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Pedro Palácios – Por Norbertino Bahiense

Inscrição, datada de 1864, por Frei Teotônio na entrada da Gruta de Frei Pedro Palácios

Em 1558, antes do falecimento de Vasco Fernandes Coutinho, chegou Pedro Palácios ao Espírito Santo.

O grande franciscano era daqueles paladinos da religião que, do outro lado do Atlântico, se alvoroçaram quando, na velha Europa, souberam da existência deste Eldorado, deste imenso e recém-encontrado país, onde se lhes oferecia a feliz oportunidade de praticar os preceitos cristãos, na obra piedosa de civilizar o gentio e levar-lhe o conforto da fé.

Não resistindo aos anseios de sua alma ardorosa, o piedoso frade espanhol partiu para o Brasil.

Trazia ele as saudades da terra natal, lá pelas bandas de Salamanca, em Medina do Rio Seco, na Castela. Mas, se de um lado, lhe cruciavam as saudades, do outro lampejava a chama consagradora da fé a iluminar o caminho da santa cruzada empreendida.

Na longa e penosa travessia, a tripulação dele se acercava, principalmente, nos momentos de procela, de furiosa agitação no mar. Dia houve em que tremenda borrasca destruiria a frágil nau, se não fora — disseram, — a lembrança de aplacar-se o furor das ondas, com as súplicas da fé, envoltas no manto de Pedro Palácios, atirado às ondas inclementes.

Ao saltar, em Vila Velha perante a tripulação do barco que o transportara, já trazia a auréola de santo.

Entregues às novidades da terra e aos quefazeres do desembarque, os seus companheiros não se aperceberam do destino tomado pelo frade, o qual possuía, em sua bagagem, um lindíssimo painel de Nossa Senhora, esse mesmo painel que ainda existe no Convento da Penha e, recentemente, às expensas do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, foi restaurado, sob a orientação do pintor patrício Edison Mota, a quem se deve a classificação da pintura como de procedência castelhana, de autor desconhecido, afastando a possibilidade da autoria de Ticiano, a quem se atribuía.

Dois dias depois, encontraram Pedro Palácios na gruta ainda existente ao pé da montanha, ao lado do pórtico principal que dá acesso à ladeira. Ele aí ficou, tendo organizado um "passo" ou pavilhão, expondo o painel e chamando os fiéis à prece e à devoção.

Nesta gruta viveu seis anos, desprezando as casas que se lhe ofereciam para residir, alegando que "a casa não era para o ermitão."

Foram seus companheiros um negro velho, escravo do Capitão Melchior de Azevedo, um cão e um gato. Essas três criaturas fiéis figuram no magnífico quadro de Benedito Calixto, existente na Penha.

Certo dia (diz a lenda e contam os historiadores) os devotos não encontraram Pedro Palácios nem o painel, na gruta. Pelo latido do cãozinho, assinalaram-no entre a floresta virgem, ao meio do monte.

Foram-lhe ao encontro e então ele disse que o painel havia desaparecido e que o estava procurando. Depois de ingentes esforços e penosa procura pelo, já numeroso grupo, conseguiram atingir o cume, onde, entre duas palmeiras, encontraram o painel.

Quem o teria levado para lá? "Os anjos que respondam", diz Peçanha Póvoa, citado por Gomes Neto.

Religiosamente, foi o painel reconduzido à gruta, mas, diante do ocorrido, Pedro Palácios que era devoto de S. Francisco, promoveu a construção da capela dedicada ao Santo, na chapada junto ao cume, em 1562, no lugar, hoje denominado Campinho e onde estacionam os veículos que vão à Penha. Existem, ainda, as ruínas dessa capela, diante das quais, num cruzeiro, penduravam-se lanternas, à noite, para servirem de farol aos navegantes.

Para essa capela Pedro Palácios levou a imagem de S. Francisco e o quadro de Nossa Senhora.

A imagem do santo ficou lá, mas o painel novamente desapareceu, sendo encontrado ainda uma vez, no píncaro, entre as duas palmeiras. Resolveu, então, Pedro Palácios deixar São Francisco na capela e fazer uma ermida no cume, no local exato onde reencontraram o painel, o que fez, no lapso de 4 anos, isto é, de 1566 a 1570.

A essa altura, é oportuno relembrar que dessas palmeiras ainda existiam vestígios sob o altar mór, pelo menos até 1841, na guardiania de Frei Gustavo de Santa Cecília, pois, nessa época, 276 anos após, ainda se mostravam aos curiosos os grelos restantes.

Pedro Palácios foi o verdadeiro fundador do Convento da Penha, porque edificou a ermida no local em que ainda está. Ele mesmo, velho e alquebrado, ajudado por outros, carregou os primeiros materiais até o lugar da ermida. A obra foi sua. Outros completaram-na, de ermida a capela, de capela a igreja, de igreja a recolhimento e daí a convento propriamente dito, casa de romeiros e, até, senzalas para escravos. De grande valia foi, igualmente, o trabalho dos seus sucessores, transformando a ermida na suntuosa obra que é hoje o Convento da Penha, o guarda secular da veneranda imagem de Nossa Senhora da Penha, encomendada por Pedro Palácios a Portugal e aqui chegada em 1569, exatamente quando se concluía a construção da ermida, proporcionando ao grande batalhador a alegria da primeira festa da Penha, realizada a 1° de maio de 1570.

Efetivada essa sua grande e justa aspiração, e, quando ainda subiam aos céus os ribombos e as manifestações alegres de todos quantos ali estavam, também aos céus subiu a alma do grande frade, por isso que logo no dia seguinte, a 2 de maio, foi encontrado morto na capela de S. Francisco e piedosamente conduzido e sepultado na ermida.

Das alturas siderais a que foi alçada a sua alma, forçosamente ela havia de se voltar, como voltada deverá estar sempre para aquele monte bendito, onde há algo de magnético a atrair os que se distanciam da matéria para se aproximarem e se identificarem com o espírito.

Sob a direção de Frei Lourenço de Jesus, os seus ossos foram trasladados para o Convento de S. Francisco, em Vitória, a 18 de fevereiro de 1609, sob vigorosos protestos dos vila-velhenses. Estes só se conformaram com a trasladação, porque, com eles, deixaram alguns ossos do finado.

Todos o tinham por santo, e corre ainda a lenda de que, ao morrer, os sinos da Penha dobraram por si.

Infelizmente, os seus ossos desapareceram nas demolições e reconstruções do Convento de S. Francisco, feitas pelo Padre Leandro Del'Huomo, o que foi duramente lamentado por Frei Basílio Rower, em sua obra "Páginas de História Franciscana no Brasil."

No Convento de São Francisco os ossos de Pedro Palácios estavam na parede, em urna aberta, junto à capela de São Boaventura, assinalados com a inscrição:

"HIC JACENT OSSA PETRI PALATII"

Diante de tão santa vida, não é de estranhar que o Vaticano tivesse cogitado de sua canonização, o que aliás iniciou em processo regular a 27 de julho de 1616, não se conhecendo, porém, o seu termino.

Quando, em 1609, foram trasladados para Vitória os ossos de Pedro Palácios, aqui já se encontravam, havia 12 anos, os restos mortais do grande jesuíta José de Anchieta, falecido a 9 de junho de 1597.

Do insigne apóstolo do Brasil, que durante 44 anos tantos e tantos relevantes serviços nos prestara, se diz que o seu corpo não se decompôs dentro do prazo normal.

Do mesmo modo, afirma-se que, ao serem trasladados os ossos de Pedro Palácios, 39 anos após a sua morte, na sepultura aberta, encontraram a massa cerebral incorrupta, seca; perfeito o esqueleto e, ainda, um resto do hábito e do cordão.

Em 1864, Frei Teotônio de Santa Humiliana, o último guardião do Convento, mandou colocar na gruta a seguinte lápide:

Epce Petri Palacios arcta habitatio prima

Qui Dominam a Rupe vexit ad ista loca,

Mirum Coenobium construxit vertice rupis,

Quo tandem Dominae transtulit effigiem 

Quam magnis meritis vita decessit onustus,

Jam promissa bonis praemia coelitum habet.

Obiit 1575. Jacet in Conv. S. Francisci Victoriae.

F. T. S. H. An. 1864

 

Eis de Pedro Palácios a primeira e estreita habitação

O qual trouxe para estes lugares a Senhora da Penha.

Construiu no cume do monte um admirável Convento,

Para onde transferiu, finalmente, a Imagem.

Onerado de grandes merecimentos passou desta vida

E já possui os prêmios celestes prometidos aos bons.

Morreu em 1575. Jaz no Conv. de S. Francisco de Vitória.

Frei Teotônio de Sta . Humiliana, ano de 1864.

 

O ano de 1575 gravado por Frei Teotônio de Santa Humiliana como o da morte de Palácios, não está de acordo com o que figura na lápide que cobria a sepultura do mesmo, na ermida e que segundo Frei Basílio Rower era o seguinte:

Sepultura do Santo Fr. Pedro Palácios, natural do Rio Seco em Castela, fundador desta Hermida, que assim na vida, como depois da morte; floresceu com milagres. — Faleceu na Era de 1570.

 

Quanto à tradução da lápide de Frei Teotônio de Santa Humiliana, Frei Basilio Rower ainda diz: "O que diz sobre o Convento não corresponde à verdade histórica. Frei Palácios não construiu o Convento, fez apenas uma pequena ermida".

No registro de Frei Teotônio na referida lápide, deve-se notar o que ele consubstancia "para onde transferiu, finalmente a imagem". Atribuiu, pois, a transferência da imagem — ou melhor digamos — do painel, a Frei Pedro Palácios e não a qualquer milagre como outros indicam e como é corrente na tradição popular.

Aliás, os mais antigos que escreveram sobre a Penha, como Frei Apolinário e Jaboatão, nenhuma referência fazem a esses fatos extraordinários da mudança milagrosa do painel.

Quanto à localização da primeira residência de Frei Pedro Palácios, historicamente firmada como sendo na conhecida gruta ao pé da montanha, o próprio Frei Basílio Rower põe em dúvida, baseado em Frei Manuel da Ilha, Frei Apolinário, Jaboatão e Frei Vicente do Salvador.

Diz ele textualmente:

"Frei Manuel da Ilha não somente se cala sobre qualquer estada de Frei Palácios numa gruta ou cabana, seja ao sopé da montanha, seja na dita planura, mas afirma, e é o único de todos os autores, que ao chegar o Irmão à Vila Velha os moradores ofereceram-lhe a ermida da Penha já existente, na qual, então morou uns 8 a 9 anos."

Pena é que haja desaparecido o primitivo Tombo da Penha de onde poderia surgir a verdade sobre tão palpitante registro.

A transcrição do que disse Frei Manuel da Ilha, no livro citado de Frei Basílio Rower, levou-me a dirigir-lhe, em 16 de janeiro de 1947, a seguinte consulta:

"Na pág. 235 o Sr. diz, citando Insulano, fls. 283 v. que segundo Frei Manuel da Ilha, Pedro Palácios quando chegou aqui "ofereceram-lhe a ermida da Penha já existente". Ora isso vem destruir inteiramente toda a história conhecida do glorioso Convento. Quem é esse Insulano que o Sr. cita e o que ele diz textualmente? Onde poderei encontrá-lo?"

A resposta não se fez esperar, pois a 29 do mesmo mês, recebia a seguinte atenciosa resposta:

"Sobre Frei Manuel da Ilha (Insulano) veja pág. 10 no meu livro Páginas de História Franciscana no Brasil. O manuscrito dele não existe mais, perdeu-se na revolução comunista na Hespanha. Um confrade meu tem a fotocópia da qual me servi, e é o único exemplar que existe, que naturalmente não poderá adquirir. O que refiro à pág. 235 do dito meu livro não é minha opinião, mas do Insulano, que neste ponto não merece fé. Cfr. a nota 22 pág. 238".

A nota 22 — pág. 238, do livro citado de Rower, assim diz.

"22) Insulano, fls. 283. — Rev. Inst. Hist. Br. t. 19 (1856) pág. 163 — Não tem faltado quem negasse a Frei Palácios a autoria da ermida da Penha. Mas o fato está plenamente provado não somente por Jaboatão, fundado no depoimento do processo de 1616, mas também pela escritura de 1591, que adiante transcreveremos. Aí está também o testemunho do ven. Anchieta, que, em 1572. escreve:

"Esta ermida edificou-a um castelhano com (sem) ordem sacras, chamado Frei Pedro, frade dos capuchos (franciscanos)". A vista, pois, dos argumentos, é singular a opinião em contrário, como já aparece no manuscrito de Insulano. Este autor atribui a construção, no cume da montanha, de um pavilhão, que depois chama sacelo e até igreja, a um homem do povo (quidam vir plebejus), que mais tarde teria passado o edifício a Frei Palácios (Insulano, fls. 282 v.). Frei Apolinário já conhecia esta versão e qualifica-a de "engano de um historiador". Frei Apolinário, Epitome, § 8."

OS SUCESSORES DE PALÁCIOS

A Pedro Palácios sucedeu, a seu pedido, Nicolau Afonso, um simples irmão da Confraria de N. Senhora da Penha, o qual, em 1637, reformou a Ermida das Palmeiras, acrescentando-lhe um alpendre na frente. Nesse mesmo ano Frei Paulo de Santo Antônio ampliou a sacristia.

A ermida passou a capela, com a coadjuvação de Amador Gomes, Braz Pires e diversos trabalhadores.

Por instância de Vasco Fernandes Coutinho Filho (filho bastardo do falecido donatário), o Custódio de Pernambuco, frei Melchior de Santa Catarina, para aqui mandou, em 1589, Frei Antônio dos Mártires e Frei Antônio das Chagas, os quais prosseguiram a obra de Pedro Palácios, na Penha, tendo o segundo regressado a Pernambuco e aqui retornando em 1591, já com a prelazia do futuro recolhimento. Era então a Capitania governada pela viúva de Coutinho Filho, Dona Luisa Grinalda, assessorada pelo capitão das Ordenanças Miguel d'Azeredo.

Coube a Dona Luisa Grinalda, em 6 de dezembro de 1591, doar aos franciscanos o monte da Penha, sujeito à jurisdição do comissário provincial do Convento de S. Francisco, em Vitória, sob a aprovação do administrador do bispado do Rio de Janeiro, Bartolomeu Simões Pereira, que estava no Espírito Santo refugiado por causa das perseguições que lhe moveram, na Capital do país, por enfrentar abusos contrários à religião. Delas não pôde escapar, mesmo em Vitória, onde, ao que se diz, vieram envenená-lo. Aliás, em 1640, deram, em Vitória, uma droga a outro refugiado de São Paulo e Rio, Padre Antônio Marim Loureiro, causando-lhe a loucura.

A escritura de doação, de 6 de dezembro de 1591, vai transcrita no Capítulo VI — (Documentos e registros do século XVI) .

Somente em 1637 os franciscanos edificaram o corpo da Igreja de Nossa Senhora da Penha.

Em 1650, fundaram o Convento.

Em 1652, o governador do Rio de Janeiro, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, passou a concorrer para a Penha com a dádiva perpétua de cem mil réis e vinte e cinco reses, por ano, saindo as reses de suas fazendas em Campos, fazendo jus para si e seus descendentes ao título de "Padroeiros venturosos do Convento da Penha" que, em 10 de setembro de 1653 lhes conferiu o Prelador-mor da Bahia.

Em 1664, quando o seu filho Martim Corrêa Vasques visitou a Penha, elevou a dádiva de reses para vinte e sete e os seus sucessores aumentaram para trinta.

 

Fonte: O Convento da Penha, um templo histórico, tradicional e famoso 1534 a 1951
Autor: Norbertino Bahiense
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2017

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