Surge ao longe a estrela prometida – Jerônimo Monteiro
Muitos congressistas exerciam funções públicas e alguns, cargos de confiança, da administração anterior, que o decoro não os havia levado a renunciar
Depois de promessas, tantas vezes repetidas, o povo se tornara cético em relação aos seus homens públicos. Habituara-se a sofrer o desconforto da cidade e as endemias, que o meio físico lhe proporcionava.
O comércio se encolhera com a queda dos preços do único produto computável da lavoura. Alimentava-se da construção do "Vitória-Diamantina", vendendo o pouco que não vinha da praça do Rio de Janeiro, onde Sá Carvalho, empreiteiro geral, fazia seus grandes fornecimentos.
Vitória estacionava, regredia mesmo. A massa proletária das obras da capital e do ''Sul do Espírito Santo" baldeava-se para o Rio, cuja reconstrução, por Pereira Passos e Paulo de Frontin, abria imenso campo de trabalho. Pensar em remodelar a cidade, prometer obras públicas, com erário exausto e comprometido, era ridículo e temerário.
Foi esse o panorama psicológico, deduzido da realidade insofismável, que Jerônimo de Souza Monteiro enfrentou ao assumir o governo à vinte e três de maio de 1908.
Não se intimidou, contudo, o filho do capitão Souza, senhor de Monte Líbano, que transmitira aos filhos a fibra da pertinácia.
Sem demagogia, que será o apanágio do profissionalismo político da segunda República, dirá perante o Congresso Legislativo, no dia de sua posse: "... o governo, nos limites de seus recursos, deverá cuidar da construção e conservação de boas estradas de rodagem, pondo as vias férreas em comunicação fácil com as cidades de centros produtores; deverá empenhar-se pela multiplicação e desenvolvimento dos núcleos coloniais, pela propagação do ensino agrícola e, em geral, pelo auxílio direto e útil à grande e operosa classe dos lavradores.
Estes processos sintetizam, sem dúvida, os mais importantes fatores do progresso econômico de um povo".
Palavras serenas, medidas. Frases justas sem recriminação aos antecessores, sem estabelecer paralelismos.
Mas quem lhe poderia dar crédito? Entre outras considerações, com a mesma naturalidade, continua: "Dentre outros problemas que pedem a imediata atenção do Governo, destacam-se natural-mente, o saneamento e melhoramento da nossa Capital, o da higiene pública e o da instrução popular".
"O saneamento e os melhoramentos da nossa capital, presos às suas condições higiênicas, reclamam providências inadiáveis, urgentes, ainda que através de grandes sacrifícios. Não se pode conceber uma cidade de população relativamente densa, desprovida, por completo, dos elementos mais preciosos à comodidade e à vida de seus habitantes."
"Estes serviços são difíceis e sobremodo dispendiosos, mas se impõem mesmo com os maiores ônus.
"Por eles devem se interessar todos os habitantes do Estado, auxiliando tanto quanto possível a sua execução, porque eles aproveitam a toda comunhão espírito-santense; farão refletir fora o nosso zelo e o nosso cuidado, permitindo aferir bem o grau de nossa civilização e aquilatar com justiça da salubridade privilegiada de nosso clima. A impressão, que recebem os inúmeros visitantes de nosso porto, é de triste repercussão fora dos limites de nosso território, e impede a entrada de elementos novos, que conosco venham colaborar, afastando capitais e dificultando o progresso."
Além da análise crítica, a prioridade para os problemas urbanos, no mesmo diapasão, sem retórica, nem hiperbolismo, muito a gosto dos falsos apóstolos, supostos curadores do sofrimento humano. Jerônimo anunciava o que ia fazer com a convicção tranqüila de quem está capacitado de realizá-lo. Não importam as dificuldades e estas não o surpreenderão, porque sua perseverança é maior do que os obstáculos a transpor. É preciso ganhar a confiança do povo para que este venha cooperar.
Os primeiros atos do presidente foram acolhidos com discreta simpatia. Muitos congressistas exerciam funções públicas e alguns, cargos de confiança, da administração anterior, que o decoro não os havia levado a renunciar. Era, sem dúvida, prova para o novo chefe do governo. A Constituição do Estado é poderosa alavanca na mão de quem lhe pede apoio. Jerônimo chamou os privilegiados e mostrou-lhes a incompatibilidade em face do Estatuto. Os jornais aplaudiram a medida moralizadora, deitando até jurisprudência.
Organizou assim Jerônimo sua turma de trabalho, firmando o princípio da independência de poderes. A primeira etapa foi ganha e o governo demonstrou vontade de trabalhar sem os entraves da política de resistência amistosa.
A resistência amigável é aquela em que os opositores não se definem, mas protelam; não contrariam, mas dificultam interpondo o tempo como aliado poderoso.
Alimentam a intriga, dissimulam, fazem-se esquecidos e sorriem sempre. Não pedem nunca, mas têm argumentos judiciosos para que se lhes ofereça. Afetam experiência, que não possuem. Adiam as questões a novo exame.
São eles os sacerdotes imorais do fracasso, os artífices da derrota.
Não medraram no governo de Jerônimo Monteiro.
A presidência tornou-se uma oficina de trabalho. A esperança renasceu no coração capixaba. Técnicos, banqueiros, professores sobem a escadaria do palácio. Engenheiros, topógrafos, desenhistas movimentam-se. Navios despejam barricas de cimento, canos, fios, caixotes descomunais.
A Diretoria de Finanças paga! Há forte expectativa. O homem não é um sonhador: realiza apenas o que prometera.
Fonte: Biografia de uma ilha, 1965
Autor: Luiz Serafim Derenzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2016
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