Um porto na história – São Mateus
Contar a história da bacia do rio São Mateus é mergulhar nos casarios antigos do porto, reviver o luxo de uma época áurea em que a farinha de mandioca era o esteio da economia e o comércio de escravo a atividade mais lucrativa.
Pelo Porto de São Mateus desembarcaram grande parte dos negros que vieram para o Brasil e foi nele que foi apreendido o último carregamento clandestino na costa brasileira em 1856, quando foi aprisionado, numa escuna norte-americana, 350 escravos africanos.
No final do século XIX, a produção de farinha de mandioca era o principal produto da economia mateense e o município liderava a produção na costa brasileira.
A farinha era comercializada com marinheiros, que surgiam de toda parte, trocando alimento por machados, facões e pólvora. Mais tarde, com os ciclos econômicos do café e da madeira, pelo porto foi escoado grande parte da produção capixaba.
“O porto é a principal referência do rio São Mateus. O rio alimentava o porto e esse, por sua vez, sobrevivia do rio. Ninguém conhecia o rio sem passar pelo porto”, contou o escritor, historiador e ex-secretário de Estado da Cultura Maciel de Aguiar.
Segundo ele, o porto passou por vários ciclos econômicos (da farinha de mandioca, do açúcar mascavo, da abóbora, da escravidão e da madeira).
Por volta dos anos 30, relata, teve início os cabarés, coma chegada das prostitutas, período que se estendeu até 1969, quando, em função da pressão exercida pelo regime militar, pela inauguração das estradas e pelo declínio da marinha mercante, houve queda no comércio marítimo.
“Isso afastou as ‘damas de fino trato’ e, conseqüentemente, ocorreu o abandono do local.
No período de 1970 a 1995, houve várias tentativas de recuperação, mas isso só veio a se consumar no período de 1995 a 1998, quando foram investidos R$ 712 mil na restauração de todos os sobrados do local”, frisou Maciel, que estava à frente da pasta estadual da Cultura na época.
Ele conta que, de lá para cá, não ocorreram novos investimentos no patrimônio histórico local.
Ponto de comércio dos escravos
O Porto de São Mateus foi o principal centro de comercialização de escravos originários de Angola, na África, e o município mateense chegou a possuir 16 fazendas de reprodução humana.
As informações fazem parte de uma coletânea de 40 livros que será lançada nos próximos dias pelo historiador, escritor e ex-secretário de Estado da Cultura Maciel de Aguiar.
Para se ter uma idéia da grandiosidade do trabalho, as pesquisas foram iniciadas em 1963, quando o escritor tinha apenas 13 anos.
Num vasto levantamento histórico, que vai de 1690 a 2005, Maciel detalha a chegada dos negros ao Espírito Santo e a resistência ao trabalho escravo.
Na obra “As Histórias dos Quilombolas”, o historiador registra que o único foco de resistência organizada no Estado foi o Quilombo do Morro, hoje localizado no povoado de Santana, em Conceição da Barra, por onde teria passado duas mil pessoas.
“Nele estavam guerreiros, que enfrentavam capitães do mato em ação armada permanente. O quilombo foi liderado pelo Negro Rugério e Silvestre Nagô e resistiu por um período de 30 anos, sendo totalmente dizimado pela Guerrilha de São Mateus, criada pelo governo da província do Espírito Santo”, explica o historiador, lembrando que os confrontos tiveram início em 1850 e teriam levado à morte mais de 500 pessoas.
Segundo Maciel, outro elemento fundamental não registrado nos livros escolares é que após 1850, com a aprovação da Lei Eusébio de Queirós, que acabou definitivamente com o tráfico negreiro, fazendas da região de São Mateus foram usadas para reproduzir negros em larga escala.
“A prática se deu de 1850 a 1871, com a proclamação da Lei do Ventre Livre, pelo visconde do Rio Branco, que dava à criança a liberdade, mas a deixava sob a tutela do seu senhor até os 21 anos. Resultado: como não interessava manter um negro que não seria comercializado no futuro, a criança nascia e era morta logo em seguida”, conta o historiador.
São Mateus, terra de barões
A história do município de São Mateus também se confunde com o heroísmo de desbravadores.
Dois deles chegaram a receber o título de barão, segundo informou a historiadora e secretária Municipal da Cultura de São Mateus, Elinéia Lima.
De acordo com ela, Antonio Rodrigues da Cunha, o Barão de Aimorés, primeiro homem a represar as águas do rio Cricaré para instalar engenhos importados da Europa, e Olindo Gomes dos Santos Paiva, o Barão de Timbuí, que foi deputado provincial e teria prestado serviços à linha telegráfica do Norte e em relação à Guerra do Paraguai, foram alguns deles.
Nascido em1834, em Barra do São Mateus, atual município de Conceição da Barra, o Barão de Aimorés se instalou numa fazenda às margens do braço sul do rio Cricaré, próximo à Cachoeira do Cravo, que se tornou modelo de propriedade para a época.
Antonio Rodrigues da Cunha recebeu em 1889 o titulo de “Barão de Aimorés”, que lhe foi outorgado pelo imperador D. Pedro II. Morreu em 1893. Já o Barão de Timbuí foi agraciado com o título em 1874.
Foi durante o século XIX, com o aparecimento de grandes fazendeiros como os barões de Timbuí e Aimorés, que o porto viveu sua fase áurea, com o surgimento de belos sobrados e casas comerciais – com suas coberturas em telhas tipo canal e grades de ferro importadas da Europa.
Batalha para matar índios
Aconteceu em São Mateus, em 1558, o primeiro genocídio brasileiro, quando milhares de índios das tribos tupinambás e tupis teriam sido mortos e expostos na praia em represália ao assassinato de Fernão de Sá, filho de Mém de Sá, o terceiro governador-geral do Brasil.
O primeiro grande confronto entre índios e portugueses que se tem registro na história ficou conhecido como a famosa Batalha do rio Cricaré, por ter tido o seu desfecho num dos seus principais afluentes, o rio Mariricu (variação da palavra Marerike, que quer dizer fortaleza de pau-a-pique). A informação é do historiador e ex-secretário de Estado da Cultura Maciel de Aguiar.
De acordo com o historiador, que tem 137 livros publicados, a maior parte deles contando a história da colonização mateense, os fatos foram descritos pelo padre José de Anchieta e narrados em obras do antropólogo Darcy Ribeiro.
Segundo os relatos, Vasco Fernandes Coutinho, donatário da capitania do Espírito Santo, pediu que o governador-geral o acudisse, senão poderia ser devorado pelos índios.
Mém de Sá, recém-empossado em Salvador, mandou seu filho Fernão com seis caravelas e 200 homens para afugentá-los.
Quando ele chegou em Porto Seguro, recebeu a informação que existiam muitos índios na região da aldeia do Cricaré. Por subestimar a valentia dos nativos e por descuido dos soldados, o filho do governador avançou muito na perseguição e ficou sem pólvora.
Os índios perceberam e avançaram sobre ele que estava apenas com 10 homens.
Ele foi morto juntamente com Manuel Álvares e Diogo Álvares, ambos filho de Diogo Álvares Correia, o Caramuru – “homem de fogo” – e mais três soldados.
Após a morte de Fernão, juntou-se um grande número de soldados portugueses que entraram na região do rio Cricaré matando milhares de índios.
Esses episódios se configuram como a primeira derrota dos portugueses na costa brasileira e também como o maior genocídio cometido contra os índios no Brasil.
Fonte: A Tribuna, Suplemento Especial Navegando os Rios Capixabas – Rio São Mateus – 15/07/2007
Expediente: Joel Soprani
Subeditor: Gleberson Nascimento
Colaborador de texto: Flávia Martins
Diagramação: Carlos Marciel Pinheiro
Edição de fotografia: Sérgio Venturin
Autor: Gleberson Nascimento
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2016
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