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Capítulo III Maximiliano de Wied-Neuwied

Rio Benevente - Gravura do Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied

Se o século XIX se destacou como o século das ciências, a História Natural se destacou como a Ciência do século XIX. A experiência e a sensibilidade, preconizadas como elementos essenciais para a construção e solidificação das ciências modernas, fizeram carreira entre os naturalistas que pululavam as academias de ciências na França e na Confederação Germânica, além das principais universidades desses mesmos países.

No entanto, nesse universo de expedições e relatos, existiu, segundo Júlio Verne,

 

um país que preludia, logo no princípio deste século, as grandes descobertas que os seus viajantes tinham de fazer: é a Alemanha. Os seus primeiros exploradores procedem com tanto cuidado, são dotados de uma vontade tão firme e de um instinto tão seguro, que não deixam aos seus sucessores senão o cuidado de verificar e de completar as suas descobertas(50). Dentro desse universo de descobertas a Universidade de Göttingen se destacou como o principal centro de formação desses novos “caçadores de tesouros” do século XIX, tendo grandes nomes como Blumenbach, Alexander von Humboldt além dos famosos Irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm) em suas fileiras de mestres. E foi nessa mesma universidade que se formou, em 1812, Alexander Philipp Maximilian, Príncipe de Wied-Neuwied.

 

Segundo Christina R. da Costa a formação neo-humanística oferecida por essa instituição, que tinha em vista a educação como elemento de formação pleno e harmonioso, foi de fundamental importância para o desenvolvimento do tipo de relato que mais tarde seria construído por Maximiliano, pois

 

para além de seus préstimos acadêmicos e descobertas científicas, o viajante deveria incluir desenhos, imagens em seu texto, pois, através deles, outros estudiosos poderiam começar e continuar seus estudos, e, simultaneamente, serviriam como meio de tornar a ciência mais acessível ao público leigo(51).

 

Oitavo na linha de sucessão do Conde de Wied, Maximiliano, como a grande maioria dos herdeiros de segunda ordem, optou pela carreira militar, e no caso do Príncipe, o exército prussiano se mostrou como uma excelente oportunidade.

Seguiu a carreira militar até o ano de 1815, quando chegou ao fim as chamadas Guerras Napoleônicas. Com as reestruturações propostas pelo Tratado de Viena e a ociosidade do corpo militar após o fim do conflito, Maximiliano, que havia conhecido Alexander von Humboldt e seu trabalho em Paris, se dispõe a realizar viagens de caráter científico a fim de completar a formação iniciada em Göttingen.

Se anos antes, Humboldt havia realizado uma grande marcha por parte da América do Sul e Central, sendo impedido de entrar em território brasileiro, essa possibilidade agora era possível. Com o fim do exclusivo colonial português e a abertura dos portos, o Brasil passa a ser o destino, e desejo, de inúmeros estrangeiros com vistas a realização de grandes expedições científicas, quadro no qual se encaixou Maximiliano.

Em uma viagem que durou cerca de 18 meses - entre julho de 1815 e janeiro de 1817 - Maximiliano coletou diversos elementos da fauna e flora brasileira, descreveu e desenhou os aspectos do elemento indígena nativo do Brasil e realizou os registros, que resultou em uma obra dividida em dois tomos, na qual dedica-se à exaustão em relatar os mínimos pormenores de sua viagem. Para Olivério Pinto

 

lê-lo é acompanhar o viajante em sua longa e acidentada peregrinação através das matas virgens e dos agrestes descampados, sentir com ele todas as emoções que salteavam a cada trecho da jornada, admirar a solene beleza dos quadros admiravelmente descritos, e até participar dos sustos, riscos e privações, a que não se poderia inevitavelmente furtar(52).

 

Ainda para Olivério Pinto, essa riqueza de detalhes que encontramos na obra de Maximiliano nos transpõe para o caminho percorrido por esse viajante, pois, ao contrário de outros,

 

não lhe escaparam inexpressivos lugares comuns, exageros ou fantasias, deslizes tão frequentes nas obras dos melhores autores, e ainda muito menos conceitos tendenciosos ou deprimentes sobre a gente e a terra alvo de sua curiosidade esclarecida(53).

 

Isso devido ao fato de que, segundo Ana Luisa Fayet Sallas, o Príncipe Maximiliano era

 

absolutamente pragmático, atento à observação detalhada e expressão de um espírito relativizador, que busca ponderar o observado em face de outros autores e relatos - seguindo, pode-se dizer, uma perspectiva antropológica. Viajou independente, a serviço apenas do progresso e da ciência(54).

 

Guiado por esse espírito naturalista e humanístico forte nas ciências na Europa durante o século XIX, dominando técnicas de análise desenvolvidas nas melhores universidades da Confederação Germânica, além de possuir um grande senso de luta e sobrevivência, Maximiliano deu início à jornada que resultará na primeira obra de caráter técnico e científico, sobre a história natural do Brasil, a ser publicada na Europa(55).

Entretanto, mesmo tendo sido publicada em 1820 em alemão, a obra de Maximiliano permanecerá “oculta” ao grande público brasileiro, pois tardará a possuir uma tradução em português, surgindo a mesma somente em 1989, oriunda de uma mescla das edições francesa e alemã(56).

Apesar de contribuir de maneira imensurável para a botânica, a zoologia e ornitologia, é pela riqueza de detalhes sobre os brasileiros e indígenas que compunham essa terra, que a obra de Maximiliano ganhou destaque. O viés etnográfico se destacou, sobressaindo frente aos demais, mesmo a vida selvagem do Brasil está largamente presente em toda a sua obra.

Dentro desse contexto, se a obra de Spix e Martius jogou luz sobre a imensa biodiversidade com destaque para a flora brasileira e Saint-Hilaire deu ênfase aos aspectos da vida cotidiana por onde passou, versando até mesmo sobre a economia, administração e política, Maximiliano destacou-se pelo seu eixo antropológico, fazendo com que fosse nomeado como o “fundador” dos estudos etnográficos no Brasil.

Nessa obra, Maximiliano dedica-se a relatar suas incursões às províncias que compreendem ao espaço geográfico a nordeste da capital do Reino, pois segundo o próprio viajante “grande parte, era inteiramente desconhecida ou que, até então, não tinham sido absolutamente descritas [caso do Espírito Santo]”(57).

Dado interessante a ressaltar é o fato do referido viajante acreditar, e até mesmo declarar, que o território compreendido entre o Rio de Janeiro e a Baía de Todos os Santos, trecho que corresponde ao território capixaba, ser desabitado, ou nas palavras do explorador, “ainda não ocupadas por colonos portugueses”(58). Isso vem ressaltar o status incipiente, ou até mesmo nulo, que possuía a Província do Espírito Santo naquele período.

De acordo com Maximiliano,

 

até agora [1815], só um pequeno número de caminhos, acompanhando os rios que as atravessam, foram abertos com grande dificuldade. Nessas florestas é que os primitivos habitantes do país, fustigados de todos os lados, continuam a encontrar um seguro abrigo, e é aí que ainda se podem observar esses povos em seu estado original [...]. Os jesuítas e vários antigos viajantes, na verdade, nos deram algumas notícias dessas regiões cobertas de florestas ininterruptas, porém muito imperfeitas e misturadas de acidentes fabulosos; não fornecem, também, pormenor algum referente à história natural(59).

 

No mesmo período, que corresponde a chegada e estadia de Maximiliano ao Brasil, também estavam por aqui os naturalistas Spix e Martius(60), os artistas Debret e os irmãos Taunay(61), além dos integrantes das expedições científicas que acompanharam a Arquiduquesa Leopoldina por ocasião de seu casamento com Príncipe Pedro I. Definitivamente um período marcado pela efervescência estrangeira, contagiada pela curiosidade que cercava o Brasil, e pela significativa expansão dos elementos culturais e sociais que tomaram conta das maiores províncias, com destaque para o Rio de Janeiro.

Maximiliano se propôs a visitar áreas até então não descritas por outros viajantes, que em sua grande maioria dedicaram-se a relatar e registrar o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro e seus entornos, além da região das cobiçadas minas. Por esse motivo a escolha do Espírito Santo, do sudeste de Minas Gerais e do sertão da Bahia.

Superado os primeiros obstáculos, sejam de caráter burocrático, material ou humano(62), Maximiliano inicia o seu conjunto de viagens, que na Província do Rio de Janeiro contemplou a cidade do Rio de Janeiro, São Cristóvão, Praia Grande, São Gonçalo, Maricá, Guarapina, Ponta Negra, Saquarema, Araruama, São Pedro dos Índios (hoje São Pedro da Aldeia)(63), Cabo Frio, Campos Novos, Vila de São João, Rio das Ostras, Macaé, Rio Bragança, Vila de São Salvador, São Fidelis; já na Bahia, registrou passagem por Vila Viçosa, Caravelas, Alcobaça, Mucuri, Prado, Comechatiba, Rio do Frade, Trancoso, Porto Seguro, Santa Cruz, Mogiquiçaba, Belmonte, Quartel dos Arcos, Quartel dos Saltos, Rio Pardo, Canavieiras, Ilhéus, grande parte do sertão baiano e Salvador; na Capitania de Minas Gerais discorre sobre o sertão mineiro que faz divisa com a Capitania da Bahia; no Espírito Santo relatou sua passagem por Quartel de Barreiras, Itapemirim, Benevente, Guarapari, Vila Velha, Vitória, Barra do Jucu, Araçatiba, Nova Almeida, Barra do Riacho, Rio Doce, Linhares e São Mateus.

Dentro desse imenso caminho percorrido por esse viajante, ele teve contato com os índios Tupinanbás em São Lourenço, Purís e Coroados em São Fidelis, Machacalis do Rio Pardo e Camacãs ou Meniens em Minas Gerais, porém, nenhum outro despertou maior fascínio e curiosidade, pode-se dizer até mesmo espanto, do que aqueles que o governo português vinha há séculos tentando pacificar em vão, e que naquele momento estava em guerra claramente declarada: os Botocudos da região do Rio Mucuri. Esse povo rendeu um capítulo específico na obra de Maximiliano, intitulado Algumas palavras sobre os Botocudos(64). É a partir da confecção e reflexão dessa parte específica da obra que, segundo Christina R. da Costa,

 

o príncipe passa a ver os Botocudos não só como passíveis de serem civilizados como também questiona todas as representações feitas sobre eles por europeus. Ao questionar as representações, Maximiliano se vê diante do desafio não só de mudar seu próprio discurso, mas também de possivelmente sugerir novos meios para a produção de conhecimento científico sobre os indígenas; tarefa que os futuros antropólogos iriam se encarregar(65).

Finalizou o seu trajeto em Salvador no dia 10 de maio de 1817, onde embarcou no “Princesa Carlota” retornando à Europa para dedicar-se à transformação de seus diários e rascunhos de viagem na obra Rise nach Brasilien in den Jahren 1815 bis 1817 (1820), lançada em Frankfurt.

Conhecida parte de sua trajetória, pode-se a partir daqui ater-se à expedição empreendida por Maximiliano pelas terras onde “até agora, a natureza realizou mais pelo Brasil do que o homem”(66).

 

NOTAS

(50) VERNE, Júlio. Os exploradores do século XIX. Trad. Manuel Joaquim Pinheiro Chagas. [S.l]: Entaur Editions, 2017, p. 6.

(51) COSTA, Christina R. O Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied e sua Viagem ao Brasil (1815 - 1817)... Op. cit., p. 10.

(52) PHILIPP, Maximilian Alexander. Viagem ao Brasil... Op. cit., p. XII.

(53) Ibidem, p. XI.

(54) SALLAS, Ana Luisa Fayet. Narrativas e imagens dos viajantes alemães no Brasil do século XIX: a construção do imaginário sobre os povos indígenas, a história e a nação. História, Ciência, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 417, 2010.

(55) Vale a pena frisar que várias outras obras foram publicadas nesse mesmo período, porém com destaque a assuntos alheios aos propostos por Maximiliano, a exemplo da mineralogia, política, economia e sociedade, produzidas em sua grande maioria por ingleses, que foram os primeiros estrangeiros a se estabelecerem no Brasil.

(56) PHILIPP, Maximilian Alexander. Viagem ao Brasil... Op. cit., p. XIII.

(57) PHILIPP, Maximilian Alexander. Viagem ao Brasil... Op. cit., p. 7.

(58) Ibidem, p. 8.

(59) Ibidem.

(60) Cf. LISBOA, Karen Macknow. A nova Atlântida de Spix e Martius: natureza e civilização na Viagem pelo Brasil (1817 - 1820). São Paulo: Hucitec: FAPESP: 1997.

(61) Artistas que chegaram ao Brasil compondo a primeira Missão Artística Francesa logo após o fim das guerras Napoleônicas em 1815.

(62) Cf. PHILIPP, Maximilian Alexander. Viagem ao Brasil... Op. cit., p. 8.

(63) Apesar de não ser o seu primeiro relato sobre os índios - Maximiliano já havia encontrado os "nativos da terra" em São Lourenço -, é a primeira vez que o aspecto caracterizado como "civilizador" aflora nesse viajante. Nesse sentido Maximiliano deixa o seguinte relato: "devo também observar que parte das acusações sobre a rudeza e o frequente mau caráter desses índios se devem descontar do tratamento errado e opressivo que outrora lhes dispensaram os europeus, os quais, muitas vezes, nem reconheciam neles criaturas humanas, associando, aos apelidos de caboclos e tapuias, à ideia de animais, criados apenas para serem maltratados e tiranizados. Em linhas gerais, porém, deve-se reconhecer que Koster lhes descreve corretamente o caráter; porque ainda mostram invariável tendência para a vida indolente e desregrada. Gostam de bebidas forte se detestam o trabalho, não tem firmeza em suas palavras e são poucos os exemplos, entre eles, de caracteres dignos de nota.[...]Contudo, à proporção que se fizerem mais civilizados, a originalidade desse povo e as últimas sobrevivências dos antigos costumes se irão desvanecendo, de modo que deles não se encontrará futuramente nenhum vestígio e só serão conhecidos através das inscrições de Hans Staden e de Léry". PHILIPP, Maximilian Alexander. Viagem ao Brasil... Op. cit., p. 63-65, grifo nosso.

(64) Cf. PHILIPP, Maximilian Alexander. Viagem ao Brasil... Op. cit., p. 283 - 326.

(65) COSTA, Christina R. O Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied e sua Viagem aoBrasil (1815 - 1817)... Op. cit., p. 6.

(66) PHILIPP, Maximilian Alexander. Viagem ao Brasil... Op. cit., p. 25

 

PRODUÇÃO

 

PAULO CESAR HARTUNG GOMES

Governador do Estado do Espírito Santo

 

CÉSAR ROBERTO COLNAGO

Vice-governador do Estado do Espírito Santo

 

JOÃO GUALBERTO MOREIRA VASCONCELLOS

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Conselho Editorial

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Michel Caldeira de Souza

Rita de Cássia Maia e Silva Costa

Sergio Oliveira Dias

 

Coordenação Editorial

Cilmar Franceschetto

 

Coordenação de Arte

Sergio Oliveira Dias

 

Revisão Ortográfica

Jória Scolforo

 

Projeto Gráfico e Capa

Alexandre Alves Matias

 

Agradecimentos

Grupo de Trabalho Paisagem Capixaba

 

Impressão e Acabamento

Gráfica Dossi

 

Fonte: Viagens à Capitania do Espírito Santo: 200 anos das expedições científicas de Maximiliano de Wied-Neuwied e Auguste SaintHilaire/ 2. ed. rev. amp. Vitória, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2018
Autor: Bruno César Nascimento
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2020

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