Ainda a cidade que Jerônimo Monteiro encontrou
A cidade não se modificara na sua estrutura colonial. Não havia edifícios públicos, que correspondessem à necessidade funcional da administração. A Rua Duque de Caxias, em decadência acelerada, após sua primazia comercial, no Meio Império, adquiria má fama. A cadeia pública, num sobradão, descendo para a Rua do Sacramento, abrigava vozeiro tremendo, até que, numa tarde trágica, os detentos emudeceram para sempre em cruel condenação à morte, que o fogo lhes decretara.(16)
O desconforto atingia os viajantes em cheio. Hotéis péssimos, com cubículos de duas a quatro camas, sem armários. (17) Os "cometas" se dividiam pelos hotéis "d'Europe", antigo, ainda no mesmo local de hoje, e "Internacional" (18) na Rua do Comércio, de José Bento — onde a mesa era reputada. As casas "Verde" e Viana Leal hospedavam os respectivos fregueses, vindos do interior.
Rocco Ferrer, em sua casa de pasto, dava suculentos jantares de cardápio italiano, na Praça Costa Pereira, esquina da S. Manuel.
Não há carestia de vida. Come-se esplêndido peixe, de preço que não ultrapassa a quinhentos réis o quilo. Verduras discretas. Carne verde de animais abatidos em Sto. Antônio, no matadouro, que hoje é Grupo Escolar. A limpeza das ruas era sintoma de política ou festa religiosa. Não há mais iluminação à noite. Alguns lampiões a querosene, nas esquinas, mantidos pelos interessados. Escolas insuficientes, porém, de professares famosos: Amâncio Pereira, Lélis Horta, Nunes, Olga Coutinho, Adelina Mululo, Teresa Calazans, Corina Sales e a Paroquial.
Aristides Freire tem colégio particular de alunos escolhidos. O Cel. Andrade Silva leciona Matemática. Carlos Mendes ensina todos as matérias do curso de preparatórios ao Ginásio.
A Escola Normal decai. O porto está sempre em estudos. As repartições do fisco federal mal acomodadas.
Só anos mais tarde Jugurta Couto (19) obteria recursos para reconstruir a Delegacia Fiscal.
Recordações acres de uma cidade ironicamente gostosa...
NOTAS
(16) Deveriá ter ocorrido esse incêndio em 1916. Toda a população atendeu ao rebate da Matriz, mas a falta d'água e a incúria dos carcereiros ocasionaram a morte de muitos detentos, presos às grades dos cubículos.
(17) Foi sempre sentida lacuna a falta de hotéis, mesmo modestos, em Vitória.
(18) Desaparecido.
(19) Delegado Fiscal por muitos anos. Homem de sociedade, grande animador dos esportes e do Clube Vitória.
Fonte: Biografia de uma ilha, 1965
Autor: Luiz Serafim Derenzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2016
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