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Vasco Fernandes Coutinho – Por Norbertino Bahiense

Igreja da Misericórdia antes e depois de sua demolição, 1910

Recuemos quatro séculos.

Acompanhemos Vasco Fernandes Coutinho, varão ilustre e das melhores tradições portuguesas, com relevantes serviços prestados à sua Pátria, em Goa, Málaca e China, filho de Jorge de Melo (o Lágio) e Dona Branca Coutinho. Após a travessia atlântica, chegou à Bahia, em busca de um porto abrigável, onde pudesse tomar posse da Capitania que em 1° de janeiro de 1534 lhe foi doada por D. João III, conforme reza a Carta Régia respectiva, e encontrou a enseada a que deu o nome de "Espírito Santo", a 23 de maio de 1535, portanto, apenas 35 anos após o encontro do Brasil.

Então, no Espírito Santo, tudo era virgem e a natureza falava sozinha, na plenitude da sua exuberância.

Gigantescas árvores agitavam-se, balouçando-se, nas margens da baía, e seus galhos seculares beijavam as águas, que subiam e desciam, nos fluxos e refluxos das marés.

A floração das árvores matizava o verde escuro das florestas que tomavam literalmente as suas praias.

No ápice farfalhante dos ipês, dos cedros e dos jequitibás, saltitavam os pássaros, voavam as araras, estrilavam as arapongas. E fazendo uma algazarra bem brasileira, os nossos brasileiríssimos papagaios dominavam a passarada inteira. Pertenciam-lhes, como ainda hoje lhes pertence, os extremos dos maiores troncos e os ocos dos paus mais altos. Reis que eram das alturas, jamais pensavam que, um dia, quatro séculos decorridos, voariam, igualmente, não rêmiges verdes, amarelas, brancas e escuras, porém, asas de aço em arcabouços monstros, dirigidos pela mão do homem.

Descendo mais, dessas árvores milenárias e nos ramos dos arbustos, piavam, em profusão, macucos, os jaós, mutuns e jacupembas e, pelas trilhas das selvas corriam jaguares dominadores, as antas e caetetus.

Não havia rei, entre a bicharada, porque, o reino já pertencia ao homem. Ele aqui estava e existia, na sua manifestação mais primitiva — o gentio. Era ele, sim, o rei absoluto. Aqui mandava e determinava tanto que até o sangue passou para as nossas veias, onde ainda circula, como integrante que é do tipo brasileiro.

Foi isto que encontrou Vasco Fernandes Coutinho, quando após avistar o "Mestre Álvaro", na sua caravela "Glória", varou a barra de Vitória, singrando-a de velas enfunadas, num Domingo do Espírito Santo.

Estourou no ar um tiro de canhão, talvez o primeiro a se ouvir em plagas capixabas. Correram os silvícolas a ver o que se passava e fugiram dos "monstros marinhos" aos gritos de: "m'boab", gente com cascos dizem uns, "homem de lá" afirmam outros, "galinhas de calças" traduzem os entendidos. E um segundo tiraço os afugentou. A "Glória" fundeava na enseada da hoje "cidade do Espírito Santo", mais conhecida por "Vila Velha", após vencer galharda e heroicamente a travessia marítima.

Parece que além da "Glória", outras embarcações vieram.

Gabriel Soares de Sousa, Simão de Vasconcelos e Fr. Vicente do Salvador, citados por Rocha Pombo, falam em "frota de navios", "uma boa frota à sua custa" e ainda "uma grande frota", motivando reticências do historiador citante, chamando a atenção para o reduzido pessoal que veio com o donatário e que não requereria grande frota.

Os célebres Tupiniquins, Goitacazes e Aimorés viam então, desembarcar em suas terras virgens, Vasco Fernandes Coutinho, possivelmente com sua família e seus 60 homens — a maioria dos quais turbulentos e indesejáveis, embora entre eles figurassem dois fidalgos — D. Jorge de Meneses e D. Simão de Castelo Branco, mais tarde tombados pelas flechas certeiras dos selvagens que, entre outros, também sacrificaram Manoel Ramalho e Bernardo Pimenta.

Deste modo Coutinho tomava posse da Capitania que lhe foi doada e que, segundo a citada Carta Régia, assim se confinava:

"De 50 léguas de terras as quais começarão na ponta onde acabam as 50 léguas de que tenho feito mercê a Pero de Campos Tourinho, e correrão para a banda do sul tanto quanto couber nas ditas 50 léguas, entrando nesta Capitania quaisquer ilhas que houver até 10 léguas ao mar na fronteira e demarcação destas 50 léguas, de que assim faço mercê ao dito Vasco Fernandes Coutinho, as quais 50 léguas, se estenderão e serão de largo e ao longo da costa, entrarão na mesma largura pelo sertão e terra firme a dentro tanto quanto puderem entrar e for de minha conquista etc".

Da terra na qual Vasco Fernandes Coutinho se empossava naquele grande dia, assim se pronunciava o jesuíta Antônio Pires, em sua Carta de Pernambuco datada de 2 de agosto de 1551:

"É a terra mais abastada e melhor de toda esta costa, segundo dizem todos".

E o jesuíta Afonso Braz, na mesma época, com o seu próprio testemunho, em Carta expedida do Espírito Santo, assim exaltava a terra:

"É esta terra, onde ao presente estou, a melhor e mais fértil do Brasil".

Antes de seguirmos as pegadas de Coutinho, assinalemos que o donatário não teria sido o primeiro em entrar na baía de Vitória, pois, segundo Rio Branco, foi ele precedido pela expedição de André Gonçalves e Américo Vespúcio em 1501, e, segundo outros, por Cristóvão Jacques em 1526.

Mas voltemos a Vasco Fernandes Coutinho.

Em recompensa aos serviços que prestara a Duarte de Lemos que o acompanhara quando de sua passagem pela Bahia, doou-lhe a ilha de Santo Antônio, hoje Vitória, Capital do Estado. Fê-lo a 15 de julho de 1537, retificando-a por escritura a 20 de agosto de 1540, havendo sido a doação confirmada em carta régia de 8 de janeiro de 1549.

Pela escritura lavrada em Lisboa pelo notário Gomes e Anes de Freitas se verifica que, insofismavelmente, Vasco Fernandes Coutinho a 20 de agosto de 1540 se encontrava na Capital Portuguesa, à rua do Barão e com ele estavam Duarte de Lemos e as testemunhas do ato da escritura; O fidalgo Fernão Velez, Pedro Garcia "morador na Vila do Espírito Santo" e que, portanto, acompanhou Coutinho à Europa; Ruy Fernandes, criado de Vasco Fernandes Coutinho e Antônio da Costa, criado de Fernão Velez.

Logo depois da data citada, regressava à sua Capitania para retornar a Portugal em 1552 e voltar em 1556.

Em 1551, quando já se lhe obumbrava a estrela, apelou para o concurso dos missionários, e conseguiu a vinda para o Espírito Santo do padre Afonso Braz que, na ocasião, relevantíssimos serviços prestou aos colonos e gentios, não evitando, porém, as lutas que obrigaram a quase todos deixarem Vila Velha e se mudarem para Vitória.

Em 1553, Afonso Braz é substituído pelo padre Braz Lourenço, que não foi feliz ao trazer para o Espírito Santo uma das tribos em luta na Guanabara, sob a chefia de Maracaia-guassu, o que deu causa a uma insurreição geral dos Goitacases.

Por volta de 1558, no recrudescimento da luta imposta pelos Goitacases e também os Aimorés e Tupiniquins, foi pelos mesmos cercado na vila de sua capitania.

Mem de Sá mandou o seu próprio filho Fernão de Sá socorrê-lo, mas este com "seis velas e perto de 200 homens" em vez de vir a Vitória, subiu o Cricaré (São Mateus) e morreu flechado pelos indígenas.

Mais tarde Coutinho andou escrevendo de Ilhéus, alegando estar doente, aleijado, velho e cercado de doenças.

A sua própria vila de Vitória, a essa altura, em 1559 teve a lhe agravar os destinos uma epidemia que matou muita gente, sepultando-se nos adros das igrejas onde, segundo o costume, chegaram a enterrar mais de dez cadáveres por dia.

Nas suas tristezas e decepções, destacam-se as que lhe infligiu Duarte de Lemos, a quem doara a Ilha de Vitória e que mais tarde o intrigaria perante a Corte.

Dos seus últimos companheiros, nas horas amargas da derrota que os naturais da terra lhe vinham infligindo, uma grande figura se destacou para salvar os já extraviados e que somavam um total de 68 homens. Foi Diogo de Moura. Graças ao seu valor e energia, esse pugilo de bravos derrotava os aguerridos silvícolas, daí surgindo o nome de Vitória que passou a ter a ilha outrora Santo Antônio, Duarte de Lemos, Vila Nova e depois Vitória até os nossos dias.

Das lutas entre o pessoal do donatário e os gentios e do descontentamento que passou a reinar entre os próprios colonos, adveio o enfraquecimento do primitivo governo.

A 3 de agosto de 1560, Mem de Sá aceitava a renúncia de Coutinho que poucos meses sobreviveu, pois faleceu em outubro de 1561. Substituiu-o, provisoriamente, o capitão-mor Belchior de Azevedo que assumiu a Capitania no mesmo mês e ano em que faleceu Coutinho.

Gabriel Soares de Sousa, citado por Mário Freire, diz: "no povoar desta Capitania gastou Vasco Fernandes Coutinho muitos mil cruzados que adquiriu na Índia e todo o patrimônio que tinha em Portugal, que todo para isso vendeu; o qual acabou nela tão pobremente, que chegou a darem-lhe de comer por amor de Deus e não sei se teve um lençol em que o amortalhassem".

O infeliz povoador do solo Espírito-santense faleceu em Vila Velha, antiga Vila e hoje cidade do Espírito Santo, em 1561 e segundo Basílio Carvalho Daemon — (Província do Espírito Santo) um dos credenciados historiadores da terra capixaba, "foi enterrado na Vila do Espírito Santo, onde residia."

Alguns historiógrafos de nossos dias, invocando os termos de uma certidão do Provedor da Fazenda do Espírito Santo, Manoel de Morais, datada de 27 de julho de 1682 e publicada como documento inédito na "Terra Goitacá" de Alberto Lamego, afirma que os ossos do malogrado donatário estavam em Vitória, na Casa da Misericórdia, que foi demolida, dando lugar ao atual edifício da Assembléia Legislativa do Estado.

Continuando entre nós o construtor André Carloni, em plena atividade de sua profissão, dirigiu-lhe o autor deste livro a seguinte carta, sobre tão palpitante assunto:

Vitória, 11 de junho de 1951. Prezado amigo André Carloni. Em benefício dos registros históricos do Espírito Santo venho lhe pedir o obséquio de me responder os quesitos abaixo, uma vez que foi você quem chefiou a demolição da antiga Igreja da Misericórdia, dando lugar ao atual edifício da Assembléia Legislativa do Estado:

1 — Quando foi demolida a Igreja?

2 — Sabia ou ouviu falar que os ossos de Vasco Fernandes Coutinho estavam em uma arca nela sepultados?

3 — Havia ossos humanos na Igreja?

4 — Como estavam esses ossos guardados e sepultados?

5 — Foram removidos ossos da Igreja?

6 — Qual o destino que tomaram os ossos removidos e onde estavam?

7  — Foram removidos todos os ossos?

8 — Em que local da Igreja supõe terem sepultado a arca com os ossos de Vasco Fernandes Coutinho?

9 — Atribui tenham sido removidos para o mesmo destino dos outros ou julga que tenham ficado no terreno onde se construiu a seguir a atual Assembléia Legislativa?

10 — O que mais pode informar como testemunha, como construtor e como dedicado reconhecido que é aos fatos e coisas do Espírito Santo?

Aguardando sua obsequiosa resposta, subscrevo-me atenciosamente amigo grato (as)  ..............."

A resposta veio, imediata, nos termos que se seguem:

"Vitória, 14 de junho de 1951. Prezado amigo ...... Em resposta a sua carta de 11 do corrente, em que solicita de mim que lhe informe e responda alguns quesitos formulados na referida carta, cujo assunto é com referência à demolição por mim feita, da antiga igreja da Misericórdia aonde acha-se hoje edificado o prédio da Assembléia Legislativa, assim, em atenção ao pedido, respondo:

1.° — QUANDO FOI DEMOLIDA A IGREJA? Em 1910.

2.° — SABE OU OUVIU FALAR QUE OS OSSOS DE VASCO FERNANDES COUTINHO ESTAVAM EM UMA ARCA NELA SEPULTADOS? Não sabia

3.° — HAVIA OSSOS HUMANOS NA IGREJA? Sim, tanto no interior da igreja e também em um cemitério que ficava ao lado da igreja na parte que dava para a Rua Muniz Freire, existiam também alguns jazigos embutidos nas paredes que cercavam o referido cemitério.

4.° — COMO ESTAVAM ÊSSES OSSOS GUARDADOS E SEPULTADOS? Parte enterrada no chão do cemitério e na nave da igreja e parte em jazigos embutidos nas paredes.

5.º — FORAM REMOVIDOS OS OSSOS DA IGREJA? Sim, os que foram encontrados foram removidos para o Ossário que existia no cemitério de São Francisco.

6.° — QUAL O DESTINO QUE TOMARAM OS OSSOS REMOVIDOS E ONDE ESTAVAM? Prejudicado pela resposta do quesito 5º.

7.° — FORAM REMOVIDOS TODOS OS OSSOS? Não, só foram removidos os encontrados nos lugares onde foram feitas as escavações dos alicerces do novo edifício.

8.° — EM QUE LOCAL DA IGREJA SUPÕE TEREM SEPULTADO A ARCA COM OS OSSOS DE VASCO FERNANDES COUTINHO? Nada posso informar nesse sentido, pois não sabia que existisse alguma arca com ossos.

9.° — ATRIBUI TENHAM SIDO REMOVIDOS PARA O MESMO DESTINO DOS OUTROS OU JULGA QUE TENHAM FICADO NO TERRENO ONDE SE CONSTRUIU A SEGUIR A ATUAL ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA? Não posso afirmar que tais ossos tenham sido removidos, afirmo porém que ficaram muitos ossos no local onde está construído o edifício da Assembléia Legislativa, principalmente os que se encontravam sepultados na nave da antiga igreja, local hoje que fica na parte central do novo edifício.

Sempre às vossas ordens, sou Vosso Crdo. Obrdo. (as). André Carloni."

Da resposta de Carloni se conclui que, no caso dos ossos de Coutinho estarem na Misericórdia de Vitória, em 1910, eles ainda teriam permanecido no terreno do atual edifício da Assembléia Legislativa ou teriam sido removidos para o monturo do Convento de São Francisco, perdendo-se como infelizmente ali se perderam os de Pedro Palácios.

Não, tirei, entretanto, do valiosíssimo documento publicado por Alberto Lamego, as mesmas conclusões desses historiógrafos entre os quais, é justo dizer, figuram alguns de renomado valor.

E assim não conclui, pelas razões seguintes:

O documento registrando as obras e feitos do donatário Cel. Francisco Gil de Araújo a quem é dirigido, diz, em determinado trecho:

"A Casa da Misericórdia que não se via mais que os vestígios, mandou V. S. levantar, ficando perfeitíssima a que mandou V. S. dar sepultura decente aos ossos do primeiro donatário Vasco Continha, que soterrados em u’a arca ainda se conservam relíquias dele."

Desse trecho não se pode chegar à conclusão de que se tratava da Misericórdia de Vitória. O próprio documento esclarecedor indica, nos seus precisos termos, que a Casa da Misericórdia reconstruída por Francisco Gil de Araújo, foi a de Vila Velha (hoje cidade e ex-vila do Espírito Santo).

Transcrevamos o trecho completo do mencionado códice de 27 de julho de 1682 e que bem esclarece o caso:

"Este é o estado em que V. S. deixa a capitania, em tão breve tempo tão avantajada do ínfimo em que a achou; estava incapaz de defesa, hoje fortificada com 3 fortalezas das melhores do Estado com 17 soldados e 2 artilheiros estava esta praça, hoje fica com 33, 6 artilheiros e um condestável. 4 Companhias tinha somente e hoje 9; duas vilas atenuadas a da Vitória e do Espírito Santo hoje redificados. A vila da Vitória com a casa da Câmara concertada; os templos que estavam arruinados hoje com grande asseio estão em sua perfeição, concorrendo V. S. com sua ajuda de custo para tudo: A Vila do Espírito Santo que somente aparências de vila tinha, mandou V. S. fazer casa de Câmara que nunca teve, pelourinho, tudo de pedra e cal e tão perfeito que se não acha vila que a tenha como ela. A Casa da Misericórdia que não se viam mais que os vestígios, mandou V. S. levantar, ficando perfeitíssima a que mandou V. S. dar sepultura decente aos ossos do primeiro Donatário Vasco Coutinho que soterrados em u'a arca ainda se conservam relíquias deles. Está hoje essa vila muito enobrecida, assim na justiça como no mais."

Pela própria seqüência da exposição de Manoel de Morais, descreve ele em primeiro lugar a Vila da Vitória, depois passa à Vila do Espírito Santo (Vila Velha) e a seguir à Vila da Conceição (Guarapari).

Não se compreende que se referisse à Vila da Vitória, seguisse a do Espírito Santo e retornasse inexplicavelmente à citada Vitória antes de prosseguir para Guarapari. A sequência do registro não permite tal dedução. Os seus termos indicam que a referência é mesmo à Misericórdia de Vila Velha e não à de Vitória.

Como se vê, a grande instituição pia criada pelo abnegado Frei Miguel de Contreyras e cuja Irmandade foi instituída em Lisboa em agosto de 1499, também teve sua ramificação em Vila Velha. E Jaboatão, em seu livro "Novo Orbe Seráfico Brasílico" impresso em 1761, diz na Digres. IV Est. III:

"A Vila do Espírito Santo tem também Casa de Misericórdia e é a que lhe serve de paróquia."

Confirma assim a certidão de Manoel de Morais, pois reconstruída por Francisco Gil de Araújo pelo menos em 1682, ainda existia em 1761 segundo o citado Jaboatão.

Pizarro também a assinala com detalhes em "Memórias Históricas do Rio de Janeiro" II volume, sob o título "Nossa Senhora do Rosário da Vila e Capitania do Espírito Santo, dizendo:

"Erigindo o Donatário a sua povoação, e logo uma Vila em sítio raso, junto ao monte de N. Senhora, à mão esquerda da entrada da barra do Rio que, por caminho de terra, dista 8 a 10 léguas ao norte da vila de Guarapari, dedicou ambas as fundações ao Espírito Santo e com a mesma denominação fez conhecida a terra em circuito. Com o princípio do fundamento civil teve origem o da igreja primeira sob a vocação especiosa do Rosário, que arruinada, foi substituída por outra Casa intitulada da Misericórdia. Tem esta de comprimento, desde a porta principal até o arco Cruzeiro, setenta palmos, e de largura cinqüenta e quatro; do arco ao fundo da Capela mór, o comprimento de sessenta palmos e largura de vinte e oito. São construídas as paredes de pedra e cal, para que concorreu a Fazenda Real, mandando dar duzentos mil réis por C. R. de 18 de nov. de 1709; porém as forças diminutas dos paroquianos não permitiram concluir-se de todo a Capela mor sem ajutório mais poderoso, cujo remate foi devido ao atual Vigário Colado. Tem três altares."

Pelo que diz Pizarro, a Misericórdia de Vila Velha sofreu nova reconstrução para a qual concorreu a Fazenda Real com duzentos mil réis conforme C. R. de 18 de novembro de 1709, reconstrução esta que ainda não atingiria o fim colimado por isso que a conclusão da Capela mor somente se conseguiu mais tarde.

O próprio Alberto Lamego que publicou o discutido e precioso registro, diz às folhas 374 que V- volume de seu magnífico livro "A TERRA DE GOITACÁ": "Em 1682 os seus ossos se achavam em sepultura decente na Casa da Misericórdia da Vila do Espírito Santo". V. 1° V. Terra Goitacá".

No índice do Volume I, fls. 116, do mesmo livro, especifica:

"Os ossos do 1° donatário Vasco Coutinho guardados em uma arca na Misericórdia da Vila do Espírito Santo."

Assim, não há fugir, Alberto Lamego publica um documento de 1682 dizendo que os ossos de Vasco Fernandes Coutinho estavam em Vila Velha.

Basílio Carvalho Daemon não indica a fonte em que colheu a sua afirmativa do enterro de Coutinho em Vila Velha, sendo quase certo ignorar o códice publicado por Lamego, como documento inédito e descoberto pelo consagrado historiador nas suas buscas pela Europa. Deocleciano de Oliveira, inteligente, pedagogo de alto mérito, pesquisador cuidadoso, afirma em sua "História da Província do Espírito Santo":

"Faleceu em outubro de 1561 e cita a afirmativa de Daemon: "sendo enterrado na Vila do Espírito Santo", que outra não é senão Vila Velha.

Voltando aos antigos, retornemos ao ano de 1730 e nele vamos encontrar o velho Rocha Pita em "História da América Portuguesa" livro segundo-82, registrando, ao se referir à Vila do Espírito Santo (Vila Velha):

"Na do Espírito Santo há a Misericórdia que serve de Matriz......"

Ampliando-se a transcrição do trecho 82 citado, verifica-se que, além da Misericórdia de Vila Velha, Rocha Pita fez referência igualmente à de Vitória, assinalando assim, num mesmo tópico, a existência de ambas na ocasião em que escreveu, conforme se vê a seguir: "Província do Espírito Santo. Em altura de vinte graus e um quarto, está a Província do Espírito Santo, com cinqüenta léguas de costa: compreende três Vilas, uma, que deu o nome à Província, outra de Nossa Senhora da Vitória e a de Nossa Senhora da Conceição: a da Vitória tem suntuosa Matriz, um grande Convento dos Padres da Companhia das suas mais antigas fundações, um de S. Francisco, outro do Carmo, boa Casa de Misericórdia e uma Igreja de Santa Luzia. Na do Espírito Santo há a Misericórdia, que serve de Matriz e dela vai Nosso Senhor por Viático aos enfermos."

A atual Igreja do Rosário, de Vila Velha (antiga Vila e hoje cidade do Espírito Santo) tem as exatas dimensões descritas por Pizarro, exceção feita unicamente na largura, por isso que foi demolida uma parede externa, do lado esquerdo de quem entra e que, fronteira à atual parede desse lado, fazia um corredor como se vê nas igrejas antigas.

Também a igreja do Rosário tinha o seu cemitério aos fundos, estendendo-se até a distância aproximada ocupada pelo primeiro canteiro do atual jardim público.

No arrasamento do cemitério citado, participou André Carloni, em 1910, para colocação dos trilhos da linha de bonde.

Em 1936, sendo Prefeito o sr. Eugênio Pacheco de Queirós, foi construído o jardim atual e no terreno pelo mesmo ocupado ainda se encontraram ossos da antiga necrópole.

Dentro da velhíssima e subsistente igreja não há agora, nenhum vestígio de ossos humanos. Conclui-se, assim:

1.° — Que a Misericórdia a que se refere o códice de Manoel de Morais, de 27 de julho de 1682 é a de Vila e hoje cidade do Espírito Santo, mais conhecida por todos os capixabas pelo seu antiquíssimo nome de Vila Velha.

2.° — Que essa Misericórdia teve sua sede na Igreja do Rosário da localidade citada, igreja esta ainda hoje existente e funcionando.

3.° — Que nessa Igreja ou no seu cemitério, estavam os ossos de Vasco Fernandes Coutinho.

4.° — Que, com a demolição de uma das principais paredes da referida igreja e com o arrasamento do seu cemitério, desapareceram totalmente esses ossos.

SUCESSORES DE VASCO FERNANDES COUTINHO

Herdou a Capitania um filho legitimado de Coutinho e que tomou o seu nome — Vasco Fernandes Coutinho Filho, tendo-lha transferido Belchior de Azevedo.

Por sua morte, em 1589, assumiu a direção sua viúva Dona Luísa Grinalda, auxiliada pelo Capitão-mor Miguel de Azeredo que dirigiu, sozinho, a Capitania desde 1593 quando a viúva se retirou para Portugal e até 15 de julho de 1620, data em que se empossou o 3º donatário Francisco de Aguiar Coutinho, sucedido por Antônio de Aguiar Coutinho que, por sua vez foi substituído por Antônio Gonçalves Câmara e depois Ambrósio de Aguiar Coutinho da Câmara que se empossou em 15 de julho de 1643.

Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, sucessor de Ambrósio de Aguiar Coutinho Câmara traspassou a Capitania ao Cel. Francisco Gil de Araújo, em 6 de junho de 1674, por 40 mil cruzados.

Foi este precedido por Manoel Garcia Pimentel, substituindo-o Cosme Rolim de Moura, que vendeu a Capitania à Coroa pelos mesmos quarenta mil cruzados, em 6 de abril de 1718.

Após 192 anos que foi o período dos donatários, passou a Capitania a ser dirigida por Capitães-mores a partir de 1718.

 

Fonte: O Convento da Penha, um templo histórico, tradicional e famoso 1534 a 1951
Autor: Norbertino Bahiense
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2017

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