Carta a um amigo
Aristeu Borges de Aguiar (1892-1951) foi o último presidente do Estado, na República Velha (1889-1930), eleito que foi em 1928, antes das mudanças implementadas pela dita Revolução de 1930, comandada pelo gaúcho Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954).
Tendo sido empossado a 30 de Junho de 1928, exerceria seu mandato até 30 de junho de 1932, não houvesse sido este interrompido pelo movimento revolucionário. Depois de tênue tentativa de resistência, abandona o cargo a 16 de Outubro de 1930, embarcando no navio Atlanta, seguindo para o Rio de Janeiro, e, posteriormente, para Portugal, onde fixa residência em Lisboa. Também colaborou para sua queda infaustos acontecimentos de 13 de fevereiro, quando de um comício da Aliança Liberal, duramente reprimido, repressão esta que causou 5 mortes e vários feridos.
É de lá que escreve, a 17 de abril de 1931, para seu conterrâneo Nelson Abel de Almeida (1905-1991), em resposta a missiva anteriormente recebida.
No texto, que ocupa duas páginas manuscritas, inicia parabenizando o amigo pelo recente casamento, além de elogiar sua postura e atitude de professor iniciante, tão reconhecida no futuro, Atento aos acontecimentos políticos, elogia atitude de Afonso XIII ( 1886-1941), que deixa a chefia do estado espanhol no dia (14 de abril de 1931, três dias antes de Aristeu escrever a carta) em que perde as eleições municipais para o partido republicano, na tentativa de evitar uma guerra civil em seu país (atitude infrutífera, como se verá a partir de 1936). Comenta rapidamente a situação em Portugal, e, como que vaticinando, diz “o Mundo anda meio atrapalhado, parecendo que caminha para grandes transformações. Parece que estamos atravessando uma das grandes épocas da humanidade. “Não se enganou em nada: os acontecimentos dos quinze anos seguintes haveriam de confirmar o vaticínio.
Agradecendo notícias da terra natal, diz estar preparando-se para se defender no momento oportuno das acusações que lhe são imputadas ( publicou em 1932 “ O meu governo e a defesa de meus atos”), ressalta a preocupação com a grandeza do Espírito Santo, a “querida terra natal”.
É esse documento manuscrito que é, a seguir, transcrito, junto com suas imagens. De fácil trabalho paleográfico, posto ser escrito já no século XX e por uma personagem com trato caligráfico razoavelmente bom. Tal documento encontra-se arquivado no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, e integra o acervo doado pelo eminente professor Nelson Abel de Almeida, destinatário da missiva, acervo esse ainda carente de uma melhor análise, seleção e devida catalogação.
Transcrição da carta de Aristeu Borges de Aguiar
Lisboa, Abril, 17, 1931
Nelson, amigo
Com os meus agradecimentos e da Nair, pela comunicação que nos fizeram do feliz consórcio, queiram aceitar os votos que fazemos para que tenham constante felicidade, na nova vida que iniciam. Foi com dupla satisfação que recebemos a sua carta, Não só por trazer-nos notícias do amigo distante, como sabermos que havia casado. Não tenha receio da luta da vida, meu caro. Quem vive com dignidade e com trabalho sempre viverá bem. Você começou com nobreza e esforço. O seu pai lhe é um constante exemplo. Vencerá. No concurso, v. revelou todas as qualidades de um bom professor. Eu já o cumprimentei com efusão, não pelo resultado, mas pelas provas que assisti. Eu o aprovaria com real satisfação. Foi o que lhe disse, ao Sinval, e ao secretário da Instrução, de então. Li o recurso, que veio em recorte, dentro da sua carta. Há no recurso um trecho que define. Mais não preciso dizer. Li também, com satisfação, a sua carta, também em recorte. Aqui continuamos bem. Agora, em plena primavera, com ótima temperatura. Os ânimos por aqui andam esquentados. Na Espanha mina a Monarquia suavemente. Affonso XIII soube estar na altura de suas funções. Quis evitar derramamento de sangue, e que a sua Pátria se afundasse numa guerra civil. Aqui, em Portugal, as coisas não andam boas. Todas as forças de rigorosa prontidão há mais de uma semana. Agora, depois do sucesso na Espanha, os cuidados dobraram. As ilhas estão sublevadas. Enfim, o Mundo anda meio atrapalhado, parecendo que caminha para grandes transformações. Parece que estamos atravessando uma das grandes épocas da humanidade. Você que é professor de história deve estar acompanhando a agitação que anda pela Europa, América, Ásia.
Nós ainda não sabemos quando tornaremos ao Brasil. Espero que seja breve. Aqui temos sido cercados de muita consideração e gentileza. Não temos senão motivos de gratidão. Felizmente todos estamos bons e bem dispostos. Somos-lhe muito gratos pelas notícias que nos dá. Vou acompanhando as acusações que me fazem, para dar oportunamente a resposta, que será cabal e definitiva. Não receio acusações. Hei de demonstrar, cabalmente, que o que fiz foi trabalhar com entusiasmo pela grandeza do Espírito Santo, nossa querida terra natal. E, em quanto em mim couber, hei de trabalhar. Bem, lembranças nossas ao seu pai, D. Ritinha, Dinorah, Marília, Dinah e outros irmãos. Com a sua Mabel, aceite um abraço meu a da Nair. Aristeu
Meu endereço – Pharmácia Formosinho – Praça Restauradores.
Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (nº 63, 2009).
Autor: Paulo Stuck de Moraes 3º Vice-Presidente do IHGES.
Pesquisador: Paulo Stuck de Moraes
Nota do Site 1: O mundo atualmente, parafraseando Aristeu, "parece que caminha para grandes transformações", haja visto a agitação no Oriente Médio e norte do Continente Africano, principalmente na Líbia que é a maior produtora de petróleo daquele continente, e fez o preço do barril do petróleo passar os US$ 100 pela primeira vez desde outubro de 2008.
Nota do Site 2: Matéria compilada por Walter de Aguiar Filho em 11/03/2011.
GALERIA:
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