D. Luís de Céspedes Xeria (1628) – Por Norbertino Bahiense
A acidentadíssima viagem do fidalgo espanhol D. Luís de Céspedes Xeria, nomeado a 6 de fevereiro de 1625 para governador do Paraguai em substituição a D. Manuel de Frias, ex-governador de Buenos Aires e que dirigiu o Paraguai de 1621 a 1626 — dá-nos o ensejo de registrar a existência de um dos mais antigos documentos históricos que assinalam a existência da Ermida de Nossa Senhora da Penha onde esteve aquele fidalgo em janeiro de 1628, deixando isto escrito em sua "Relacion de Viaje" compulsada e analisada por Afonso D'E. Taunay.
D. Luís de Céspedes, antes de se ajoelhar aos pés da santa abrigada na pequena Ermida, posteriormente transformada no majestoso Convento de nossos dias, passou por dias muito amargos, compensados, entretanto, por outros bem melhores que lhe vieram depois. Quando o Duque de Olivares resolveu substituir D. Manuel de Frias na governadoria da Capitania do Paraguai, nomeou e mandou para ali, D. Luís de Céspedes. Deu-lhe título e honrarias, mas não lhe deu transporte nem dinheiro. Pode-se avaliar o que isto significava em 1625. A Espanha determinava a um homem de alta linhagem: "Vá assumir a direção do Paraguai. Atravesse os mares, atinja o continente sul-americano e chegue ao seu destino. Não lhe dou navios, não lhe dou viaturas, não lhe dou dinheiro."
A sua odisséia começou em Sevilha onde procurou, sem resultado, embarcar num dos galeões do comboio do Prata. Quarenta dias à procura de dinheiro, infrutiferamente. Quarenta dias de fome. Pouco depois vamo-lo encontrar em Portugal à procura de condução para o Brasil. Mas teve de ficar retido em Lisboa um ano, em face do predomínio holandês na Bahia. Registrava, então:
"Pasé infinitos trabajos, miseria y necessidades, asi por no hallar quien las socorriese como por verme cargado de obligaciones precisas." De Madrid lhe mandaram uma cédula de crédito no valor de mil ducados — mas nem em Portugal, e nem em qualquer outra parte jamais logrou descontá-la.
A assinatura de sua majestade católica D. Felipe III, de Portugal e IV de Espanha, de nada valia.
Não desanimou D. Luís. Restaurada a Bahia e restabelecida a navegação para o Brasil, embarcou em um navio lusitano. Mas, verificada, já a bordo, a sua penúria em matéria sonante, o comandante o pôs para fora com a sua pequena trouxa.
Céspedes era teimoso. Sofria, clamava, mas perseverava. A 18 de abril de 1626, deixava Lisboa e rumava para a Bahia numa das caravelas da índia e chegou a São Salvador quarenta dias depois, doente e acabado pela péssima viagem. Mas... a Bahia sempre foi a "boa terra". Teve boa acolhida da parte do governador interino da praça, D. Francisco de Moura; e, em breve, se restabelecia e criava alma nova.
Seis meses permaneceu em S. Salvador, esperando condução para o sul. Nesse ínterim, ali chegava o novo governador geral do Brasil, Diogo Luís de Oliveira.
Com D. Luís, veio da Europa a espanhola D. Ana de Avendano, mulher do contador de Buenos Aires, senhora rica, com enorme bagagem, quarenta e tantos negros escravos, grande criadagem e mais quinze pessoas da família.
Ambos estavam aflitos para prosseguir; e, graças aos bons ofícios do governador geral e de Dona Ana, conseguiram um pequeno patacho que foi literalmente lotado pela espanhola, sua gente e suas cousas. D. Luís não teve coragem de acompanhá-los. Muitas semanas depois, contratou um barco. Mas Luís de Oliveira não autorizou a partida, alegando vilania do mestre da embarcação. Recorreu, então, à mais requintada humildade perante o governador geral ("tan gorda como malcriada") registrava ele, do qual conseguiu, afinal, a autorização desejada, mas sob a obrigação do mestre levar grande carregamento de munição para Martim de Sá, no Rio de Janeiro. Tudo resolvido — mas ainda não seria desta vez que o infeliz governador do Paraguai iria prosseguir. O mestre lhe exigiu pagamento em dinheiro. A letra de crédito de D. Felipe continuava nada valendo.
A essa altura aparece, como companheiro de D. Luís, um tal Piolino de quem também foi exigido pagamento da passagem, sem resultado satisfatório.
Para agravar a situação, a 3 de março de 1627, surgem na Baía de Todos os Santos as treze caravelas holandesas de Pieter Heyn, dominando tudo e aprisionando navios entre os quais o em que pretendia viajar D. Luís.
Os dias se vão passando e já agora é Piolino quem arranja um navio para viajarem para Buenos Aires, no que são impedidos por Diogo Luís de Oliveira, sob o pretexto de não saber se os batavos também estavam por lá.
D. Luís de Céspedes era perseverante e lutador — mas contra ele também perseveravam todas as dificuldades. Não se deixava, entretanto, dominar. A sua última cartada foi lançada. Arranjou uma canoa grande capaz de bordejar da Bahia até o Rio de Janeiro. Conseguiu tripulantes e após 20 meses de estada na então Capital do Brasil, a 11 de janeiro de 1628 deixava as suas águas, provavelmente em companhia de Piolino.
Ao passarem pelos abrolhos, quase naufragaram, abalroando por três vezes os perigosíssimos chapeirões ali existentes, do que resultou grande alarde e desespero, não facilmente removíveis em face da ignorância dos pilotos. Foi nesses instantes de pavor que D. Luís invocou a proteção de Nossa Senhora:
"Accudimos con lagrimas a pedir favor y misericordia Christo Nuestro Senor, pidiendo por nuestra intercessora a su Santissima Madre, a quien nos encomendamos muy deveras prometiendo todos em qualquer tierra que tocasemos yr descalssos a su santa casa; fue servida esta senora de livramos milagrosamente."
A promessa foi cumprida ao chegarem em Vitória. Subiram à Ermida mais tarde transformada em Convento da Penha e ali cumpriram os seus votos. É o próprio D. Luís de Céspedes quem diz:
"Tan devotos como contritos suvimos a una hermida de su ynvocacion: es Nuestra Senora de la Peña."
Tendo saído da Bahia a 11 de janeiro de 1628 e chegado ao Rio de Janeiro a 4 de fevereiro do mesmo ano, deduz-se facilmente que a visita que fizeram à Penha se verificou na segunda quinzena de janeiro do referido ano de 1628.
Fortalecido e retemperado pela fé adquirida aos pés da Santa, D. Luís prosseguiu para o Rio de Janeiro, mas antes de o fazer, dispensou os pilotos que trouxe da Bahia, substituindo-os por outros, certamente capixabas, da terra de Araribóia, do grande chefe indígena que também partindo das águas e terras espírito-santenses, tanto heroísmo demonstrou na libertação do Rio de Janeiro quando do domínio francês.
Após a passagem de Luís de Céspedes pelo Convento da Penha, em Vitória, o gráfico de seus padecimentos que havia atingido a ápices elevadíssimos, começa a decrescer, e, à sua chegada no Rio de Janeiro, no dia 4 de fevereiro de 1628 foi recebido cortês e afetuosamente pelo governador Martim Corrêa de Sá — tão cortesmente que, do Rio de Janeiro prosseguiu casado com uma filha de Gonçalo Corrêa de Sá, sobrinho do citado governador.
Fonte: O Convento da Penha, um templo histórico, tradicional e famoso 1534 a 1951
Autor: Norbertino Bahiense
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2017
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