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O Espírito Santo no Século XVIII

Ilustração: Genildo Ronchi

As matas funcionavam como barreira verde que protegia o ouro de Minas. A vida era pobre, sem estímulos e travada por leis. Para piorar o quadro, a expulsão dos jesuítas deixa uma lacuna no ensino ministrado na Capitania.

Com o falecimento do donatário Manuel Garcia Pimentel, desaparecido em 1711, sem deixar descendentes, entenderam as autoridades da época que a Capitania deveria reverter à Coroa. Mas um parente colateral reclamou os seus direitos e a Relação da Bahia lhe deu razão. Eis o que assinala documento existente no Arquivo Histórico Ultramarino, com referência ao Espírito Santo: "Por escritura lavrada em Lisboa, em 6 de abril de 1718, comprou Dom João V a Capitania do Espírito Santo a Cosme Rolim de Moura, por quarenta mil cruzados, por ter falecido sem sucessor o donatário Manuel Garcia Pimentel, tendo sido julgada por sentença a Relação da Bahia a sucessão de Moura, primo e cunhado de Pimentel. Este era filho de Francisco Gil de Araujo..."

Mas a Capitania se encontrava em lugar que necessitava de vigilância minuciosa e ativa para evitar o contrabando do ouro.

O Conselho Ultramarino opinou contra a entrega da Capitania, apesar da sentença.

O processo durou vários anos, até que em 1718 ficou resolvida a compra dos direitos de Cosme Rolim. O preço ajustado foi o mesmo pelo qual haviam sido vendidos em 1674: quarenta mil cruzados.

Era necessária à fazenda real a manutenção da inviolabilidade da "barreira verde", que vedava o acesso às jazidas auríferas.

Em 1716, o Marquês de Angeja recomendava ao seu enviado, o mestre de campo Domingos Teixeira, que observasse a "proibição de que ninguém passe a fazer descobertas de ouro no Espírito Santo por ser ordem de El-Rei, que não se façam estas enquanto não se fortifica primeiro a Capitania".

Enquanto isso, a Capitania não podia pagar os "impostos devidos à Coroa", faltam notícias sobre atividades comerciais, industriais ou artesanais, ou sobre fundação e desenvolvimento de povoados.

A vida pobre e sem estímulos mais se travava pela legislação que impedia o contato com as minas.

Era preciso haver fortificações para permitir a exploração do sertão. E por que não se faziam fortificações? A razão do mais forte é sempre melhor: uma Capitania que não podia pagar a "finta" de 40$000 (quarenta mil cruzados) não podia também ser fortificada. E porque não era fortificada não podia progredir para pagar a "finta".

Apenas em 1726 consentiu o Governo Geral na reconstrução de uma fortaleza existente no estreito da baía de Vitória e de outra dentro da Vila. Mais nada, a não ser o suficiente para permitir a penetração territorial.

Em 1728 foi feito o recenseamento da população. Quase dois séculos depois da chegada de Vasco Fernandes Coutinho, o Espírito Santo contava cerca de 5.000 habitantes, entre escravos, mestiços e brancos.

No início da segunda metade do século, em 1757, foi descoberto ouro em Castelo, na bacia do Rio Itapemirim. Apesar da veemente condenação do governo da Bahia, foi permitida a mineração. Mas o Governo-Geral tinha outros aliados: os índios destruíram a povoação nascente. Os sobreviventes correram a refugiar-se em Itapemirim.

O Governo não lhes enviou qualquer socorro, o que se adequava perfeitamente ao protesto contra a extração.

Quando, em 1764, o ouvidor Tomé Couceiro atravessou a divisa da Capitania do Espírito Santo para fundar uma vila em São Mateus, trazia instruções para examinar a largura e a profundidade do rio do mesmo nome e por quantas léguas podia ser navegado. Mas essa informação era secreta, e "teria conseqüências gravíssimas a relaxação desse segredo".

As leis proibiam até a mineração de ouro, no Espírito Santo. E os índios também não deixaram

Em se tratando de épocas ou ciclos históricos, não há regra fixa para marcar-lhes as datas de começo e fim. Por isso são escolhidos acontecimentos de importância excepcional para significar-lhes os extremos. É claro que tal escolha nunca é inteiramente pacífica; discordâncias aparecem, outros fatos, outras datas são apontadas por critérios adotados e nem sempre há um acordo final. Não importa. Cada fixação de datas representa uma interpretação.

O ciclo do ouro, na seqüência dos ciclos econômicos do Brasil, coincide aproximadamente com o século XVIII. Tem início quando houve a descoberta do ouro em 1694 e em seguida, quando as primeiras minas deram resultados decididamente vantajosos e abriram caminho para novas descobertas.

Para o Espírito Santo as datas podem ser assim marcadas:

Primeira fase — de 1702 a 1759:

Segunda fase — de 1759 a 1800.

Acontecimentos assinalados por essas datas:

1702 - O primeiro reflexo, no Espírito Santo, da descoberta das minas: o governador da Bahia, Dom Rodrigo da Costa, proibiu a exploração do ouro na Capitania. Era o primeiro sinal do isolamento, com o objetivo de evitar o contrabando do ouro.

1759 — A expulsão dos jesuítas, que haviam reativado os seus trabalhos no Espírito Santo. Escreve o engenheiro civil e advogado Cícero Moraes, no seu livro Limites do Espírito Santo: "Em 3 de setembro de 1759, o Marquês de Pombal expulsou de Portugal e suas Colônias a Companhia de Jesus. Uma ordem de tal importância, expedida em Lisboa em 3 de setembro, chegou ao Espírito Santo em 4 de dezembro".

1800 — Assinatura do Auto de 1800, que definiu a divisa entre o Espírito Santo e Minas Gerais ou que. pelo menos, serviu de base para a fixação definitiva.

Com esse documento rompeu-se o isolamento do Espírito Santo com o interior do País.

A expulsão dos jesuítas em 1759 abriu uma lacuna no ensino e na educação na Capitania. E em 22 de janeiro de 1760 foram os integrantes da Companhia de Jesus embarcados no navio Libúrnia, em viagem para o Rio de Janeiro, de onde seguiram para a Europa.

Os bens seqüestrados ficaram entregues ao desembargador Siqueira Ferraz, executor do alvará na Capitania do Espírito Santo, até que em 1761, foram definitivamente incorporados aos bens da Coroa, mediante ordem de confisco.

O velho colégio deixava de existir. O edifício transformara-se em abrigo dos serviços públicos. Ali se instalaram a câmara, a cadeia, o hospital, o quartel, a biblioteca. Durante longo tempo tudo isso funcionou simultaneamente, tal era a extensão da área coberta (mais de 2.200 metros quadrados), incluindo os três pavimentos, sem contar a Igreja de São Tiago e mais uma área interna descoberta de quase 500 metros quadrados. Só o governador Capitão-Mor continuou no seu palácio dos Capitães-Mores ou Casa das Portas Vermelhas, na rua da Capelinha (atual Coronel Monjardim).

A Capitania podia ir até onde conseguisse, mas se manteve em estreitos limites

A delimitação do território do Estado se prende à Carta Régia de 1° de junho de 1534, de Dom João III, com a qual o soberano doava a Vasco Fernandes Coutinho uma Capitania no Brasil:

"...de cinqüenta léguas de terra na dita costa do Brasil, as quais começarão na parte onde acabarem as cinqüenta léguas de que tenho feito mercê a Pedro de Campos Tourinho e correrão para a banda do sul tanto quanto couber nas ditas cinqüenta léguas entrando nesta Capitania quaisquer ilhas que houver, até dez léguas ao mar na fronteira e demarcação destas cinqüenta léguas, de que assim faço mercê ao dito Vasco Fernandes, as quais cinqüenta léguas se estenderão na mesma largura pelo sertão a dentro tanto quanto puderem entrar e for de minha conquista".

Sendo de 5.920 metros a légua daquela época, o litoral do Espírito Santo deveria ter 296 quilômetros.

A extensão da costa capixaba é de 418 quilômetros, mas, se tomarmos as retas entre os pontos salientes do litoral — o que, aliás, seria a única maneira possível na época —, essa extensão se reduzirá a 355 quilômetros, com uma diferença de 20% a mais em relação à Carta Régia.

Já foi dito que a Carta Régia de 1534 assim delimitou a donataria de Vasco Fernandes Coutinho: "... cinqüenta léguas de terra da dita costa do Brasil as quais começarão na parte onde acabarem as cinqüenta léguas que tenho feito a Pedro de Campos Tourinho e correrão para a banda do Sul tanto quanto couber nas ditas cinqüenta.

As quais cinqüenta léguas entrarão na mesma largura pelo sertão e terra firme a dentro tanto quanto puderem entrar e for de minha conquista".

Falta-nos examinar a segunda parte da delimitação. A Capitania devia ir "até onde puderem entrar" desde que não ultrapassasse o que "for da minha conquista", isto é, o meridiano de Tordesilhas.

Muitos foram os obstáculos opostos à penetração. Por todo o século XVIII houve a proibição da interiorização; não se devia abrir estradas, não devia haver tráfego, nem circulação.

Segundo assinala Saint-Hilaire, ao raiar do século XIX, em trezentos anos de sacrifícios, de incompreensões, de submissão forçada a interesses estranhos à Capitania, a faixa povoada não ultrapassava a média de 4 léguas a partir do mar, assim mesmo dividida em duas partes, distantes 80 quilômetros entre si, que tal é a menor distância que vai do Rio Doce ao Rio São Mateus, em linha reta.

Cícero Moraes escreve: "As Capitanias Hereditárias, distribuídas por Dom João III, em 1534, eram semelhantes às zonas de influência que as nações européias, no século XIX, se atribuíram nas diversas partes do mundo, notadamente na África. Cada zona era uma região aberta à conquista de determinada potência, sem que aí as demais se procurassem infiltrar. Não era uma colônia, seria se a nação influente conseguisse conquistá-la e organizá-la".

"As Capitanias Hereditárias, atribuídas aos capitães-mores fidalgos de El- Rei Nosso Senhor, constituíam zonas abertas à conquista de cada qual desses capitães-mores e daqueles..."

"Dom João por graça de Deos Rey de Portugal e dos Algarves daquem e dalem mar em África, Senhor de Guiné Faço Saber a vos que esta Capitania prossegue no sentido leste oeste até aonde lhe possa ser possível chegar, não ultrapassando os limites da minha conquista..."

Dessa maneira, conclui-se que as circunstâncias não nos deixaram ir além. Só faltava demarcar a linha da nossa ocupação, o que foi feito num processo iniciado com aquele Auto de Demarcação de Limites, de 8 de outubro de 1800, e terminado com o acordo firmado entre os Governos do Espírito Santo e Minas Gerais, em 15 de setembro de 1963.

Foram cento e sessenta e três anos de desacordos e divergências na fixação de limites das nossas divisas com Estados vizinhos.

A linha lixada no decurso desse extenso período é aquela que corresponde à segunda parte da delimitação estabelecida em 1534: "até onde puderem entrar".

 

Fontes: Moraes, Cícero - As questões de limites que o Espírito Santo sustentou, 1971 - Vitória-ES; Arquivo Histórico Ultramarino - Capitania do Espírito Santo, Lisboa

 

Fonte: Jornal A Gazeta, A Saga do Espírito Santo – Das Caravelas ao século XXI – 19/08/1999
Pesquisa e texto: Neida Lúcia Moraes
Edição e revisão: José Irmo Goring
Projeto Gráfico:Edson Maltez Heringer
Diagramação: Sebastião Vargas
Supervisão de arte: Ivan Alves
Ilustrações: Genildo Ronchi
Digitação: Joana D’Arc Cruz    
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2016

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