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A força de um plano – Governo Christiano Dias Lopes

Christiano recebendo a faixa de Rubens Rangel, em segundo plano D. Aliete Dias Lopes - Fonte: Acervo pessoal de Christiano Dias Lopes Filho

Christiano assume o governo em janeiro de 1967. O homem cuja trajetória estamos descrevendo, tinha em suas mãos o desejo e a possibilidade de mudar o Espírito Santo. A crise era profunda. A máquina pública estadual estava destroçada pela ação de Chiquinho. A cafeicultura, como grande sustentação da economia local, atravessava crise muito profunda. A medida drástica tomada pelas autoridades federais de erradicar, ou seja, exterminar os pés de café, terminou com um ciclo que já se encontrava moribundo. Era preciso inaugurar outro. A tarefa era árdua e difícil. Somente alguém preparado, bem-articulado e com forte liderança política poderia desempenhar o papel que se esperava, pois não seria tarefa de um só homem, mas de um grupo, de uma equipe, de uma mobilização social.

Na verdade, estava a sociedade capixaba diante da possibilidade de consolidação de um projeto de desenvolvimento amadurecido ao longo dos anos em que o PSD esteve na linha de frente da política estadual, ora como governo, ora como oposição, mas sempre na defesa de um projeto que tentava vencer os impasses econômicos do fim do ciclo do café. Caberia a Christiano consolidar o plano de toda uma geração, iniciado por Jones dos Santos Neves e Carlos Lindenberg, que haviam dado passagem a um grupo de jovens técnicos e políticos. Entre eles estava seguramente o novo Governador.

Não é demais relembrar a dependência econômica do Espírito Santo da monocultura cafeeira. Até porque foi aquele contexto agrícola que produziu as alterações no imaginário das elites capixabas, e que as levou a formular um projeto econômico alternativo. Mesmo que esse projeto seja fruto de um mesmo imaginário político, como ressalta Vasconcellos (1995), e que tenha como base as posições das elites, as diferenças são marcantes, principalmente no que tange aos papéis tanto da coligação democrática quanto do grupo articulado em torno do PSD. Neves. Bittencourt & Neto compartilham da mesma opinião.

Nunca é demais lembrar que Jones Santos Neves era um homem moderno, mas apenas do ponto de vista da condução do projeto econômico. Não do ponto de vista ideológico. Tampouco do ponto de vista da suas relações com a sociedade. Sobre esse aspecto era um homem marcadamente autoritário, como era Carlos Lindenberg. Aliás, como era toda a política dele contemporânea.

No Brasil daquela época as massas estavam apenas começando a entrar na política, mesmo assim através do populismo, bem representado no Espírito Santo pelo Governador Francisco Lacerda de Aguiar.

Hess & Pimentel apontam que Jones tinha uma visão clara de que a industrialização era o caminho para prosperar. Suas metas eram saneamento, produção e transporte, que constavam no Plano de Obras e Equipamentos e no Plano de Fomento da Produção, elaborados no seu primeiro governo. O decreto-lei n° 14.797 oferecia vantagens para as indústrias que aproveitassem as matérias primas existentes no estado para nele se instalarem.

Mas o Estado não contava com uma infra-estrutura com capacidade de atrair grandes investimentos, por isso a construção de rodovias e a produção de energia seriam vitais para que o progresso industrial efetivamente se instalasse. Outro ponto importante do primeiro governo como Interventor de Jones (1943-1945) foi a preocupação com a diversificação da produção agrícola, para fugir da monocultura do café.

Em seu segundo governo (1951-1955), fica ainda mais evidente a opção de Jones pela diversificação econômica do Espírito Santo por meio da industrialização. Essa opção ficou consolidada no Plano de Valorização Econômica do Espírito Santo, que privilegiava os setores de energia, estradas e porto. Na verdade, o governo iniciado em 1951 deu continuidade ao projeto de desenvolvimento planejado e estruturado no período de interventoria. O próprio Christiano retrata essa continuidade:

[Jones] Executou o seu projeto, seu plano de desenvolvimento econômico que aproveitou vários itens, várias projeções e várias formulações do primeiro projeto, que se dedicou especialmente à eletrificação. Só que o primeiro projeto caminhava mais no sentido de aproveitar o rio Benevente, o rio Jucu. No segundo governo, o plano econômico se preocupava mais com as usinas que deveriam ser construídas no rio Santa Maria.

Além disso, Christiano comungava dos mesmos valores e comportamento políticos de Jones, absorvidos durante o seu segundo governo, uma vez que Christiano foi seu Oficial de Gabinete, em uma época em que nessa função estava o organizador do dia a dia do governo. Por isso estava sempre próximo ao governador e suas ações:

Aqueles procedimentos de Jones, aqueles estudos de Jones, aquela dedicação de Jones, do qual eu fui oficial de gabinete, influenciaram tanto na formação do jovem de 20 anos que eu era que, durante muitos anos; até há pouco tempo constantemente eu não sonhava com ninguém da minha família: eu sonhava constantemente com Jones dos Santos Neves. Parece que ele bloqueou a minha sensibilidade e a minha formação de tal forma que eu fiquei preso a suas idéias e a seus comportamentos.

Nota-se com essa fala que as idéias avançadas para a época e a luta em favor do desenvolvimento do Espírito Santo de Jones dos Santos Neves foram definitivas na formação política e visão de progresso de Christiano. No entanto o projeto desenvolvimentista iniciado por Jones não foi implantando no governo Christiano em sua forma original, como pensado nos governos de Jones, porque o processo histórico acarretou o aparecimento de novos atores e demandas e, conseqüentemente, muita coisa foi contextualizada. Com as sucessões de governos, esse projeto ganhou novos contornos, essencialmente, no segundo governo de Carlos Lindenberg, que fez toda uma nova engenharia no velho PSD. Além do que o projeto foi ganhando estudos e soluções técnicas com as quais não se contava em seu nascedouro. Antes, contudo, de entrar na dimensão do projeto, vale ressaltar os entraves e atrasos que os governos de Francisco Lacerda de Aguiar impuseram à sua execução, intercalados que foram entre os governos do PSD, de Carlos e Jones.

Como demonstramos no capítulo IV, os governos da Coligação Democrática personificados na figura de Chiquinho, com sua forma de governar pautado no populismo, não demonstravam maiores preocupações com o planejamento. Por isso mesmo, ele não buscou atingir metas ou mesmo o equilíbrio financeiro em suas gestões. Na década de 1950, temos o primeiro quadriênio comandado por Jones e o segundo por Lacerda de Aguiar. Com a proximidade temporal dos governos, fica mais fácil perceber a contraposição dessas duas formas de guiar o Estado. Chiquinho sucedeu Jones à frente do executivo estadual. Mas não deu prosseguimento ao seu projeto de desenvolvimento com foco industrializante. Pelo contrário, voltou suas atenções para o meio rural. Os investimentos do governo desse período foram desordenados, deixando para o sucessor Carlos Lindenberg (1959-1963) o Estado endividado, a ponto de obrigá-lo, a passar seu primeiro ano de governo sanando dividas adquiridas no governo anterior e apenas planejando os futuros investimentos. Ou seja, no projeto concebido inicialmente foram interpostas dificuldades e falta de continuidade.

Diferentemente do primeiro mandato (1947-1951), quando Lindenberg se aproveitou da boa situação do café no mercado internacional, optando por ações voltadas para atender o campo, no segundo mandato o café já não era mais uma opção viável devido, entre outros elementos, à acentuada queda internacional do preço do produto. Após sanar as finanças do Estado, o governo volta-se para o projeto de desenvolvimento pautado na indústria. Não é demais lembrar que, em 1959, ou seja, no primeiro ano do governo de Lindenberg, as forças industriais capixabas se aglutinaram em torno da Federação das Indústrias sob a liderança de Américo Buaiz. Nessa conjuntura, a emergência da Findes, coma um novo ator, foi preponderante para a retomada do projeto de desenvolvimento de origem pessedista, ampliando-se seu arco de alianças e sua legitimidade social.

A Findes fomentou as discussões em torno da industrialização como via de desenvolvimento no Estado. Para tanto, promoveu, como retratado no capitulo IV, junto com o governo estadual, o Seminário Pró-desenvolvimento que foi fundamental para a consolidação do projeto implantado por Christiano e alimentaria politicamente o seu governo. Bittencourt & Neto tratam essas reformulações como sendo um segundo projeto de desenvolvimento para o Espírito Santo, no entanto acreditamos que o projeto claramente iniciado por Jones sofre nesse momento uma inflexão importante, um ganho de complexidade, adaptando-se a um novo contexto de industrialização brasileira e da formação de uma tecnocracia e também de instituições mais qualificadas no governo federal, além das mudanças de contexto na própria sociedade capixaba. Além disso, baseava-se claramente em estudos e diagnósticos, ainda inexistentes nos anos 1940 e mesmo no início dos anos 1950.

O plano que ficou pronto nas eleições de 1962 e foi utilizado na disputa de Jones contra Chiquinho aproveitou as bases daqueles longínquos planos realizados em sua interventoria. Incorporou as ações do Plano de Valorização Econômica do seu segundo governo e, a partir daí, por meio de um conjunto de articulações realizadas por pessoas ligadas a Findes e ao segundo governo Lindemberg, iniciado em 1959, o plano culminou com as resoluções apontadas no Seminário e inspiradoras do projeto implantado por Christiano Dias Lopes.

No pleito de 1962, o PSD amarga uma nova derrota para o candidato da Coligação Democrática, Francisco Lacerda de Aguiar. Mas Chiquinho não completou o mandato. O novo contexto ocasionado pelo movimento militar de 1964 não convivia mais com o seu estilo populista de governar. Lacerda de Aguiar foi forçado a renunciar. Em meio a uma crise administrativa deixada por Chiquinho, agravada pela crise do café — já que em 1966 a política de erradicação estava em vigor —, assumiu o vice Rubens Rangel.

Em agosto de 1966 já era notório que Christiano assumiria o governo no ano seguinte, e tinha um bom relacionamento com o então Governador Rubens Rangel. Este fez uma espécie de passagem da ordem populista para o novo momento desenvolvimentista dos governos militares. Cristiano gozava de grande mobilidade dentro da máquina estatal comandada por Rubens. Assim, era convidado a participar com o Governador de algumas negociações mesmo antes de assumir.

O futuro governador, percebendo o momento delicado em que se encontrava o Estado devido à crise cafeeira e aproveitando-se do espaço aberto, sugere a Rubens Rangel um Diagnóstico de Desenvolvimento do Espírito Santo. A resposta, segundo Christiano, foi: "Mas, Dr. Christiano, o Estado não tem dinheiro para pagar isso não". Christiano já estava ciente de que o Estado realmente não tinha os recursos, mas já havia o apoio da Findes, instituição que contava com a assessoria de Alvino Gatti e Arthur Carlos. Ambos viriam a compor os quadros de seu governo. Arthur Carlos seria também o seu sucessor.

Antes de tomar posse, já estava nas mãos de Christiano o "Diagnóstico para o Planejamento Econômico do Estado do Espírito Santo" e outro estudo sobre a reforma administrativa, elaborados pelo Instituto para o Desenvolvimento Social e Econômico (Ined), também custeados pela Findes. Esses diagnósticos nortearam as ações de governo de Christiano, segundo as palavras do próprio: "O documento básico, que apontou o roteiro de definições para a estruturação do plano de ação, foi o Diagnóstico para o Desenvolvimento do Espírito Santo, elaborado pelo excelente escritório de pesquisa e planejamento — Ined, em que pontificavam José Arthur Rios e João Paulo de Almeida Magalhães."

Havia solidez no projeto gestado por toda uma geração. Ele havia enfrentado dificuldades em se concretizar, em grande parte como decorrência da inexpressividade política e econômica do Espírito Santo diante dos grandes Estados da federação. Os Estados menores, por não possuírem poder de barganha, acabavam ficando à margem dos investimentos econômicos que, em grande maioria, eram destinados a Estados que participaram tradicionalmente do jogo político nacional, sobretudo Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Mas os militares, ao assumir o governo, construíram um projeto de desenvolvimento para o país, menos sujeito ao jogo herdado da República Velha. A liberação de recursos deixou de depender de forma tão clara do tamanho e da representatividade das bancadas estaduais, passando a ser também orientada pela capacidade dos governos estaduais em demonstrarem, por meio de estudos, a viabilidade técnica e financeira dos projetos, sendo esta uma condição primordial para se obterem recursos. Como vontade política e capacidade técnica eram duas fortes características da Administração Dias Lopes, com muita persistência foi conseguido o apoio federal necessário para o desenvolvimento de importantes setores do Espírito Santo.

Projetos federais tais como o Plano de Ação Econômica do governo (Paeg — governo Castelo Branco 1964/1967), Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED — governo Costa e Silva — 1968/1970) e o Plano Nacional de Desenvolvimento — I PND (governo Emílio Garrastazu Médici — 1972/1974) e o II PND (governo Geisel 1974/1979) deram a tônica das ações governamentais naquele período. No governo Christiano houve rebatimentos do Paeg e do PED, como veremos mais claramente quando falarmos das mudanças infra-estruturais do Estado.

Somente nesse cenário, os anseios do Espírito Santo obtiveram êxito. Quando os projetos econômicos dos militares foram lançados, o Espírito Santo era um dos poucos Estados que contava com um planejamento das áreas prioritárias para o desenvolvimento apontadas no Diagnóstico descrito acima. A sinergia entre o proposto por Christiano e seu grupo técnico e político e o planejado pelo governo federal fomentou toda a estrutura institucional e econômica que alavancaram o Espírito Santo no cenário nacional.

 

Fonte: Memória do Desenvolvimento do Espírito Santo - Grandes Nomes - Chistiano Dias Lopes Filho, 2010
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2015

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