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Trópico de Vitória - Por Fernando Achiamé

Trindade e Martins Vaz

1

Ilha cercada de Sol por todos os lados,

Os visíveis e os invisíveis,

Vitória é ringue onde dois ventos lutam:

Com o nordeste, refresca-se do calor;

Treme de frio no pulso do vento sul.

É certo: dois sopros disputam Vitória.

O vento sul às vezes ganha

E toma do forte nordeste o espaço todo.

Por quê?

Ninguém sabe.

 

Correntes marítimas também brigam

Pela Ilha divisora de águas:

Ao norte, ondas mornas se espraiam

Qual tempo bom que o nordeste traz.

Ao sul, o mar é gelado

Igual ao vento que vem de lá.

Mas por quê?

Ninguém sabe.

 

À volta de Vitória, penedos e penedias marcam,

Sempre marcam um papo sério com os mangues:

Conversas nos desníveis das marés,

Diálogos cheios de sizígias e águas-vivas,

De quadraturas e equinócios,

Ao sabor de espumas da preamar,

Ou nos desfastios da baixa-mar eternamente salobra.

Tudo isso por quê?

Ninguém sabe.

 

Talvez por nessa latitude

Passar o Trópico de Vitória

Que acabei de criar agora.

 

2

A verdadeira Serra do Mar fica dentro do mar,

Não à sua beira:

Cadeia de montanhas mergulha em Vitória

Para, no meio do Atlântico, aflorar Ilha de Trindade.

Corrente de água aperta-se nesse paredão imerso,

Faz o "Giro de Vitória" e carreia nutrientes para a costa.

Um rio dentro do mar carreia nutrientes para a costa

E no litoral capixaba crescem bons crustáceos,

Nadam peixes e baleias.

Não pronuncio seus muitos nomes

Para não parecer que cito campos petrolíferos:

Além de nos tirarem os animais marinhos

Um dia nos privarão dos seus nomes.

 

Mas como?

A manjuba está escassa?

Desapareceu o peroá?

Os caranguejos amoleceram?

Grande nuvem amarela, detectável a olho nu,

Embaça o Sol desse Trópico.

 

Proliferam torres-sondas espetadas no oceano.

Explosões fazem levantamentos sismológicos

Onde antes algas calcárias existiam,

Mamavam filhotes de boto,

Sereias e homens faziam amor.

Muitos cabos flexíveis sugam submersos

Petróleo bruto, gás natural

E vazam energia fóssil para a vida presente.

Indiferente, a camada de pré-sal

Leva uns furos aqui e ali.

E vocês aí parados?

Façam alguma coisa!

 

Eu?

Sou poeta.

E procuro amar a Natureza,

Também ao fazer versos.

 

3

As ilhas de Vitória, Trindade e Martim Vaz

Alinham-se em imensa visada geodésica

E formam um arquipélago transatlântico.

Jamais se esqueçam disso.

 

Arquipélago que, vivo e sadio,

Treme vez por outra:

Placas tectônicas rangeram em 1767,

E se acomodaram;

Entrecruzaram-se em 1955,

Para de novo se acomodarem.

Até quando?

Não se esqueçam disso também.

 

Ventos, correntes, solos

Combinam-se noutra trindade sacra.

Trindade sagrada, sim:

Pai é o Céu;

Filho, o Mar;

E Espírito Santo é o Espírito Santo mesmo,

A Terra do Espírito Santo.

Disso não se esqueçam jamais.

 

E não queiram pela vida afora

Entender tudo, tintim por tintim.

Certas coisas não têm mesmo explicação:

Existem para isso mesmo, para não serem explicadas.

E não é bom negócio vender a alma à Diaba Razão.

 

Se a Ilha fica à mercê de aragens, de rochas e marés,

Bem se retempera em ares inconstantes,

Bem se harmoniza em pedras desiguais,

Bem se afina em mares mudáveis,

Pois no Trópico de Vitória, o velho Sol

Com tais sopros, águas e morros

Faz-se, Anti-Fausto, sempre novo.

 

 

Fonte: Vitória, Cidade Sol – Escritos de Vitória nº 25, Academia Espírito-Santense de Letras e Secretaria Municipal de Cultura, 2008
Autor do texto: Fernando Achiamé Nasceu em Colatina, ES, em 1950. Poeto e historiador. Pertence ao IHGES
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2019

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