Ano de 1560 – Por Basílio Daemon
1560. Parte da Bahia, a 16 de janeiro deste ano, o governador geral do Brasil Mem de Sá,(71) que ia ao Rio de Janeiro com o fim de expulsar daquela capitania a Villegaignon e mais franceses que dela se achavam de posse. Trazia consigo oito embarcações, alguns soldados, munições e armamentos; passando pelas capitanias dos Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo recebeu em todas elas contingentes, mormente aqui, donde levou maior número.(72) Mem de Sá, depois de aqui demorar-se alguns dias, seguiu ao seu destino, chegando ao Rio de Janeiro a 21 de fevereiro do mesmo ano, onde, depois de alguns dias de demora à espera das forças vindas da capitania de São Vicente, a elas se reuniu e atacou a fortaleza de Villegaignon a 16 de março, tomando-a e destruindo as fortificações. Daí seguiu a 31 do mesmo mês e ano para São Vicente, onde se demorou dois meses, partindo daí a 18 de junho para a Bahia com toda a armada e aportando em alguns lugares, chegando a esta capitania onde demorou-se alguns dias, encontrando desanimado o povo por ter o donatário Vasco Fernandes Coutinho renunciado à donataria a favor de el-rei de Portugal, D. Sebastião, que estava sob a regência de D. Catarina.(73) Aceitando Mem de Sá a renúncia feita perante o ouvidor, por assim o pedir os povoadores que com suas mulheres e filhos lhe rogavam a aceitasse, é lavrado a 3 de agosto do mesmo ano, na então vila da Vitória, o termo da dita renúncia e provimento dado a Belchior de Azeredo Coutinho, o Velho, para capitão-mor da mesma capitania, com todos os poderes discricionários que tinha o donatário, visto assim o querer o povo que para esse fim o elegeu, ficando, no entanto, salvo o direito das partes reclamantes.(74) Aqui fazemos algumas considerações a respeito não só do donatário, como sobre Belchior de Azeredo. Vasco Coutinho, embora dotado de bom coração, galhofeiro e mesmo valente, não fora talhado para o mando, pelo que esta capitania, com os recursos que teve, não pôde prosperar como de direito se esperava; à proporção que envelhecia, ia Vasco Coutinho mais se relaxando em seus costumes e entregando-se aos vícios, entre eles o de beber, jogar e mascar fumo, pelo que quase não lhe obedeciam; avelhantado e muito doente, viu-se então forçado a renunciar à capitania em favor da Coroa; contudo, são concordes todos os historiadores e cronistas em certificar a sua bondade e bonomia, não havendo um único ato seu de opressão ou vingança, até sendo por demais frouxo em castigar os delinquentes, dando guarida a muitos criminosos que na capitania procuravam homizio. No entanto, força é confessar que Vasco Coutinho sacrificara todos os seus haveres e vida a bem de fazer prosperar a capitania do Espírito Santo, e que só abandonou-a quando mais nada podia fazer em seu benefício, já por falta de meios ou pela idade avançada em que se achava e doença de que estava afetado; se não foi um bom administrador também não foi um régulo, pelo que honra seja sempre feita à sua memória. Agora tratemos de sanar um ponto de controvérsia na história pátria, e é a seguinte: existiram naquela época na capitania dois homens de igual nome, e que ocupavam nela importantes lugares, e foram Belchior de Azeredo Coutinho, o Velho, e Belchior de Azeredo Coutinho, o Moço, este sobrinho daquele, ambos fidalgos, este último por alvará de 27 de novembro de 1566, e aquele por carta régia de D. João III em 1530, em que fora nomeado cavalheiro e fidalgo da Casa Real,(75) pelo que vê-se que foi Belchior de Azeredo, o Velho, nomeado capitão-mor da capitania a pedido do povo, e que para aqui viera por instâncias de Vasco Coutinho para exercer o lugar de administrador da Justiça e seu secretário particular, não sendo Belchior de Azeredo, o Moço, que mais tarde o vemos como capitão de uma galé, a São Tiago, (76) e depois do navio São Jorge, e quando em 1565 era confirmada por D. Sebastião a nomeação de provedor da Fazenda Real e dos defuntos e ausentes, onde se o encontra ainda de posse desse emprego em 1566.(77)
Notas
71 “Concordados os chefes no modo da expedição, aos 16 dias de janeiro de 1560 saíram da Bahia com a armada composta de duas naus de alto bordo...” [Pizarro, Memórias, I, p. 31]
72 Teixeira discorda de Daemon quanto à contribuição da capitania do Espírito Santo, apesar de citar essa passagem em sua nota 23 e das alusões que faz a Silva Lisboa e a Fernandes Pinheiro. [HEES, p. 100]
73 (a) Segundo Freire, a renúncia do donatário teria ocorrido no dia 3 de agosto de 1560 [Vitória e a capitania, in RIHGES, 1935, 8:8-9] (b) Pizarro, Memórias, I, p. 30.
74 (a) Sá, Mem de, Carta para el-rei, III, p. 466, e II, p. 228, apud Vasconcelos, Ensaio, p. 15.
75 “A Belchior de Azeredo foi feita a mercê de cavaleiro fidalgo por alvará de 27 de novembro de 1566; era ele sobrinho de outro Belchior de Azeredo, também cavaleiro fidalgo...” [Vasconcelos, Ensaio, p. 17]
76 “Dirigindo-se Belchior de Azeredo ao Rio de Janeiro como capitão da galé – S. Tiago...” [Vasconcelos, Ensaio, p. 17]
77 “Foi provedor da fazenda real, e dos defuntos e ausentes, confirmado pelo rei em 1565.” [Vasconcelos, Ensaio, p.17]
Nota: 1ª edição do livro foi publicada em 1879
Fonte: Província do Espírito Santo - 2ª edição, SECULT/2010
Autor: Basílio Carvalho Daemon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2019
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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