Democracia e golpe
Henrique Teixeira Lott deixou o ministério da Guerra no início de 1960 para disputar as eleições presidenciais de novembro. Era o candidato do governo. Tinha conquistado a indicação do Partido Social Democrático (PSD) e o apoio do então presidente Juscelino Kubitschek. Cinco anos antes, Lott esteve no centro de uma grave crise política, quando desempenhou um papel fundamental na manutenção da legalidade. Na corrida presidencial de 1955, Café Filho, que substituíra Getúlio Vargas após sua morte, foi duramente pressionado para que impedisse a candidatura de JK e João Goulart, vice em sua chapa.
Com o suicídio do Solitário de Itu, no ano anterior, políticos da União Democrática Nacional (UDN) liderados pelo deputado Carlos Lacerda vislumbraram a chance de extirpar de vez o varguirmo. Apoiados por setores das Forças Armadas, chegaram a ensaiar o lançamento de uma chapa única, de centro-direita, reunindo o PSD e a UDN. Mas a candidatura de JK, apoiado pelos comunistas, e Jango, historicamente ligado à figura de Vargas, frustrou a proposta dos antigetulistas. Em linhas gerais, dois projetos bem definidos polarizavam o debate político e econômico na época: o nacional-estatismo e o liberalismo-conservador.
Os que defendiam o primeiro queriam uma industrialização baseada nos bens de capital, a intervenção do Estado em setores estratégicos, o fortalecimento do capitalismo nacional, a adoção de uma política externa independente e a criação de uma extensa rede de proteção social. Os partidários do segundo falavam em liberdade de mercado, em não intervenção estatal, em abertura da economia ao capital externo e no alinhamento incondicional aos Estados Unidos — tudo isso somado a uma certa desconfiança em relação aos movimentos sociais e à participação cada vez maior das massas no mundo da política.
Os liberais-conservadores acreditavam que a vitória de Juscelino poderia trazer o nacional-estatismo, parcialmente abandonado com a guinada à direita do governo Café Filho, de volta para o primeiro plano. Assim, a divulgação do resultado só fez aumentar as pressões sobre o presidente. Se JK e Jango venceram, não deveriam tomar posse. A cizânia também se instalou entre os militares quando o ministro da Guerra, marechal Henrique Lott, ao contrário de alguns setores do Exército, declarou-se a favor da legalidade. Ou seja, da posse de Juscelino como presidente e Goulart como vice, em janeiro de 1956.
Na época, Lott exigiu que Café Filho punisse um coronel que se pronunciara publicamente contra a posse dos eleitos, contrariando a posição oficial do Ministério da Guerra. Mas Café, em meio à crise. afastou-se do cargo alegando problemas de saúde. Em seu lugar, assumiu Carlos Luz, presidente da Câmara, que também negou-se a punir o coronel. Foi então que Lott deu início a um amplo movimento contra o presidente em exercício, derrubado com apenas três dias de governo. Nesse meio tempo, Café Filho, subitamente recuperado, tentou retornar ao cargo, mas foi impedido por Lott, que garantiu a posse de Nereu Ramos, vice-presidente do Senado e primeiro na linha de sucessão. Um golpe preventivo garantiu a ordem legal.
No início do ano seguinte, ao tomar posse como presidente da República, JK decidiu manter Henrique Lott no ministério da Guerra, de onde saiu apenas em 1960 para disputar as eleições.
Para Juscelino, velha raposa da política brasileira, o apoio ao marechal fazia parte de seu futuro projeto: a sucessão de 1965, quando pretendia voltar ao Palácio do Planalto. Conhecendo seu histórico legalista, JK sabia que eram remotas as chances de Lott não aceitar o resultado das urnas — ainda mais se elas fossem favoráveis ao próprio Juscelino. O desgaste de seu governo, contudo, acabou minando a candidatura do marechal. Inclusive porque do outro lado estava o carismático Jânio Quadros.
Sobre o autor
Vitor Amorim de Angelo nasceu em Vitória (ES) em 1982. É historiador formado pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é pesquisador do Centre d’Histoire do Institut d’Études Politiques de Paris, onde desenvolve trabalho sobre o tema deste livro. Autor de A Trajetória da Democracia Socliaista: da fundação ao PT (EdUFSCar, 2008).
Fonte: Luta Armada no Brasil, 2009
Autor: Vitor Amorim de Angelo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2018
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