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A era do ouro isola o Espírito Santo

Ilustração: Genildo Ronchi

Com as descobertas em Minas, houve uma corrida do ouro. Ninguém queria o trabalho duro, quando a riqueza brotava da terra com menos esforço. Para o Espírito Santo, posto avançado no litoral, ficou a tarefa de ser a sentinela do ouro.

Foi no século XVII, ao seu alvorecer, que se iniciou a ocupação efetiva do interior. Do Recôncavo baiano e do Recife partiram os aventureiros levando como meta a criação de gado que encontrava mercado certo nas plantações de cana-de-açúcar e na exportação de couros.

A corrente de povoamento, partida do Recife, chegou até o Piauí. É interessante notar que o Piauí foi colonizado do interior para o litoral, única exceção entre os atuais Estados do Brasil. Por esse motivo ficou sendo também o único, dentre as primitivas províncias e atuais Estados do litoral, a não ter uma costa marítima, o que só veio a conseguir mais tarde com uma permuta de territórios com a Província do Ceará, que lhe cedeu o delta do Parnaíba em troca da região de Crateus, na encosta ocidental da Serra de Ibiapaba.

A corrente baiana subiu o Rio São Francisco e colonizou, também com a criação de gado, as partes baixa e média desse grande rio.

É claro que essas correntes de povoamento determinavam a abertura de caminhos de comunicação e transporte.

Entretanto, o verdadeiro desbravamento do sertão foi obra primeiro das Entradas e depois das Bandeiras que partiram principalmente de São Paulo e, apenas secundariamente, do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

A primeira bandeira foi a de André Leão, partida de São Vicente em 1601. Desceu o Rio Tietê, subiu o Paraíba do Sul, atravessou a Serra da Mantiqueira e atingiu a cabeceira do Rio São Francisco.

A mais famosa bandeira foi a dirigida por Fernão Dias, que saiu à procura das esmeraldas que deveriam estar à margem da Lagoa de Vupabuçu.

A morte poupou Fernão Dias da suprema desilusão de saber que as suas esmeraldas, conseguidas em sete anos de lutas e sacrifícios indescritíveis, não eram senão crisólitos (silicato de magnésio e ferro), inteiramente sem valor, apenas com reflexos de cor esverdeada. Borba Gato, genro de Fernão Dias, foragido da justiça pelo assassinato do administrador geral das minas (que não haviam ainda sido descobertas), veio encontrar verdadeiras jazidas às margens do Rio Sabará-buçu e aí criou a cidade de Sabará, em Minas Gerais.

O ouro, a cobiçada riqueza, enquanto não vinha atulhar as arcas de Lisboa, devassava, por meio dos sonhos dos ambiciosos aventureiros, os sertões sem fim destas terras brasileiras.

Os bandeirantes nada conheciam de astronomia. E não sabiam, nem queriam saber, onde ficava o meridiano de demarcação. Atravessaram o limite das terras portuguesas e atingiram Goiás, com Bartolomeu Bueno, o Anhagüera. Chegaram a Cuiabá e desceram pelo Rio Madeira, com Raposo Tavares.

Entretanto, não foi apenas a abertura de caminho na floresta selvagem o resultado da audácia e da ambição desmedida. Inconscientemente, os bandeirantes triplicaram a área do Brasil.

Os Tratados de Utrecht (1713) e de Madrid (1750), adotando para as terras da América do Sul o princípio do Uti Possidetis (as terras ocupadas pertencem a quem as ocupa), reconheceram o domínio português sobre as regiões visitadas ou apenas entrevistas.

A Capitania do Espírito Santo foi impedida de ocupar até o que lhe garantia a concessão

Os transportes, ao longo dessas distâncias, se faziam sobre os ombros dos homens, a pé ou sobre o dorso dos cavalos e burros.

Os cavalos não existiam na América, ao tempo das descobertas. Foram encontrados fósseis terciários e quaternários, mas a espécie estava extinta no tempo de Colombo.

Todos os cavalos da América são descendentes dos importados pelos brancos, incluindo os exemplares selvagens que representaram saliente papel nas lutas do far-west norte-americano.

Nos Andes da América do Sul, os transportes eram feitos com ajuda dos lhamas, animais da família dos camelos, de porte menor que estes animais e desprovidos de corcovas. Os lhamas não têm a agilidade dos cavalos, mas são fortes e se adaptam bem às estradas incrivelmente acidentadas da grande cordilheira.

No Brasil, nem os lhamas existiam ou existem. Todos os transportes eram feitos a pé. As bandeiras levavam alguns animais de montaria ou de carga, mas os aventureiros marchavam a pé.

Foi assim que Raposo Tavares viajou de São Paulo até o Amazonas.

É claro, dadas essas circunstâncias, que não havia. propriamente transportes no território brasileiro. O pouco que havia a transportar estava sempre próximo ao litoral e se encaminhava para os portos.

A via de comunicação continuava a ser o mar, entre as ilhas que se iam desenvolvendo aos poucos nas enseadas ou baías.

Foi assim que chegamos ao final do século XV duzentos anos depois da viagem de Cabral.

Com a descoberta das primeiras jazidas de ouro de aluvião, o quadro muda e a notícia dos tesouros fabulosos se espalha por todo o litoral e vai até a metrópole.

A corrida para a região das minas foi tão intensa que foram promulgados editos que proibiam o êxodo do litoral, o que nenhum resultado apresentou. Quem podia ir buscar a fortuna nas terras do sertão, por que ficaria esperando a cana crescer para fazer açúcar? Ou a mandioca atingir um ano de idade para fornecer farinha?

O equilíbrio se rompia. O litoral, com as lavouras, os portos de comércio; a vida estável perdera a sua função de fixar uma população resignada. O sertão passara a valer mais que a costa, os campos mais do que as vilas, as minas mais que o açúcar, o tabaco, o gado e a mandioca.

"Porque, afinal, ao cabo de muitos trabalhos e tentativas infrutíferas, se encontravam em Itaberaba as primeiras minas que deram resultados decididamente vantajosos, e abriram caminho ao descobrimento das demais. Esse primeiro descobrimento, devemos assigná-lo ao ano de 1694, quando chegou a São Paulo, trazida por Duarte Lopes, essa grande nova" — Caixa n° 3 — Capitania das Minas Gerais — Arquivo Histórico Ultramarino —Lisboa.

"Espalhada a notícia do aparecimento de tantas minas, por todo o Brasil e pelo Reino, as transmigrações eram espantosas. Debalde tomava o governo providências para impedir essas transmigrações" — Provisões de 28 de março e 12 de agosto de 1709 — Anais do Arquivo Histórico Ultramarino — Lisboa.

"Das cidades, villas, recôncavos e sertões vão brancos, pardos, pretos e muitos índios... A mistura he de toda condição de pessoas: homens e mulheres; moços e velhos; pobres e ricos; nobres e plebeus; seculares, clerigos e religiosos de diversos institutos, muitos dos quaes não têm no Brasil convento nem casa. Os próprios estrangeiros que não conseguiam passaportes de transito embarcavam-se como parte das tripulações dos navios; e dos portos fugiam para o sertão apenas chegavam, às suspiradas praias vizinhas do ouro"... — Palavras de Antonil, Cultura e Opulência do Brasil, 1837 — Arquivo Histórico Ultramarino — Lisboa.

Enquanto o ouro brotava da terra nas Minas Gerais, e toda a região prosperava, surgiu um novo e movimentado povoado que recebeu a denominação de Ouro Preto (1698), elevado à categoria de Vila em 1711.

O progresso avançava pelo interior. Caminhos foram abertos e melhorados de Ouro Preto para São Paulo e ainda para a Bahia, aproveitando a via natural do Rio São Francisco.

A fiscalização governamental, para evitar o contrabando do ouro, era rigorosa. Não era permitido abrir caminhos sem expressa autorização real. Saindo da zona aurífera, a diretriz da exportação seria naturalmente o Vale do Rio Doce, para depois alcançar o Porto de Vitória. Mas a faixa que abrange o Sul da Bahia, desde o Rio Jequitinhonha, o atual Estado do Espírito Santo e o Norte do atual Estado do Rio de Janeiro, foi transformada numa cortina inatravessável para o ouro.

E para melhor acautelar os interesses de El-Rei Nosso Senhor foi proibido igualmente o trânsito de qualquer outra mercadoria e, ainda mais, de viajantes ou exploradores.

Os caminhos convergentes para Ouro Preto foram transformados em verdadeiras estradas, pelo menos no conceito da época. Permitiam a circulação de carruagens e diligências.

Para garantir e apertar ainda mais o rigor da vigilância, a região das minas foi elevada à categoria de Capitania, unida a São Paulo, em 1709, e separada, em 1720, com o nome de Capitania das Minas Gerais.

De São Paulo a Santos, o Caminho do Mar também foi adaptado ao progresso que batia às portas da Colônia.

Da Bahia as estradas partiam para o Sul, chegando a Ilhéus e, para o Norte, estabelecendo a ligação com Recife, seguindo os passos das tropas que, nessa região, combateram, no século XVII, contra os invasores holandeses.

No extremo Norte, nenhuma estrada. Os grandes rios navegáveis eram a única via de transporte.

O ciclo do Ouro terminou com o século XVIII. Para fixar uma data, podemos dizer que se extinguiu com o episódio tristemente glorioso da Inconfidência Mineira e do suplício de Tiradentes.

No último ano do século XVIII foi levantada a proibição de abrir caminhos através do Sul da Bahia e do Espírito Santo.

O Rio Doce devia ser o "Nilo Brasiliense" e o São Francisco passaria a ser a "Base Física da unidade do Brasil".

Ambos falharam no cumprimento dessa missão. O mar continuou a ser a grande via de transporte e de comunicação entre os diversos pontos do litoral. E o Brasil continuou com os pés na praia a olhar para a Europa, de onde nos vinha tudo, desde a cultura e a filosofia que recebíamos da França até roupas e os sapatos que nos vinham da Inglaterra.

Só no território das Minas Gerais e ao longo do Tietê, em São Paulo, a civilização penetrava, mesmo pouco, nas terras do imenso país delineado pelo Tratado de Madrid, de 1750.

Para transitar do Rio de Janeiro a Cuiabá, devia ir-se até o Rio da Prata, subir os rios Paraná, Paraguai e Cuiabá, passando pelo interior da Argentina e do Paraguai.

Quando, em 1865, aconteceu a grande tragédia que foi a guerra do Paraguai contra o Brasil, o presidente da Província de Mato Grosso se queixou sentidamente de que a notícia do rompimento das hostilidades só lhe tivesse chegado trinta dias depois. E acrescentava que para uma mudança de ministério a notícia chegara em apenas vinte e nove dias!

 

Fonte: Jornal A Gazeta, A Saga do Espírito Santo – Das Caravelas ao século XXI – 19/08/1999
Pesquisa e texto: Neida Lúcia Moraes
Edição e revisão: José Irmo Goring
Projeto Gráfico:Edson Maltez Heringer
Diagramação: Sebastião Vargas
Supervisão de arte: Ivan Alves
Ilustrações: Genildo Ronchi
Digitação: Joana D’Arc Cruz    
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2016

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