A navegação no rio Doce
Esta, poder-se-ia dizer, foi mesmo quase uma epopéia, com ataques de botocudos de permeio. Isto com o transporte em canoas, que foi usado, de verdade, durante todo o século XIX.
Mas, na realidade, foram três os “bandidos” desta história: a famosa barra do rio Doce, somada às condições marinhas ali próximas, e o vento sul, que todo linharense conhece. Estes três fatores faziam, muitas vezes, a subida ou descida do rio, pela barra, uma verdadeira maratona.
É certo que o rio Doce era navegável, do Porto do Souza à barra, segundo muitos autores o afirmam. Mas sair ou entrar pela foz, para a comunicação com o litoral, nem sempre era possível sem risco.
Quando d’Arlincourt fez o estudo do rio Doce em 1833, ele diz em seu relatório, claramente, que a tal travessia não era esse “bicho-de-sete-cabeças”. Porém, se lermos atentamente todas as “providências” que precisavam ser tomadas na foz, para a saída do rio par ao mar ou vice-versa, conclui-se que ele foi muito otimista.
Para comprovar isto, é só ver que uma das suas sugestões, um farol na entrada da barra, só foi mesmo realizada em 1895, e no lugar errado: o Pontal Norte. Só depois é que passou par ao lado sul. Por isto dissemos otimista há pouco; otimismo para a época e os parcos recursos da Província. Por melhor que fosse o patrão-mor encarregado de auxiliar aquela travessia, sem um farol, praticamente durante todo o século XIX, como fazê-lo a contento?
Depois, temos ainda para confirmar, as estatísticas de naufrágios na barra.
Outra coisa importante; a barra do rio Doce nunca foi completamente navegável em toda sua extensão. Pelo que entendemos, de várias leituras, havia dois canais, um na margem esquerda e outro na direita. Nem sempre os dois davam passagem a barcos e, às vezes, nenhum deles. O que provocava isto era a movimentação constante das areias depositadas no leito do rio. Era essa movimentação que mudava, ou muitas vezes, fechava a passagem pelos canais e fazia com que os barcos encalhassem na areia.
Agora, com tudo isto, se fosse usada uma embarcação a vela e o vento sul estivesse por ali fazendo estripulias, devia ser mesmo era um “salve-se-quem-puder” ou “Deus me guie”!
Concluímos então que era possível a comunicação por via fluvial até Regência Augusta. Porém, para Vitória ou pontos costeiros do Brasil, que exigiam uma contínua passagem pelo rio Doce – Atlântico, era outra coisa; dependente não só de extremos cuidados e vigilância, como também das próprias condições naturais que até hoje fogem ao controle do homem.
E afinal, se exportar ou importar através do rio Doce envolvia fatores climáticos, marítimos, hidrográficos e humanos, compreende-se o pouco desenvolvimento de toda a região do baixo rio no século em pauta.
Estando estas considerações expostas, podemos partir para o que chamamos de “epopéia” no início deste tópico.
Vimos que muitos sonharam em tornar o rio Doce navegável a começar por D. Rodrigo de Souza Coutinho, Silva Pontes, Tovar, Rubim e até “D. João V”. Foi na época de Rubim que se iniciaram os preparativos para uma navegação regular no rio, por volta de 1819. Estes preparativos culminaram em 1832, quando o Governo concedeu ao oficial da Marinha, João Diogo Sturz, o privilégio exclusivo de formar uma companhia no rio Doce, fez-lhe doação de sesmarias e permitiu o uso de capitais estrangeiros neste caso, ingleses. Apesar de, em 1837, uma expedição mandada pela Inglaterra, para verificar informações exatas sobre a navegação, ter naufragado na barra, consta que, no ano anterior, Sturz conseguira já fazer sulcar o rio um pequeno vapor. Existem contradições sobre a data de 36. O que é certo é que ele montou serraria e estabeleceu ali alguns colonos, mas o empreendimento fracassou de vez em 1841; e D. Pedro, em 1860, referiu-se ao fato de ter-se queimado uma casa que a Companhia inglesa tinha entre Linhares e a fazenda de Alexandre Calmon.
Em 1857, nova tentativa do Dr. Nicolau R. dos Santos Francisco Leite, com contrato para introdução de colonos nas inúmeras sesmarias que o mesmo tinha ao longo do rio Doce, e outra, na margem norte, entre a lagoa Monsarás e o rio. França Leite chegou a fazer navegar um barco de ferro e a vela, com lotação de 38 toneladas e cujos restos D. Pedro viu por ocasião de sua viagem.
Nos anos seguintes, tudo voltou a ser como antes, isto é, somente canoas ao longo do rio.
Em 1875, foi então concedido, pela Assembleia Legislativa da Província, o privilégio de 10 anos de garfantia para quem inaugurasse uma navegação fluvial no rio Doce. A essas alturas, pareceu=nos até uma “bandeira-de-náufrago” em desespero de causa, Mas produziu resultados, pois levantou-se uma companhia, estando á frente o negociante Francisco Tagarro, João Maria Moussier e João Filipe da Silva Calmon. Celebraram um contrato de navegação do Porto do Souza até a barra, e mandaram fabricar na Alemanha um vapor especial, encomendado por intermédio do engenheiro César Rainville. Em 1879, teve lugar a inauguração da companhia, subindo o rio o vapor “Rio Doce”. Numa de suas viagens, aconteceu estarem vários indígenas do Aldeamento Mutum, distrito de Linhares, causando sérios problemas aos habitantes. Pediu-se então ao capitão, que soltasse à toda as valvular do vapor e a barulheira acabou por aterrorizar os índios que fugiram.
Entretanto os resultados dessa Companhia foram poucos. Os dois sócios abandonaram o empreendimento, Tagarro continuou sozinho e, evidentemente, não teve grande sucesso.
Deste modo, vezes sem conta, o comércio com as povoações ribeirinhas do rio Doce era feito em canoas que, além de muito lentas, levavam pouca mercadoria e estavam sempre sujeitas ao ataque dos aborígines. Se quisessem levar essa mercadoria barra a fora, dependiam, na maior parte do ano, das companhias que navegavam a costa atlântica.
Sobre isto, encontramos ofícios na Câmara, onde fazendeiros, lavradores e comerciantes faziam pedidos ao Governo no sentido de manter um rebocador na barra, para ajudar a entrada ou saída de vapores em dias difíceis. Mas o governo respondia que não era possível.
Durante todo o século XIX, vimos, não só em relatórios dos Presidentes de Província, como em ofícios da Câmara, referências assim: causa verdadeira admiração o estado de abandono do rio Doce e as dificuldades dos lavradores ali estabelecidos, de permutar gêneros, ou então a produção agrícola do município de Linhares é nula, mal dá para o consumo.
Contudo, convenhamos, para haver produção e escoamento da mesma, seria necessário um seguro meio de transporte. Se não havia, como ter ânimo para produzir?
Já em pleno século XX, um morador de Linhares, Darcy Bom, falou-nos sobre estas dificuldades. Seu pai, Carlos, estabeleceu-se aqui como agricultor em 1916, às margens do rio, em terras abaixo de onde é hoje a Estação Experimental da Ceplac. Ali plantou arroz e hortaliças. Disse que as cabeças de repolho chegavam a pesar 5 quilos. Mas o vapor, que então fazia o transporte de Linhares para Colatina, quebrava ou se atrasava por vários motivos. Assim, os produtos apodreciam acumulados à espera, e quando o vapor chegava era só fedentina e lixo.
Esta navegação a que se refere Darcy teve início em 1902, quando a firma Viana e Cia fez contrato pelo qual se obrigaria a manter a navegação no rio com o vapor fluvial “Muniz Freire”, por 8 meses, no fim dos quais colocaria mais um. A sede desta companhia era Regência, que alcançou um pequeno surto de progresso por essa época e onde havia outra: Mascarenhas, Costa e Cia, com os vapores “Milagre” e “Santa Maria”, subvencionados pelo Governo do Estado; esta flotilha era vistoriada pelo capitão de Corveta Veríssimo Costa. A passagem pela barra deixara de ser grande problema, pois, no caso de estar impraticável, havia o telégrafo avisando para Vitória.
Isto, entretanto, não quer dizer que tudo estava à mil maravilhas. Os barcos costeiros ficavam ao largo, no caso da impraticabilidade. Nos dias em que o vento sul produzia grande agitação no mar perto da foz, ou quando as fúrias de alguma tempestade desencadeavam uma dança sinistra no encontro das duas águas, só um bom rebocador poderia dar continuidade ao comércio com regiões do rio Doce. E então, havia duas opções: ou esperar que tudo se acalmasse ou contar com os vapores via Colatina, de onde as mercadorias iam para Vitória, pela estrada de ferro.
Fonte: Panorama Histórico de Linhares, 1982
Autora: Maria Lúcia Grossi Zunti
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2012
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