Ameaça de desertificação na Bacia do Itapemirim
A utilização inadequada do solo e a poluição dos mananciais criaram problemas que comprometem a bacia do rio
O processo de degradação vivenciado pela Bacia do Rio Itapemirim (BRI), que foi submetida a mais de um século de manejo inadequado do solo, aliado à ação humana, que polui os mananciais, acende uma luz de alerta: a ameaça de desertificação em algumas regiões. Sinais desse cenário já começam a aparecer: diversas nascentes e córregos secaram ou se tornaram temporários e o gado morre de fome. A estiagem castiga o Sul do Estado como há muitos anos não ocorria. Por causa do desmatamento, a bacia só possui 7% da sua cobertura florestal original, o que influencia na vazão permanente do rio.
Estudioso do problema, o professor da Escola Agrotécnica Federal de Alegre (Eafa) e doutor em Solos e Nutrição de Plantas, João Batista Pavesi Simão, faz um prognóstico:
"Se somarmos às áreas de pastagens degradadas as de lavouras, de mineração de rochas ornamentais e as urbanas, podemos supor que mais da metade da bacia requer atenção com urgência", explica.
Segundo o professor, em anos de baixa precipitação pluviométrica, já se verificam algumas tendências à desertificação. Indícios dessa constatação é o aparecimento da espécie Calothropis procera (algodão de seda), planta originária da Índia, colonizando grandes áreas de pastagens em Cachoeiro, Castelo, Jerônimo Monteiro e Alegre.
Para reverter o quadro, Pavesi reforça que é preciso refrear o processo de degradação, utilizando técnicas sustentáveis de manejo.
"É preciso proteger as nascentes com cerca para evitar a entrada de animais bovinos e eqüinos. É importante que as cabeceiras estejam reflorestadas e os olhos d' água protegidos", sugere.
E completa: "Não basta prever o plantio de árvores de forma de exclusiva. É preciso incentiva mudanças no manejo, com incentivos fiscais. O Estado precisa de um programa ambiental com viés econômico sustentável."
Lama e vinhoto no rio: degradação
O lançamento da lama abrasiva e do vinhoto, subprodutos das cadeias produtivas de rochas ornamentais e da cana-de-açúcar, constitui-se em fontes poluidoras da Bacia do Itapemirim.
Com as indústrias estão localizadas às margens dos rios, há aumento de rejeitos industriais nos leitos em decorrência do lançamento de resíduos de mármore adicionados à granalha de ferro, abrasivo utilizado para a serragem.
Bagre africano vira problema esgoto
A introdução de 15 espécies exóticas na Bacia do Rio Itapemirim, como a tilápia, o tucunaré, o pintado, e, principalmente, o bagre africano, acendeu um sinal de alerta para biólogos e a comunidade em geral.
"O bagre é o maior predador do rio. Ele é uma ameaça porque é capaz de agüentar mais de dois dias fora d' água e come tudo que encontra pela frente, predando até mesma a sua própria espécie", contou a ambientalista Dalva Ringuier.
Falta rede de esgoto nas casas
O saneamento básico é um problema crucial apontado na Bacia do Rio Itapemirim, que apresenta, em média, 66% dos seus domicílios com esgotamento sanitário inadequado.
No interior dos municípios, muitos moradores não têm ligação das suas casas aos serviços de saneamento. "Houve um avanço, já que 10 cidades tratam o esgoto. Em Cachoeiro, 85% dele é tratado", contou Antonio Carlos de Alencar, vice-presidente do CBH Rio Itapemirim.
OS OUTROS PROBLEMAS
Ao longo dos últimos 17 anos foram identificados os seguintes problemas na Bacia do Rio Itapemirim:
- Depredação dos recursos naturais: atividades mal-manejadas de mineração, uso inadequado e manejo do solo, construção de barragens e atividades de irrigação em desacordo com normas técnicas, falta de infiltração das águas das chuvas no solo, construções às margens do rio, construção inadequada de estradas de terra, apropriação ilegal da fauna e flora, indícios contaminação de recursos alimentares e animais e plantas por agrotóxicos e metais pesados.
- Baixo índice de cobertura florestal: principalmente naqueles espaços associados às nascentes de corpos d'água, mata ciliares e zonas de recarga de aqüíferos.
- Ações diretas do homem: inadequada estruturação e localização de áreas urbanas, falta de planejamento sócioambiental (PDM) associada ao avanço urbano em áreas protegidas legalmente
Fonte: Diagnóstico da Bacia do Rio Itapemirim, elaborado pelo Consórcio da Bacia do Rio Itapemirim, atualizado em 2004
O QUE ELES PENSAM
"O rio é quase milagroso"
"Apesar de receber muitos impactos. A capacidade de autodepuração do rio é muito grande. Ele é quase milagroso. Nossa prioridade é sensibilizar os usuários da bacia para o manejo correto dos recursos hídricos." Horlandezan Bragança, presidente do CBH Rio Itapemirim
"O rio perdeu 50% da vazão"
"Por causa do desmatamento, a bacia só tem 7% de cobertura vegetal, o que influencia na vazão permanente do rio. Hoje, ele perdeu 50% de sua vazão em relação há cerca de 60 anos." Dalva Ringuier, secretária-executiva do CBH Rio Itapemirim
"Não podemos relaxar"
"A condição do rio é boa, se comparado ao Jundiaí, Paraíba do Sul e até o Doce. Mas, não é por isso que podemos relaxar. Quanto mais cedo tivermos ações de preservação, mais barato será a sua manutenção e melhor a qualidade de vida na região." Antônio Carlos de Alencar, vice-presidente do CBH Rio Itapemirim
"O nível de degradação é alto"
"É possível observar na bacia, na sua parte alta, uma cobertura florestal maior. Agora, na parte média-baixa, o nível de degradação é bastante alto. Principalmente decorrente da exploração de rochas ornamentais e pelo seu forte adensamento urbano." Fábio Ahnert, gerente de Recursos Hídricos do lema
"A ocupação é irregular"
"E preciso mais atenção ao problema da erosão - desce uma grande quantidade de solo com as chuvas -, e com o estrangulamento das margens nas cidades. A ocupação irregular leva às enchentes durante o período das cheias. É preciso investir nos planos diretores municipais." Antonio Sérgio Mendonça, professor da Ufes
"A atenção deve ser redobrada"
"O desmatamento do entorno de nascentes e a ocupação irregular de áreas de preservação vêm provocando uma situação preocupante: a escassez hídrica e a intermitência de cursos d'água. A atenção deve ser redobrada porque a degradação já se iniciou nas cabeceiras, nos municípios do entorno do Caparaó." Maria Helena Alves, chefe da Divisão de Recursos Hídricos e Resíduos da Cesan
"É possível caminhar no seu leito"
"O assoreamento é muito grande, devido à má utilização do solo nas propriedades agrícolas, o que fica agravado com a falta da mata ciliar. Um rio, que antes era navegável, agora se pode caminhar em certas áreas tranqüilamente no seu leito." Fábio Dalbom, chefe do lncaper de Itapemirim
"O lixo é um grande problema"
"O destino de todo o lixo produzido na bacia é o seu depósito a céu aberto nos lixões, o que ocasiona um grande problema. Dos 18 municípios, somente em Cachoeiro ele é depositado em um aterro sanitário. A área de crescimento urbano da região do Itapemirim vem se expandindo sem infra-estrutura compatível com a sua produção diária de lixo." Vera Lúcia de Paz, socióloga
"O manejo é inadequado"
"Nos anos 80, drenos profundos foram feitos secando nascentes. Isso ocorreu em todo o Estado, mas com mais força na bacia do rio Itapemirim. Isso reduz o volume de água nos lençóis e seca os olhos d'água. O manejo é inadequado." João Batista Pavesi Simão, professor da Eafa.
Fonte: A Tribuna, Suplemento Especial Navegando os Rios Capixabas – Rio Itapemirim - 23 de setembro de 2007
Expediente: Joel Soprani
Subeditor: Gleberson Nascimento
Colaborador de texto: Flávia Martins
Diagramação: Carlos Marciel Pinheiro
Edição de fotografia: Sérgio Venturin
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2016
Forno Grande e Mata das Flores, ambos em Castelo, e Cachoeira da Fumaça, em Alegre, estão sob o gerenciamento do instituto
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