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A dobradinha Jan-Jan – Por Vitor Amorim de Angelo

Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek

Durante todo seu governo, Juscelino Kubitschek tentou equilibrar-se entre os dois projetos em jogo. Queria modernizar o país rapidamente e abrir a economia brasileira a empresas e investimentos estrangeiros. Por outro lado, defendia a intervenção do Estado na criação de infraestrutura e a incorporação dos trabalhadores no projeto desenvolvimentista. O crescimento econômico, de fato, veio. Mas a fatura que o Brasil pagou por ele foi alta e chegou rápido, sem esperar nem mesmo a eleição do novo presidente. Já no final do governo JK, o ritmo do crescimento apresentava sinais de queda, a inflação aumentava e os desajustes de toda ordem se aprofundavam.

A estratégia juscelinista de manter-se entre um projeto abertamente nacional-estatista e francamente liberal-conservador tinha mostrado seus limites. Com a crise econômica, o governo passou a ser duramente criticado à direita e à esquerda. Os partidos que formavam a aliança governista desgastaram-se rapidamente, sem que as forças de oposição a JK se consolidassem como alternativa política viável aos eleitores. Assim, lentamente, começou a ganhar corpo na sociedade um sentimento em favor de reformas políticas, econômicas e sociais, num movimento que alcançaria seu ápice no governo de João Goulart.

Em pouco mais de uma década, Jânio Quadros construiu uma carreira política meteórica. Em 1948, aos 31 anos, tomou posse como vereador na Câmara Municipal de São Paulo. No meio do mandato, foi eleito deputado estadual. Em 1953, antes mesmo de encerrada a legislatura, lançou-se à disputa pela prefeitura de São Paulo. Eleito com ampla margem de votos, Jânio permaneceu no cargo pouco mais de um ano. Em 1954, tornou-se governador do estado de São Paulo. De todos os mandatos assumidos até então, aquele foi o único que Jânio cumpriu até o fim. Em janeiro de 1959, quando deixou o Palácio dos Campos Elíseos, começou a costurar seu mais ambicioso projeto político: a Presidência da República.

Jânio tinha um jeito de fazer política muito particular. Em sua passagem pela Assembleia Legislativa, percorreu o estado pregando a moralização do serviço público e colhendo sugestões dos eleitores para resolver os problemas de cada região. Como prefeito, continuou defendendo medidas austeras, incluindo demissões em massa de funcionários públicos. Com efeito, o clima que envolvia a campanha de 1960 só potencializou a imagem construída por Jânio Quadros ao longo de sua carreira política. Não foi à toa que, em meio ao sentimento de mudança que parecia dominar a sociedade brasileira, Jânio tenha escolhido uma vassoura como símbolo de campanha, passando aos eleitores a ideia de que, como presidente, faria uma verdadeira limpeza.

Jânio obteve uma vitória avassaladora, com quase seis milhões de votos — o que correspondia a 48% do eleitorado. Lott, por sua vez, recebeu praticamente dois milhões de votos a menos que o ex-governador. Mas a vitória de Jânio não foi completa: em vez de Milton Campos, seu companheiro de chapa, quem conquistou a Vice-Presidência foi o gaúcho João Goulart, que concorria junto com Henrique Lott. Na época, a disputa para os cargos de presidente e vice era separada, permitindo combinações muitas vezes conflituosas como foi o caso da dobradinha Jan-Jan — Jânio Quadros e Jango.

A posse do novo presidente, marcada para janeiro do ano seguinte, foi cercada de grande expectativa. O heterogêneo leque de forças que tinha apoiado Jânio Quadros aguardava com ansiedade as mudanças prometidas durante a campanha. A esperança de um novo começo, porém, rapidamente se desfez, dando lugar às desconfianças e às críticas. O conjunto de medidas tomadas para contornar os problemas econômicos herdados do governo anterior se revelaram ineficazes, além de corroerem a base de sustentação política do presidente.

Acostumado ao crédito em abundância, o setor industrial ficou contrariado com a ortodoxia da política econômica adotada pelo governo. A persistência da inflação, de outro lado, afastou os trabalhadores que apoiavam o presidente. No plano internacional, o Brasil assumiu uma postura independente, incluindo a aproximação dos países do bloco socialista. A inflexão da política externa brasileira desagradou as forças conservadores da sociedade, sem, contudo, conquistar o apoio da esquerda. As reformas reivindicadas pela população também não ganharam consistência, continuando, tal como durante a campanha, apenas como vagas promessas. Em Brasília, aumentaram os atritos entre o presidente e o Congresso Nacional.

Jânio logo começou a ficar isolado. Reclamando mais poderes e responsabilizando "forças terríveis" pelo fracasso de seu governo, jogou todas as fichas numa manobra arriscada: em 25 de agosto de 1961, com praticamente sete meses de governo, renunciou ao cargo. Em seguida, partiu para a Base Aérea de Cumbica, em São Paulo, deixando para trás uma crise que se repetiria novamente em 1964, embora com outro desfecho. Seduzido pelos milhões de votos que recebera pouco tempo antes, talvez o presidente acreditasse que uma grande mobilização popular pediria seu retorno. O povo saiu às ruas, mas para gritar o nome de Jango.

 

Sobre o autor

Vitor Amorim de Angelo nasceu em Vitória (ES) em 1982. É historiador formado pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é pesquisador do Centre d’Histoire do Institut d’Études Politiques de Paris, onde desenvolve trabalho sobre o tema deste livro. Autor de A Trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT (EdUFSCar, 2008).

 

Fonte: Luta Armada no Brasil, 2009
Autor: Vitor Amorim de Angelo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2018

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