antônio Pires Pontes (1800-1804), Manuel Vieira Tovar (1804-1811), Francisco Alberto Rubim (1812-1819) e Baltazar de Vasconcelos (1819-1822) — que procuraram promover o desenvolvimento do centro e do sul da capitania, com ideias de constituir uma ligação regular com Minas Gerais. Em 1802, chegou-se anunciar a abertura da navegação no rio Doce. Nove anos depois foi sugerido ao Ministro do Príncipe Regente D. João, Conde da Barca, amigo pessoal do então governador do Espírito Santo, que "nova estrada que de Minas Gerais se dirige pela Serra dos Arripiados, e que segundo dizem, vai ter a Capitania do Espírito Santo por esse rio de Santa Maria se efetuasse, seria esta comunicação de maior vantagem que a navegação do Rio Doce".

Foi nesse contexto que o D. João emitiu uma Instrução Real, em 11 de abril de 1814, ordenando a construção de uma Estrada Real ligando Vitória, no Espírito Santo a Ouro Preto, em Minas Gerais. Nesta mesma data, foi encarregado da abertura da rota, denominada de São Pedro de Alcântara, o Tenente Coronel Ignácio Pereira Duarte Carneiro. Sua tarefa seria de abrir uma estrada a partir do Porto do Cachoeiro de Santa Maria (atual Santa Leopoldina), seguindo pelo quartel de Bragança em direção a Minas Gerais, até encontrar o grupo mineiro que trabalhava em sentido contrário.

Em 23 de maio de 1815, foram dadas novas instruções ao encarregado da obra da estrada, estabelecendo o fornecimento de soldados e índios, a criação de quartéis de proteção na estrada de três em três léguas, com três homens, armas, ferramentas e mantimentos. Finalmente, em 28 de agosto de 1816, foi concluída oficialmente a construção da Estrada São Pedro de Alcântara, ligando a Capitania a Minas Gerais com oito quartéis de proteção no Espírito Santo. O encontro com o grupo mineiro se deu próximo às margens do rio Pardo.

De imediato, em 4 de dezembro de 1816, D. João VI assinou uma Carta Régia, destinada ao Governo do Espírito Santo, na qual ordenou a promoção da comunicação entre Espírito Santo e Minas Gerais, a abertura de outras estradas complementares sempre guarnecidas de tropas, que se examinasse o uso dos rios para navegação, que por dez anos fossem isentas de impostos as mercadorias que aí transitassem, assim como dos outros produtos aí cultivados. Ordenou ainda que se promovesse a lavra do ouro nas minas do Castelo e arredores, que anualmente fossem levados ao Rei os progressos da região, que se promovesse a pacificação dos indígenas, tratando-os com brandura, mas aos hostis que fossem radicalmente castigados.

Em 1818, a estrada foi minuciosamente medida, trecho a trecho, descrevendo-os de tal forma que o documento gerado foi básico para, na atualidade, identificar seu itinerário. A medição, desde o Cachoeiro do Rio Santa Maria até Ouro Preto, totalizou 71 léguas e 3/4. Entretanto, assim que a estrada passou a ser usada, houve constantes reclamações dos mineiros, quanto ao porto de chegada, no rio Santa Maria, situado no fundo da baía de Vitória, devido a necessidade de se percorrer todo um longo trecho sobre canoas, descendo o rio para se chegar ao porto de Vitória. Em conseqüência, viabilizou-se um novo ramal, em 1817, que se dirigia, através da povoação de Viana, ao Porto Velho de Itacibá, em Cariacica, onde havia a travessia para a cidade de Vitória. Apesar de mais usado, a nova opção não anulou o antigo ramal.

Os quartéis espaçados pela estrada foram algumas vezes modificados de localização e alguns desativados definitivamente. Inicialmente, eram eles: Cachoeiro do Rio Santa Maria (depósito Geral), Bragança, Pinhel, Serpa, Ourém, Barcelos, Vila Viçosa, Monforte, Souzel, Chaves, Santa Cruz e Vila do Príncipe, todos nomes de cidades de Portugal exceto Príncipe que foi em homenagem ao Príncipe D. João. Pouco depois foram criados os de Borba e o de Melgaço. O Quartel de Borba por estar muito próximo de Viana, foi posteriormente transladado para um pouco mais distante. Era junto ao Quartel de Borba que ficava a fazenda pertencente ao construtor da estrada, Ignácio Pereira Duarte Carneiro.

Evidente que, uma vez concluída em 1816, a estrada teve seu uso imediato, mas é escassa a documentação de transeuntes e mercadorias. Entretanto, tem-se comprovação da chegada em 22 de junho de 1820 de uma boiada vinda de Minas Gerais pela também denominada Estrada do Rubim. Ao que tudo indica, o empreendimento não deu os resultados financeiros esperados. Também usou de parte da estrada, a principal e mais conhecida expedição de mineiros, ao sul do Espírito Santo, com o objetivo de localizar boas terras para aberturas de fazendas. Foi a expedição chefiada por Manuel José Esteves de Lima, em 1820, que atravessou o sul do Espírito Santo até a Vila de Itapemirim e que retornou a Minas Gerais, após apossar-se de terras que deram origem a boa parte das futuras vilas. A busca de boas terras no Espírito Santo foi um empreendimento constante de famílias mineiras, que acabaram aí se instalando.

Após a independência do Brasil, em 1822, o Espírito Santo viveu um período de decadência econômica, até o início do segundo império, que refletiu no uso da Estrada Imperial S. Pedro de Alcântara. Esta estrada inicialmente denominada Estrada Real passou a se chamar Estrada Imperial por agora se referir ao Império Brasileiro. Ela entrou em processo de abandono, com o fechamento de quartéis que a protegiam e a destruição natural de seu leito. Apesar da situação precária na parte capixaba, o trecho em território mineiro continuava em pleno uso e com crescente movimento. Em função disso, em 1833, o Tenente Coronel Ignácio Pereira Duarte Carneiro, responsável pela construção da estrada, propôs sua limpeza e reabilitação, realizada com mão-de-obra de indígenas de Nova Almeida e alemães originários de Bremen, que haviam chegado à região.

A estrada ganhou novo alento, mas faltavam maiores motivações econômicas e recursos para manutenção. Embora tivesse uso constante desde Ouro Preto até o Caparaó, a partir de Viana e do rio Santa Maria, o movimento era escasso, fruto do empobrecimento da busca do ouro na região do rio Pardo e do rio Castelo, a não ser da pequena movimentação de mineradores. Importantíssimo para a vida da estrada foi o estabelecimento do Aldeamento Imperial Afonsino, em 1845, onde hoje está Conceição do Castelo. O aldeamento de indígenas era uma política que há muito se propunha para reduzir os choques com os Puris e Botocudos, que viviam na região de quase toda a estrada. Responsável por essa política, o futuro Barão de Itapemirim, Joaquim Marcelino da Silva Lima, reuniu-se com o vice-presidente da Província de Minas Gerais, Quintiliano José da Silva, na vila do Quartel do Príncipe, em 1845. Nesse encontro, estabeleceu-se a criação do Aldeamento Imperial Afonsino, que foi gerido inicialmente pelo engenheiro Teodorico Willner. Nessa época foi criado um ramal da Estrada S. Pedro de Alcântara, que partia do Aldeamento Imperial Afonsino para o sul, seguindo pelo vale do rio Castelo e depois à margem sul do rio Itapemirim até a Vila Itapemirim. Também nessa altura foi criado outro ramal da estrada, que partia do Quartel de Santa Cruz em direção a Alegre. Era a expansão lateral da Estrada do Rubim ou S. Pedro de Alcântara.

Mas, no início da década de 1850, surgiu novamente a reclamação do governo mineiro de que a estrada estava intransitável no lado do Espírito Santo. Um documento de 14 de setembro de 1857 mostra a preocupação dos Governos de Minas Gerais e Espírito Santo em se manter as comunicações entre as duas províncias. Para buscar uma solução, o Governo de Minas Gerais já enviara seu Engenheiro Henrique Dummont que emitiu, em 1855, um laudo sobre a situação das referidas estradas. Ele ressalta a boa qualidade do porto de Vitória, alternativa ao porto do Rio de Janeiro. Com o laudo, Minas Gerais e Espírito Santo passam a ter um maior e mais rigoroso interesse na manutenção e melhorias da Estrada S. Pedro de Alcântara. O relatório do engenheiro foi ainda complementado por considerações de 10 de setembro de 1857, que compararam as outras possíveis ligações entre as duas províncias. Tratou da possível Estrada de Santa Tereza, via rio Doce, da estrada pelo Mucuri e da que saindo de Ouro Preto passando por Carangola chegava até a Vila de Itapemirim. Tudo isso tratado, priorizou-se a Estrada Imperial São Pedro de Alcântara.

Com a chegada de colonos europeus (alemães, austríacos, italianos, espanhóis e outros) ao Espírito Santo, a estrada foi usada para os assentamentos de colônias como Santa Leopoldina, Viana, Santa Isabel e Castelo garantindo seu uso constante e intermitente exatamente no percurso onde até então era mais sem uso constante.

A estrada continuou sua evolução. D. Pedro II, em visita ao Espírito Santo, em 1860, elogiou a estrada em seu famoso diário. As famílias que vieram de Minas Gerais (Mariana, Ponte Nova, Rio Casca, Cachoeira Torta e Abre Campo) para estabelecer fazendas no sul do Espírito Santo, continuaram a usar a rota. Os espírito-santenses, que estudavam no Colégio do Caraça e em Muro Preto, como os irmãos Fernando, Bernardino e Jerônimo Monteiro ou o republicano Bernardo Horta, na década de 1880, foram permanentes usuários, conforme documentação pertinente. A estrada prestou excelentes serviços às duas províncias até o início da república, quando, no fim do século XIX e princípio do século XX houve a expansão ferroviária, especialmente da Estrada de Ferro Leopoldina, que suplantou a velha Estrada do Rubim.

Hoje, a Estrada São Pedro de Alcântara é acompanhada de forma quase paralela pela rodovia federal BR-262, desde Vitória até Minas Gerais, em Rio Casca e a partir daí por rodovia estadual até Ouro Preto. Entretanto, praticamente havia caído no esquecimento e se perdido.

Finalizando a exposição, é interessante explicar o conceito de Estrada Real e reflexões complementares. Era denominada, na época do Brasil Colônia, de Estrada Real, aquela cuja construção havia sido determinada por ordem do Rei e seu custo ficava a cargo de seu tesouro. Não foram muitas as estradas reais e a aqui tratada foi possivelmente uma das últimas, senão a última, no Governo de D. João VI. Ela foi denominada de Estrada Real S. Pedro de Alcântara em homenagem ao santo protetor da família real portuguesa e com a independência brasileira e instalação do império, passou a ser denominada, Estrada Imperial S. Pedro de Alcântara.

Uma estrada real era construída para atender a regiões com seus viajantes, moradores e tropeiros e possuía uma largura média de quinze palmos ou cerca de três metros. No caso específico da Estrada São Pedro de Alcântara chama atenção o fato de usar sempre um percurso nos altos das montanhas, principalmente desde a região das cabeceiras do rio Casca, em Minas Gerais, até o litoral do Espírito Santo. A explicação que se percebe é que a estrada teve esse traçado por seguir as serras de nascentes de rios, evitando partes baixas, onde seria necessária a construção de pontes para atravessar rios e pela suposição, na época, que nos terrenos baixos havia pântanos e charcos de onde "miasmas" provocavam doenças.

Portanto, o ato de evitar obras custosas e difíceis, como pontes, e a busca de ares saudáveis, gerou uma rota extremamente montanhosa. Os quartéis existentes nos primórdios da estrada eram construções pequenas, de pedra e madeira, para abrigar os vigilantes e conservadores da via, que tinham a obrigação de protegê-la contra ataques de bandoleiros e de indígenas, conservar seu leito e atender aos passantes em suas necessidades. Alguns tiveram existência curta, enquanto outros marcaram com seus nomes a região ou deram origem as vilas e cidades. Eram eles espaçados por cerca de três léguas, hoje cerca de vinte quilômetros, o que costumava representar a jornada de um dia de viagem. Em Minas Gerais a situação era diversa, pois boa parte do trajeto da estrada, entre Ouro Preto e a região do alto rio Casca, já estava bastante povoada.

A Rota Imperial ou Estrada São Pedro de Alcântara ou Estrada do Rubim perfaz, com seus ramais (via Viana e via Santa Leopoldina), um total 575 quilômetros de aventuras, belezas, dificuldades, riquezas, esperanças e sonhos.

 

Fonte: Espírito Santo: História, realização Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), ano 2016

Coleção Renato Pacheco nº 4

Autor: João Eurípedes Franklin Leal

Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2016

 

Nota do Site: Segundo o historiador João Eurípedes, Dom João VI, após abertura da Estrada Real, permitiu a construção de algumas vias vicinais. Uma delas recebeu o nome de Santa Teresa, em homenagem a Teresa Cristina, imperatriz do Brasil. “A Rota Imperial tinha o nome de São Pedro de Alcântara, que era o nome de Dom Pedro II, e vizinha a ela foi aberta outra via, Santa Teresa, em homenagem à mulher de Dom Pedro, Teresa Cristina, imperatriz do Brasil. Isso precedeu o surgimento da colônia de Santa Teresa; os italianos chegaram muito tempo depois naquela região”

 

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