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A Misericórdia de Lisboa – A Origem

Rainha D. Leonor

São unânimes os autores, que escreveram sobre a Misericórdia de Lisboa, em afirmar que, a 15 de agosto do ano de 1498, a inditosa Rainha de Portugal, D. Leonor, mulher de D. João II, inaugurou, por conselho e a instância do seu confessor Frei Miguel de Contreiras, trinitário, da Ordem da Santíssima Trindade, a Confraria de Nossa Senhora da Misericórdia, sob a invocação de Nossa Senhora da Madre Deus ou Virgem Maria da Misericórdia, cujos fins principais eram recolher e curar os enfermos pobres, acompanhar os culpados sem defesa aos tribunais e ao estrado do trono, e subir, eles, condenados, os degraus do patíbulo para lhes adoçar a afronta dos últimos momentos. As donzelas infelizes recebiam dote para casar; as viúvas pobres, auxílio oportuno; os expostos, recolhimento e educação; os peregrinos necessitados, pousada e socorros, os cativos, resgate e transporte para a pátria; os mortos sem meios para se enterrarem, preces e sepultura. Vê-se, portanto, que o objetivo desta Confraria era imenso e do maior alcance.

Havia na Sé de Lisboa várias capelas no claustro e, no topo do lanço norte, a Capela de Santo Aleixo, que era receptáculo de túmulos, a terceira com a invocação de Nossa Senhora da Terra Santa, onde é tradição haver a Rainha D. Leonor e Frei Miguel de Contreiras instituídos as Misericórdias.

No ano de 1520, o Rei D. Manuel resolveu dar à Misericórdia instalação própria, determinando, para tanto, construir magnífico prédio com sua igreja no lugar onde se erguia a velha sinagoga dos judeus e é hoje assento da Conceição Velha. Acabada a construção, já no reinado de D. João III, teve a misericórdia tão grande desenvolvimento que pôde prestar auxílio ao Exército e à Armada. Administrou os hospitais de Lisboa e superintendeu o asilo dos Expostos e Desamparados. Esse majestoso edifício foi destruído pelo terremoto do ano de 1755. Por treze anos, a Misericórdia esteve em casas alugadas, esforçando-se para manter sua obra benemérita. D. José, por carta régia, em 6 de novembro de 1768, doou, em caráter irrevogável e perpétuo, o edifício, igreja, terrenos e bens da Casa Professa de S. Roque que a Companhia de Jesus, expulsa de Portugal, lá deixara, quinze anos antes. Estendendo sua obra, a Misericórdia obteve cirandes privilégios, entre eles o da exploração exclusiva das loterias, que muito lhe serviu. Teve autonomia jurídica. Viu dias negros, particularmente, quando das invasões napoleônicas e das guerras civis, que ensangüentaram Portugal. Com a vitória das idéias liberais, o Estado tornou a interessar-se pela Misericórdia, organizando-a, e, em 11 de agosto de 1834, a Confraria foi dissolvida e os seus administradores nomeados pelo Governo.

No ano de 1862, deu-se início à construção dos edifícios sobre a Calçada da Glória e à adaptação do Convento dos Arrabidos, hoje, recolhimento de S. Pedro de Alcântara. É instituição de assistência pública oficial, possuindo autonomia jurídica, técnica, administrativa e financeira, subordinada ao Ministério do Interior.

Fundada a Confraria, seu inspirador Frei Miguel de Contreiras, redigiu o primeiro Compromisso, que lhe foi dado, isto é, o Regimento que dispunha sobre a nomeação de Irmãos e suas diversas atribuições.

Acredita-se que esse Compromisso de Nossa Senhora da Misericórdia tenha sido modelado em parte, pelo de instituição análoga, que desde 1350, existia em Florença.

Foi esse Compromisso aprovado pelo Alvará, de 29 de setembro de 1498 e impresso pela primeira vez, em 1516, com a data de 20 de dezembro. No ano de 1520 o Rei D. Manuel, em carta dirigida à Irmandade, encaminhou-lhe traslado em pergaminho do mencionado Compromisso. Esse Compromisso foi confirmado pelo Alvará, de 4 de julho de 1564. Seguiram-se as reformas de 24 de junho de 1577 e outra aprovada pelo Alvará, de 4 de junho de 1582.

Por nímia gentileza do Dr. – Dahas Chade Zarur, digno Secretário da Irmandade da Misericórdia da Guanabara, foram-nos emprestadas e, após consultadas, devolvidos, ao mencionado doutor, os Compromissos da Misericórdia de Lisboa, datados de 05 de fevereiro de 1619 e de 6 de março de 1739, com todas as licenças necessárias, os quais foram impressos em Lisboa.

No Compromisso de 1619 está incluído o Alvará em que El-Rei de Portugal ordenou que o referido Compromisso fosse usado como Regimento pela Misericórdia de Lisboa.

No Compromisso de 1739 estão anexos os Alvarás pelo qual Sua Alteza Real houve por bem acordar — seu Real Beneplácito às Letras Apostólicas Pastoris Aeterni Vices para o efeito de se estender — a Aplicação dos Legados, não cumpridos em benefício dos Enfermos e Expostos do Hospital Real de S. José da Cidade de Lisboa, e as referidas Letras Apostólicas.

Não se dando cumprimento ao Aviso, de 17 de novembro de 1775, o Ministro Visconde de Vila Nova ordenou, pelo Aviso de 18 de novembro de 1779, que a Misericórdia se governasse, de novo, pelo antigo Compromisso, em tudo quanto não se achasse derrogado por leis, resoluções e avisos régios.

Enriqueceram os nossos monarcas esta instituição de numerosos e mui consideráveis privilégios. Sobre o modelo da de Lisboa se fundaram, em seguida, todas as outras misericórdias, tanto do Reino como das possessões ultramarinas.

A primeira que possui o Brasil foi a de Santos, cuja fundação, devida a Brás Cubas (1537), confirmou um Alvará régio de 1551.

A Irmandade da Misericórdia de Lisboa teve sua Bandeira e seu Escudo, que foram interpretados por D. Jeny Dreyfus, técnico do Museu Histórico Nacional.

Sobre a Rainha D.Leonor

“"... rainha D. Leonor, mulher de D. João II. A infeliz senhora vira seu marido apunhalar em Setubal, o Duque de Viseu, irmão dela, rainha; vira em Évora decepar a cabeça de seu cunhado, Duque de Bragança, por mandado e na presença do Rei; vira seu filho único, o jovem Príncipe D. Afonso, morrer da queda de cavalo no campo de Almeirim. Viúva aos 37 anos, suportara as infelicidades do marido; não podia suportar os deslumbramento da Corte; resolveu enclausurar-se voluntariamente, entregando-se à religião, sem votos e em liberdade como antes se houvera dedicado a atos de misericórdia, e a encorajar artes e ciência."

 

Fonte: A Irmandade e a Santa Casa da Misericórdia do Espírito Santo, ano 1979
Autores: Affonso Shwab e Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2015



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