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Deus sabe seu nome - Por Mário Gurgel

Cabo Ailson Simões, primeiro da esquerda, de pé

No imenso território conquistado ao mar, beijado pelas mesmas brisas que chegam do oceano, altivo como um gesto e impressionante como um apelo, o monumento aos pracinhas mortos na Segunda Guerra se destaca imponente, entre a terra, o céu e o mar. A bandeira esvoaça brandamente como um lenço de adeus e de saudade e as sentinelas marcham em grave silêncio vigiando as poeiras sagradas.

Nas mostras envidraçadas e impecavelmente limpas estão os brasões dos generais vencidos, as armas cativas, os decretos marciais e as fotografias dos exércitos em luta pelas colinas e vales da terra italiana. Uma bandeira nazista, símbolo do Poder e da conquista, estandarte que comandou o império e os sonhos de dominação, está dobrada, a cruz exposta aos olhares curiosos e comovidos das gerações magoadas, que não entendem ainda agora a razão de tanto sangue e de tanta lágrima.

Evidentemente, não se pode comparar a grandeza material da obra com a pobreza cívica da gratidão nacional aos pracinhas que retornaram vivos e extenuados para a colheita da grande ingratidão brasileira. Mas, diante daquele eloquente depoimento, as razões secundárias se afogam para não perturbar a romaria espiritual que transforma o silêncio dos mortos em fortes clarinadas de advertência e de glorioso sacrifício. Uma reverência diante de cada campa e um silêncio mais introspectivo diante dos nomes familiares que a saudade conservou intactos no íntimo do nosso coração e da nossa alma. Mostramos ao nosso filho — que nos acompanha — os nomes de Manoel Furtado, Apolinário dos Reis, Antonio Faria, Ailson Simões, Aquino Santos, a quem conhecemos meninos, depois rapazes, por fim heróis. Mesmo alarmados e intranquilos, foi preciso dizer à criança qual era o seu dever.

Nosso espírito está recordando e vivendo a emoção de Carlos Lacerda na sua visita a Pistóia e o magnífico trabalho que publicou em sua coluna do Correio da Manhã, em que comparava as cruzes do cemitério sobre as covas rasas com carteiras de uma escola e os mortos gloriosos com os alunos que estavam em silêncio, e tinham recebido o seu prêmio, pela tranquila consciência do dever cumprido. Nossa mente está voltada para Maurício de Medeiros, estrangulado de dor, falando da glória do filho naqueles dias tormentosos e a cruciante certeza de não o ver, depois, na esquadrilha comandada por Nero Moura. Ainda agora em janeiro o ilustre brasileiro desabafou a sua torrente de saudades nas páginas ensopadas de lágrimas ardentes.

Lá fora a cidade está tumultuada e febril. A nação cresce, o progresso chega, o debate empolga, a mocidade estuda. Os rapazes do monumento estão ali, quietos e solenes, como os viu naquele dia de sol e de luz, na Itália quase flagelada, o jornalista e escritor, agora Governador do mais culto Estado da Federação. Nas lajes de mármore estão inscritos os nomes dos marujos e das tripulações civis sacrificadas nos afundamentos. Há flores de cera e de plástico pobres e inexpressivas, enfeitando as alas do recinto. Não existe uma lâmpada votiva, como no túmulo de Rui e no monumento da Independência. Lâmpada que esteja perenemente acesa, flores naturais e frescas, para simbolizar a obstinada obrigação de velarmos por aqueles altares da espontânea imolação daquelas vidas em flor, vidas que se ofereceram para termos o direito de nos atirar hoje à mais inglória e insolente luta de grupos, que se enovela na vergonha dos apetites, insultando a memória deles, que deixaram seus sonhos, suas oficinas, suas academias, seus leitos e suas flâmulas, para atenderem ao batido "da heróica pancada e deixarem suas folhas dobradas enquanto iam morrer".

Algumas catacumbas não estão registradas. Dizem apenas que ali jaz um herói da Força Expedicionária Brasileira. E, como um grito de saudação triunfal e imponderável, no imenso coral de gloriosas vozes, está inscrita a frase maravilhosa: "Deus sabe seu nome”

01/08/63

 

Fonte: Crônicas de Vitória - 1991
Autor: Mário Gurgel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2019

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