A Arte Teatral – Por Areobaldo Lellis Horta
Não há notícias positivas sobre o aparecimento da primeira associação teatral organizada em Vitória, anterior ao "Sete de Setembro", do qual se fizeram elementos essenciais os irmãos Magalhães — Amadeu e Afonso, Amâncio Pereira, Aristides Freire e outros cultores da arte cênica.
Em seu trabalho sobre nossos velhos hábitos e costumes sociais, o padre Antunes de Siqueira nos fala de representações teatrais realizadas ao ar livre, na ladeira do Palácio, assistidas pelos espectadores sentados em esteiras, sem, entretanto, qualquer referência à organização associativa com os propósitos educacionais que essas instituições visam. Em tais circunstâncias se representavam antiquadas peças, baseadas nas criações da mitologia, sem maiores preocupações com obras nacionais ou regionalistas, nas quais se movimentassem tipos da vida real, embora em trabalhos de ficção.
Sendo assim, pode-se dizer que coube àquele elenco de intelectuais capixabas, o primeiro movimento no sentido de apresentar à nossa sociedade o teatro real, na cópia dos métodos, dos hábitos e de outras tantas circunstancias da vida, que a ilustram e caracterizam aqui, ali e acolá.
Era eu muito menino, quando tomei contato com aquele grêmio, no tempo em que realizava os seus espetáculos em uma casa térrea, na rua do Sacramento. Foi justamente a Sete de Setembro, data comemorativa de nossa emancipação política e que, naquela tarde ia ser comemorada com uma sessão cívica, além de representação teatral a realizar-se à noite. Fora até ali com um dos meus tios, sendo que da festa só me recordo do momento em que uma grande girândola foi pelos ares e eu, que me achava próximo, em minha natural curiosidade infantil, dei uma queda ao correr para fugir à extensa linha de foguetes, que se desprendiam da girândola.
Porém, o grêmio não durou apenas aqueles dias, como as rosas de Malherbe, prosseguindo em sua missão de formar, no seio da família capixaba, um sentido artístico, em preparação para dias melhores.
Fui, pela primeira vez assistir às representações do "Sete de Setembro", quando os seus espetáculos se realizavam no salão da "Fênix", à rua do Rosário. Levavam, naquela noite, a Lua de Mel, original de Amâncio Pereira, comédia de costumes, apanhando fatos da vida real, em uma sequencia de quadros críticos e, ao mesmo tempo, cômicos, em cujo fundo psicológico se surpreendiam bons ensinamentos de ordem teatral e social. Os enredos giravam em torno de três personagens centrais: um casal de noivos, em plena lua de mel, e uma sogra, dessas que certos genros não querem ver, nem pintadas no fundo de uma cozinha. Genro que, em plena lua de mel, já estava realizando vôos de alto remígio, começou logo a ser torpedeado pela sogra que, como dedicada progenitora, desejosa da felicidade da filha, caíra de um sétimo andar, ao reconhecer o "conto", de que fora vítima, consentindo no casamento com um pelintra. Hóspedes dos sogros, ou se submetia às regras do bem viver matrimonial, ou estourava o genro sob os rigores do cabo de vassoura, mantenedora da ordem, do sossego e da harmonia daquele velho lar. Mônica, a sogra, vivia de vassoura em punho, no castigo do genro incorrigível, enquanto a filha, chamando o esposo à realidade da vida conjugal, cantava em tom de candura.
"Deixar de ser assim,
Isto não, nunca farei;
Sou formosa e sou bela
Outro futuro esperei!".
Nas representações, os papéis femininos cabiam aos rapazes, travestidos. Na primeira noite, o espetáculo era dado para os associados, que remetiam para a platéia as cadeiras que deviam ocupar.
Amâncio Pereira e Aristides Freire foram dois inconfundíveis animadores da nossa arte teatral, tanto pelo que produziram no gênero, como pelo entusiasmo que sabiam acender na alma daquela juventude, tocada de bons propósitos. A duração desse agrupamento de capixabas com boa vontade não foi longa e, um dia cessou a sua promissora atividade.
A semente, entretanto, não fora lançada em terreno estéril nem em cima de pedra. Mais tarde, Manuel Dangremon e companheiros outros, faziam aparecer o grêmio "Aristides Freire", dentro da mesma finalidade. Sociedade familiar, realizava as suas representações em grande salão, onde funcionara a escola dirigida por D. Elisa Paiva, à rua José Marcelino. Dramas e comédias foram ali encenados, como "Dominó Preto", "Ferida Invisível", "O Réprobo", de intensa emotividade dramática, de autoria de Aristides Freire; "O Tio Mendes" e comédias outras, originais de Amâncio Pereira por um elenco de jovens estudiosos, como Manuel Dangremon, Eudoxio Fraga, Graciliano Leal, Cinésia Santos, Belmiro Ribeiro, Libânio Fogos e outros.
Este valoroso pugilo de rapazes encheu a época, há quarenta anos atrás, quando o "Melpômene" já fazia passar pelo seu palco as grandes figuras do profissionalismo artístico no gênero.
Que assim foi, demonstram as enchentes que sempre marcaram as noitadas teatrais do estimado grêmio da Rua José Marcelino.
E foi desse modo que começamos, em Vitória, a conhecer a arte teatral, em sua dupla expressão educacional e retrospectiva.
Antes do mais
O presente trabalho, com o qual concorro ao prêmio "Cidade de Vitória", instituído pela Lei Municipal n°. 20, de 8 de setembro de 1946, é um modesto subsídio ao estudo do desenvolvimento da nossa Capital, em suas condições urbanísticas, métodos educacionais de ordem cultural e social, de costumes e tradições ao tempo de minha infância e juventude.
Se valores intelectuais do passado, como padre Antunes de Siqueira, Daemon, Afonso Cláudio e outros de idênticos assuntos se ocuparam para o conhecimento dos vindouros, o fizeram em relação às mesmas épocas de sua juventude. Deixaram, por isto, uma solução de continuidade compreendendo as duas últimas décadas do século dezenove e a primeira do século vinte. É essa lacuna, que pretendo preencher despretensiosamente, com o que a memória me conservou daquela fase de minha vida. Procurando realizá-lo, não posso fugir ao dever de uma homenagem ao berço da nossa evolução - Vila Velha — onde passei parte da minha meninice e à qual a Vitória está presa por uma série de caras circunstâncias, homenagem representada nas crônicas que dão corpo a este trabalho pelo que a seu respeito escrevi.
Vitória, junho de 1951
O AUTOR
Fonte: A Vitória do meu tempo – Academia Espírito-Santense de Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 2007 – Vitória/ES
Autor: Areobaldo Lellis Horta
Organização e revisão: Francisco Aurelio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2020
Nas últimas duas décadas do século XX, o Espírito Santo foi palco de uma efervescência política negra com a criação de um conjunto de organizações
Ver ArtigoFlorentino Avidos construiu o prédio destinado à Biblioteca e ao Arquivo Público, na rua Pedro Palácios
Ver ArtigoUm pouco mais tarde, ouvimos a voz exótica de uma saracura, isto é, de um raleiro que poderia ser uma Aramides chiricote Vieill
Ver ArtigoBernardino Realino pode ser invocado como protetor de certas categorias de cidadãos, que julgam poder contar com poucos santos
Ver Artigo1) A Biblioteca Pública do Estado. Fundada em 16-6-1855, pelo Presidente da Província Dr. Sebastião Machado Nunes.
Ver Artigo