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Congos e Bandas de Congos no ES - Por José Elias Rosa dos Santos

Congo Barra do Jucu se apresentando na UFES 08/2014

O professor Cleber Maciel representa, indubitavelmente, um ícone na pesquisa acadêmica no Espírito Santo sobre a história e cultura afro-capixaba. Seu engajamento na pesquisa das expressões culturais de matriz africana foi inspiração para vários estudantes de História da Universidade Federal do Espírito Santo, que, a partir da convivência com Maciel, fizeram dessa temática um compromisso acadêmico e uma opção de militância política. Como ex-aluno de Cleber Maciel, acabei por ser contaminado por essa atmosfera amplamente estonteante e inspiradora.

A pesquisa realizada pelo professor Cleber Maciel sobre o negro do Espírito Santo tem um capítulo especial no estudo sobre as bandas de congo. O congo representa um dos mais significativos e disseminados símbolos da cultura do Espírito Santo, estando presente em muitas outras manifestações culturais - mas pouco explorado como referência cultural das comunidades negras existentes neste Estado.

As bandas de congo são encontradas em diversos municípios do Estado e têm adquirido aos poucos o reconhecimento de sua importância, ocupando significativo espaço em vários segmentos sociais, como os meios de comunicação e as artes. Segundo informações da Comissão de Folclore do Espírito Santo há aproximadamente 60 bandas no Estado. Os municípios de Cariacica (nove) e Serra (15) são os maiores centros de concentração.

O congo também se tornou um elemento presente em muitos trabalhos artísticos – cinema, música, artes plásticas, teatro etc –, ansiosos por impregnar a marca capixaba em seus produtos, criando forte apelo comercial que tem por base o sentimento e a “identidade” capixaba. Diversos grupos musicais – dentre eles um do qual fiz parte – se projetaram no cenário capixaba e nacional lançando mão do ritmo e das cantigas do congo. Uma cantiga tradicional – “Madalena do Jucu” – foi gravada por intérpretes de renome nacional, projetando o congo capixaba. Também na esfera publicitária, sobretudo nas peças de publicidade do turismo capixaba pode-se testemunhar a presença do congo.

As primeiras pesquisas sobre as bandas de congo foram realizadas pelos folcloristas, tendo Guilherme Santos Neves servido de referência para a quase totalidade das pesquisas posteriores. Podemos destacar duas principais características desses estudos: a homogeneização das bandas de congo, desconsiderando as peculiaridades de cada grupo, e o congelamento desses grupos no tempo, como se não houvesse uma constante transformação decorrente das tensões sociais estabelecidas nas várias estâncias da sociedade.

Estudos mais recentes tanto têm mostrado a imensa diversidade existente entre as diferentes bandas, quanto têm destacado as consideráveis mudanças das bandas no decorrer do tempo. As variações – tanto numa perspectiva sincrônica, quanto na diacrônica – são relativas à organização interna, à forma de tocar, de se relacionar com as instituições etc.

Nesse ponto, situa-se exatamente a contribuição dos estudos realizados pelo professor Cleber Maciel, que oferece outra linha de pesquisa nos estudos sobre as bandas de congo. Os chamados estudos folclóricos, tendo a produção de Guilherme Santos Neves como base, afirmam que o congo tem como origem as bandas de congo dos índios mutuns da localidade de Nova Almeida. Essa afirmação tem por base documentos do século XIX escritos pelo Padre Antunes Siqueira, como o “Esboço Histórico dos Costumes do Povo Espírito-Santense”, e pelo viajante francês François Biard, que faz uma narrativa de uma festa em homenagem a São Benedito onde são tocados instrumentos feitos de troncos de árvores – tambores e casacas, ao que tudo indica – por índios em Santa Cruz, no ano de 1858.

Sem oferecer qualquer crítica a essa corrente de interpretação, o professor Cleber Maciel oferece outra linha de análise a partir de outras fontes históricas. Seus estudos chamam a atenção para uma apresentação, em 1854, de um congo na festa de Queimado – região de forte concentração de escravizados, que anos antes realizaram grande revolta contra o sistema de escravidão. Maciel traz ainda a informação de que no mesmo ano de 1854 fora sancionada uma lei que proibia os ajuntamentos de negros para a realização de batuques e danças – a Postura n. 3, de 10 de julho. Essas duas informações registradas por Cleber Maciel criaram outro viés para se estudar as origens das bandas de congo no Espírito Santo, viés que exerce grande influência em pesquisas realizadas recentemente.

Não perdendo de vista que as bandas de congo apresentam variações importantes na sua forma de se organizar, podemos fazer uma descrição sumária de uma banda, tendo como critério os elementos que são comuns na maioria das bandas do Espírito Santo. Uma banda de congo comumente é formada por um pequeno agrupamento de pessoas, entre dez e 15 membros, entre instrumentistas (geralmente homens), cantoras (na sua grande maioria mulheres), mestre, guardiã da bandeira, porta estandarte e crianças. Os instrumentos usados são oriundos da tradição afro-brasileira e ameríndia. O instrumento mais contagiante é o tambor de congo, confeccionado com um barril sem frente e fundo e com uma das partes tapadas com pele de carneiro. Os tocadores desse instrumento são os principais responsáveis pelo ritmo da banda.

Outro instrumento muito importante é a casaca – ou reco-reco, casaco, cassaca, canzaco etc – da cabeça esculpida, tocada raspando uma vareta em umas das partes que se constitui numa superfície cheia de talhos transversais. Atualmente, é o instrumento bastante popular.

Finalmente, temos a cuíca, confeccionada como um tambor de congo, mas com uma vareta fixada internamente onde se esfrega um pedaço de estopa molhada. O som da cuíca é bem grave, comumente chamado de ronco.

Para definir as músicas que serão entoadas, puxar os versos e imprimir o ritmo destaca-se a figura do mestre de congo, com seu apito, chocalho e buzina. O apito ajuda a marcar o ritmo de forma empolgante e avisa o início e o fim das toadas. O chocalho é feito com um cilindro em metal oco, recheado com contas ou sementes. A buzina – semelhante a uma corneta – é também confeccionada em metal e ajuda a ampliar a voz marcante do mestre.

Um elemento de suma importância presente nas bandas de congo é a religiosidade, destacada nas muitas cantigas e festas realizadas. É importante ressaltar que nas expressões culturais afro-brasileiras, religiosidade está inserida em todas as dimensões da vida (arte, vida social, religião, festas, dentre outras), que são incontestadamente ligadas. O ritual religioso incorpora-se ao ciclo social, fazendo parte da vida.

Umas das mais significativas devoções é a homenagem que algumas bandas de congo fazem a São Benedito, que é maciçamente usado nas cantigas entoadas nos atos culturais espalhados em terras capixabas.

Essa devoção foi imposta pela Igreja Católica, em substituição às crenças feitichistas dos negros. Houve muito incentivo à formação de confrarias e irmandades de devoção ao Santo dos Pretos. Segundo Maciel (1992), esse incentivo se deu devido à necessidade de catequizar os escravizados para entregá-los desboçalizados aos escravistas.

Mas a forma como essa herança foi absorvida e modificada pelos negros atesta a não-passividade à aculturação missionária. São Benedito passou de santo catequizador a um santo companheiro. Bernadete Lyra (LYRA, 1981), estudando o ticumbi, afirmou que o Santo dos Pretos tornou-se parente dos negros, seguindo uma tradição nagô que percebe cada indivíduo como parte de uma linhagem de Orixás.

Outra devoção encontrada nas bandas de congo do Espírito Santo é à Nossa Senhora da Penha, em Roda d’Água, Cariacica e na Barra do Jucu, em Vila Velha. Em Cariacica, é realizada anualmente no dia de Nossa Senhora da Penha o Carnaval de Congo e Máscaras, que reúne as nove bandas do município e outras convidadas. A festa reúne uma grande quantidade de pessoas. Na memória dos mestres de congo da região, a festa nasceu como uma forma de homenagear a santa católica.

Na região de Regência, em Linhares, é realizada uma magnífica festa em homenagem ao Caboclo Bernardo – herói local que salvou vários escravizados de um naufrágio –, que reúne bandas de congo de vários municípios do Estado. Nessa oportunidade são realizadas muitas homenagens a São Benedito, padroeiro de Regência. Em várias regiões do Espírito Santo são realizadas Festas do Mastro, geralmente divididas em cortada e puxada do mastro. Essa festa é realizada, em sua grande maioria, em homenagem a São Benedito, e é feita em forma de procissão com a Bandeira do Santo. Para finalizar esta breve introdução, cabe destacar que algumas bandas de congo apresentam atualmente um processo de organização jurídica, procurando constituir pessoa jurídica, seja individualmente, seja organizando associações, através das quais procuram estabelecer relações políticas com várias instituições públicas ou privadas, criando parcerias e procurando participar de editais na busca de recursos financeiros. Existem associações exclusivas de bandas de congo (Cariacica e Serra, por exemplo) e associações folclóricas nas quais as bandas de congo são filiadas (como Vila Velha).

 

GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Governador

Paulo Cesar Hartung Gomes

Vice-governador

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Secretário de Estado da Cultura

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Subsecretário de Gestão Administrativa

Ricardo Savacini Pandolfi

Subsecretário de Cultura

José Roberto Santos Neves

Diretor Geral do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo

Cilmar Franceschetto

Diretor Técnico Administrativo

Augusto César Gobbi Fraga

Coordenação Editorial

Cilmar Franceschetto

Agostino Lazzaro

Apoio Técnico

Sergio Oliveira Dias

Editoração Eletrônica

Estúdio Zota

Impressão e Acabamento

GSA

 

Fonte: Negros no Espírito Santo / Cleber Maciel; organização por Osvaldo Martins de Oliveira. – 2ª ed. – Vitória, (ES): Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2022

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