Espírito Santo segundo o Governador Francisco Alberto Rubim
Extraordinário documento para se ter uma ideia do que era Espírito Santo no início do século XIX, mais precisamente em 1816, final da época colonial, é o relatório enviado ao ministro e D. João VI, o Conde da Barca Antônio de Araújo e Azevedo, pelo então governador do Espírito Santo, Francisco Alberto Rubim. Esse documento encontra-se no Arquivo Nacional, no Códice 602, volume 4. Nele o muito operante governador Francisco Alberto Rubim relaciona as vilas e povoações existentes, as aldeias indígenas, os lugares notáveis, os portos e os rios, as estradas de comunicação, as suas distâncias, o nome e o número de engenhos, além da quantidade de habitações e habitantes.
Inicialmente Rubim relata a posição dos limites do Espírito Santo com Minas Gerais, fala sobre o quartel do Porto de Souza, quartel de Lorena e o comércio dessas regiões com a povoação e Linhares. Descreve então a povoação de Linhares, suas terras férteis e formosas, fala dos indígenas cuietés. Linhares tinha 36 residências e 224 habitantes, havendo um hospital militar. A lagoa de Juparanã e a abundância de peixes são relatadas, assim como a grande fazenda Bom Jardim, na margem sul do rio Doce, pertencente a João Felipe de Almeida Calmon, que se ligava por estrada ao quartel de Aguiar, na barra do rio Doce e ao quartel de Regência Augusta.
Ao sul do rio Doce ele descreve o quartel do Riacho, o quartel de Aguiar e o de Comboios. Em seguida, após tratar da fundação do que chama de distrito do Rio Doce, inicia sua narrativa sobre a região de Nova Almeida com sua igreja, casa da Câmara, suas engenhocas e seus 553 habitantes. A descrição segue falando da barra do rio Jacaraípe, da freguesia da Serra, do Mestre Álvaro, de seus 23 engenhos de açúcar, de 14 engenhocas, das 312 habitações da Serra com 2.410 habitantes.
Na sequencia fala da ponte de Maruípe, construída em 1800, no rio Santa Maria, que dava acesso a ilha de Vitória. Faz referencia aos 2 engenhos de açúcar e as 4 engenhocas de Carapina, que possuía 189 residências com 2.146 habitantes, para passar a tratar do que era então a vila de Vitória, em 1816, com seu porto onde figuravam o cais das Colunas, próximo a casa do governo, o cais do Azambuja, o cais Grande, o cais do Santíssimo, o cais do Batalha e o porto dos Padres. Vitória é descrita com suas igrejas de Nossa Senhora da Vitória do Colégio dos Jesuítas, da Santa Casa da Misericórdia e mais seis igrejas, duas ordens terceiras, convento de S. Francisco, convento de Nossa Senhora do Carmo, repartições públicas, fortaleza do Carmo e fortaleza de São João. Impressionante era a enormidade de grupos militares aquartelados: Corpo de Troca de Linha, Companhia de Infantaria, Corpo de Pedestres, três Corpos Milicianos, Batalhão de Artilharia, Companhia dos Henriques e Regimento de Infantaria, com duas Companhias de Cavalaria, todos eles assistidos por um Hospital Real Militar. Na educação havia um professor régio de gramática latina e mais dois mestres. Vitória era servida por três fontes de água: a da Capixaba, a da Lapa e a da Fonte Grande, que atendiam aos 4.171 habitantes, que viviam em 937 residências. Além de ser sede do governo era também sede de comarca, vivia do comércio e suas casas eram na maioria sobrados ditos "modernos".
O relatório fala em seguida do povoado de Cariacica, com seus 4 engenhos de açúcar e 10 engenhocas, com seus 2.186 habitantes, usando 345 moradias e em seguida do povoado do Cachoeiro, no rio Santa Maria, onde iniciava uma estrada que seguia até Ouro Preto em Minas Gerais, chamada Estrada Real São Pedro de Alcântara ou estrada do Rubim. Informa ainda que, entre a margem sul da baía de Vitória (compreendendo a foz do rio Cariacica e o porto de Itacibá) e o rio Santo Agostinho, existiam 20 engenhos de açúcar, 12 engenhocas, 3 igrejas com 2.243 habitantes usando 244 moradias. Muito interessante observar que os nomes desses engenhos e engenhocas acabaram por denominar bairros hoje existentes como Paul, Jucu, Itapoca, Campo Grande, Flechal, Cariacica, Itacibá, etc.
Em seguida trata o governador da povoação de Viana, a qual muito elogia pelo progresso, sendo defendida dos indígenas por 4 quartéis militares, possuindo um "médico", olaria, moinho de água, 249 habitantes em 58 casas e muita produção. Sobre Vila Velha fala do convento da Penha, da cadeia, da igreja matriz do Rosário e dos problemas de mangues e inundações provocadas pelo rio Jucu, da grande criação de gado, da fortaleza de S. Francisco Xavier da Barra, da povoação de Barra do Jucu, Ponta da Fruta, dos 6 engenhos de açúcar e 4 engenhocas, tendo Vila Velha 427 casas com 1.627 habitantes em seu termo.
Seguindo em vila sul o governador Rubin descreveu os da Conceição de pescadores da própria vila de Guarapari com sua igreja matriz de N. S. Adão Velho, e uma capela do Coração de Jesus, falou da enseada denominadas de Meaípe, dos rios Una, Meaípe e Engenho Velho, dos cinco engenhos de açúcar denominados Muriquióca, Rapado, Adão Velho, Fazenda do Campo (2) e de quatorze engenhocas denominadas de Una, Coutinho Morais, Tabepucu, Camaragi, Rio do Engenho, Casca de Ostras, Piaúra, Aldeia Velha (2) e Lameirão (4). Guarapari tinha 279 habitações com 1.97 habitantes.
Após a lagoa de Maimbá iniciava o território de Nova Benevente (Anchieta) que atingia até a praia de Piabanha, perto da barra do rio Itapemirim, onde estava a região da Vila de Itapemirim. Descreveu em seguida Nova Benevente, junto ao rio Iriritiba, com sua bela igreja de N, S. da Assunção, seu convento, casa da Câmara, cadeira e casa dos vigários. Falou em seguida do rio Piúma, das enseadas e ilhas. Havia seis engenhos de açúcar denominados Quatinga, Itaúna, Três Barras, Monte Ubu, Boa Vista e Inhaúma, e quatro engenhocas de aguardente denominadas Taubina, Uraru, Ponta Grossa e Inhaúma. Os seus 1.862 habitantes usavam 324 residências. Após descrever a praia de Piabanha falou sobre a barra do Rio Itapemirim, boa para acolher barcos e, informou que meia légua rio acima estava a povoação de Itapemirim, que se havia tornado independente pelo alvará de 27 de junho de 1815, se que sob a denominação de Vila de N. S. do Amparo de Itapemirim.
Grande entusiasta do desenvolvimento do vale do Itapemirim, o governador Francisco Alberto Rubim falou da existência de um "caxoeiro" a seis léguas de distância (hoje Cachoeiro de Itapemirim), onde mandou estabelecer, para proteção e apoio ao desenvolvimento da região, dois quartéis, um na parte norte, guarnecido por tropas da capitania do Espírito Santo, e outro no lado sul do rio, construído e guarnecido, estranhamente, por soldados da Segunda Divisão de Minas Gerais. Esses quartéis, com a denominação de quartel da Barca, em homenagem ao conde da Barca (Antônio de Araújo e Azevedo), deram origem a Cachoeiro de Itapemirim e estavam situados próximos de onde é hoje o Cemitério Municipal (lado norte) e início do bairro Baiminas (lado sul). Interessante é a informação de que o quartel do lado sul estava sob a responsabilidade de soldados mineiros que ali haviam chegado, a 30 de Agosto de 1814, através de uma picada na floresta, vindos de Minas Gerais Essa área, entre a vila de Itapemirim e o quartel da Barca (Cachoeiro) era povoada por grandes fazendas de cana de açúcar, com oito engenhos denominados Areia, Cardoso, Cutia, Boa Vista, Barra Seca, Poço Grande, Paineiras e São Gregário da Ribeira.
Informou ainda que a distância de três léguas ao sul Itapemirim ficava o quartel de Boa Vista, que servia também registro (posto fiscal de mercadorias e pessoas) da capitania do Espírito Santo, sendo guarnecido por um alferes e vinte soldados, e estava situado sobre uma barreira à beira-mar. Dali, mais quatro léguas, chegava-se ao rio Itabapoana, onde havia outro quartel, que, como só era usado para passar os viajantes, era guarnecido com apenas três soldados do quartel de Boa Vista. Pouco distante havia a fazenda da Muribeca, que fora dos antigos jesuítas, com seu engenho de açúcar e sua imensa criação de gado. Próximo ficava a fazenda Santa Catarina das Mós, onde iniciava a capitania do Rio de Janeiro e que estava a oito léguas da vila de Itapemirim.
O governador Francisco Alberto Rubim, refere-se às “belas margens do rio Itapemirim” e relembra os constantes ataques indígenas na região, inclusive aquele que, havia pouco mais de trinta anos, expulsou os habitantes das minas de ouro do Castelo, onde existiram as povoações de Barra do Rio Castelo, Caxixe, Arraial Velho, Salgado e Ribeirão, o que acabou dando origem ao povoado da vila de Itapemirim, para onde eles se dirigiram, levando a imagem de N.S do Amparo, para a qual construíram a primeira igreja. A vila de Itapemirim possuía, em 1816, 140 residências, com cerca de 2.000 habitantes.
Em seu resumo final o governador Rubim cita que o Espírito Santo possuía 5 vilas, 7 povoações, 7 freguesias, 5 igrejas filiais, 3 colégios que foram dos jesuítas, 1 Santa Casa de Misericórdia, 4 capelas particulares, 3 conventos franciscanos, 1 convento do Carmo, 2 ordens terceiras, 7 portos de mar, 10 rios principais, 76 engenhos de açúcar, 68 engenhocas de aguardente, 3.523 residências e 22.527 habitantes. Mas faz uma ressalva quanto ao número de habitantes, por supor que o número seria bem maior se os senhores de escravos declarassem quantos realmente possuíam. Os indígenas obviamente não eram contados.
Esse relatório, assinado na data de 25 de junho de 1816, é certamente o mais completo e profundo demonstrativo do que era a antiga capitania do Espírito Santo no final da época colonial.
Fonte: Espírito Santo: Histórias, realização Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), ano 2016
Coleção Renato Pacheco nº 4
Autor: João Eurípedes Franklin Leal
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2016
Pero de Magalhães de Gândavo, autor da 1ª História do Brasil, em português, impressa em Lisboa, no ano de 1576
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