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Imigrantes criaram no ES biotipo especial

Italianos: o grupo étnico que deu a maior contribuição para a formação do biotipo capixaba

Não há dúvida alguma de que o biótipo capixaba tem uma composição bastante diferenciada dos demais surgidos em outras regiões brasileiras, principalmente quando confrontado com os modelos dos estados do Sul do País, onde predominam também os povos de origem européia. Muito embora haja uma certa coincidência na imigração que povoou esses estados com a do Espírito Santo, o resultado, quando se trata do biotipo, é, de certa forma, bem modificado na sua apuração.

Por vários motivos. No Sul do País, o elemento europeu permaneceu em suas regiões de forma isolada, mantendo a originalidade de suas características raciais. O que equivale dizer: onde, por exemplo, instalou-se o alemão, o seu padrão racial manteve-se, através de gerações, a salvo de variações genéticas que, no caso específico do Espírito Santo, transformado num caldeirão racial, contribuíram para a formação de um biotipo de características muito especiais. De fato, aqui, por influência da organização da imigração européia, baseada em núcleos de colonização, houve praticamente desde o início um entrelaçamento étnico entre os imigrantes envolvidos no processo colonizador iniciado em meados do século passado.

Para melhor explicar a singularidade da formação do capixaba, temos de levar em consideração que os núcleos de colonização tiveram origem em europeus de diferentes origens étnicas, dando início a um povoamento com alemães, suíços, belgas, tiroleses, pomeranos, austríacos, holandeses, luxemburgueses, poloneses, Hunsruck (dominando Domingos Martins) e, predominantemente, italianos. Passados 147 anos do início da colonização, sobressai hoje no Estado um biotipo de cor clara para jambo e de cabelos castanhos para aloirado, que contrasta com as características raciais vigentes no Sul do País, onde a maioria da população é de cor clara e cabelos louros.

Destaca-se das várias diferenças existentes entre a colonização do Sul do País e a capixaba o papel desempenhado pela Igreja, sobretudo a protestante. Enquanto no Sul limitou-se a aceitar o confinamento que se impôs cada etnia, aqui a Igreja serviu de união entre os colonos que professavam o protestantismo, ao passo que o catolicismo não se constituiu em obstáculo para os casamentos interraciais dos italianos.

Face ao papel da Igreja e à estruturação da colonização européia a partir de núcleos, as colônias, especialmente a de Leopoldina (que deu origem ao município de Santa Leopoldina), foram realmente o primeiro grande caldeirão racial que resultou no biotipo hoje predominante entre os capixabas.

A formação do biotipo capixaba se processou através de etapas. Quando chegaram a Santa Leopoldina, os europeus se instalaram em regiões diferentes, porém próximas, que receberam nomes conforme a origem do grupo étnico ali estabelecido. Os suíços que chegavam iam para a Suíça, os tiroleses para o Tirol, os holandeses para a Holanda e Holandinha, os luxemburgueses para Luxemburgo. Pode parecer, à primeira vista, que fosse uma maneira deles reviverem nostalgicamente suas origens. Na verdade, os nomes de seus países de origem foram usados para superar a dificuldade com a língua, pois, de um modo geral, cada família que desembarcava no Espírito Santo desejava ficar junto aos de sua origem. O nome da terra antiga facilitava o reencontro.

A igreja protestante, no entanto, deu a contribuição decisiva para a interligação racial desses colonos de diferentes origens. Como se dava isso? Por exemplo, a igreja de Luxemburgo também era freqüentada pelos belgas, enquanto os alemães, no seu templo, conviviam com os pomeranos. Até os holandeses, que eram calvinistas, adotaram a igreja protestante. Já os italianos, que viriam a ser a presença mais forte no biotipo capixaba, encontravam-se instalados num local mais distante, chamado Timbuí, que mais tarde se transformaria em Santa Teresa. Não só por essa razão, mas também por professarem uma religião diferente, na pirâmide do biotipo capixaba eles acabaram sendo a sua viga mestra.

Antes, porém, de analisar a importância da participação dos italianos no processo colonizador, vamos checar com mais detalhes a contribuição das outras etnias na região de Santa Leopoldina. Freqüentando a igreja protestante, os colonos foram obrigados a aprender o alemão de Lutero, a chamada língua alta, ajudando assim a superar as dificuldades de comunicação entre eles, geradas pelas diversidades de idiomas reinante na região. A Igreja serviu, também, para promover os casamentos inter-étnicos.

É bem verdade que, para chegar o ponto em que homens e mulheres de origens raciais diferentes selavam o compromisso de um destino comum, algumas dificuldades tiveram que ser superadas. De início, os casamentos ocorriam somente dentro do próprio grupo racial: alemão só casava com alemã. Em Santa Leopoldina, os colonos europeus conheceram também o perverso processo de discriminação em prática no Estado, dos quais foram vítimas que mais tarde, depois de devidamente instalados e ambientados, viriam a pôr em prática contra índios e negros, seguindo uma prática adotada por lusos e lusos-brasileiros (estes, aliás, os principais responsáveis por extermínios de índios e pela violência da escravidão contra os negros).

Para os lusos-brasileiros, os imigrantes europeus eram tão sub-raça quanto índios e negros. Os colonos travaram conhecimento com eles por ocasião de sua chegada quando havia necessidade de derrubar imensas matas para formarem suas propriedades. Para sobreviver até a formação de sua lavoura, muitos colonos, no caso específico de Santa Leopoldina, foram obrigados a trabalhar como diaristas, nas fazendas escravocratas.

Quando se traça paralelos entre europeus que se instalaram no Espírito Santo com os demais que se estabeleceram em outras regiões brasileiras, a diferença principal está na questão da terra. Aqui, os colonos tornaram-se proprietários rurais. Em São Paulo, por exemplo, acabaram como empregados nas fazendas de café. Com o tempo, os colonos do Espírito Santo ascenderam na escala social e evoluíram do setor agrícola para o industrial e comercial, formando tempos depois a nova elite capixaba.

Mas justiça também se faça a eles: foram, na prática, responsáveis diretos pela ocupação do solo capixaba, derrubando matas e abrindo novos caminhos para a instalação de zonas agrícolas e fundando novas cidades e vilas. Enfim, esses europeus foram os verdadeiros desbravadores do Espírito Santo. Porém, em relação às nações indígenas existentes no Estado, a conduta deles não foi diferente: deram seqüência à prática do extermínio dos índios, algo que até então vinha sendo ocupação permanente dos portugueses e luso-brasileiros. Com um detalhe: a terra que eles passaram a ocupar continuavam, até a sua chegada, devolutas, por causa dos índios, principalmente dos botocudos. Eram índios ciosos do seu espaço territorial que, por dezenas de anos, graças a sua coragem e combatividade, mantiveram tanto portugueses quanto luso-brasileiros distantes do interior do Estado, daí por que a colonização portuguesa concentrou-se inicialmente no litoral.

O começo desse processo se dá na região central do Estado, na Colônia Imperial Leopoldina, onde efetivamente começa a miscigenação racial que viria a formar o biotipo capixaba. Irradiou-se daí o processo colonizador para as demais regiões centrais do Estado e Norte capixaba. Ao mesmo tempo foi o principal alvo dos botocudos. Essa luta se estendeu também a outras áreas que os colonos vieram a ocupar.

O ciclo de ocupação tem como base a propriedade familiar. Na medida em que ela foi crescendo, a propriedade familiar desdobrou-se avançando em outras áreas florestadas para fazer as propriedades dos filhos e dos netos. A família corresponde ao tipo que Le Play descreveu como família-tronco. Em regra, três gerações convivem sob o mesmo teto. O que não se reproduziu totalmente no Espírito Santo, em face das condições especiais da disponibilidade de terra para eles. A primeira e a sua segunda gerações viveram em Santa Leopoldina, o que também ocorreu em outras colônias capixabas.

A família-tronco instalou-se no Espírito Santo em propriedade própria, cada uma segundo a capa-cidade da própria família. Com essa sistemática, eles trouxeram para o Estado a pequena propriedade agrícola, a mesma que viria, anos depois, a predominar no Estado, avançando, inclusive, sobre as fazendas escravocratas que havia antes da chegada dos colonos. A seqüência familiar de cada um representou a efetiva colonização do solo capixaba.

Inicialmente, os pais contavam com a mão-de-obra dos filhos para formar e tocar suas pequenas propriedades. Na medida em que iam crescendo, os filhos seguiam para novas terras com as famílias que constituíam. Repetiam o ciclo do próprio pai: cortar a floresta, instalar sua propriedade, cultivar a terra, usando, tal como o pai, a mão-de-obra dos filhos. O mesmo comportamento se repetia na geração seguinte. Dessa forma, eles foram paulatinamente derrubando matas, abrindo propriedades, chegando à fronteira do Estado com Minas Gerais e Bahia.

Na formação de vilas e cidades, o processo é idêntico. Elas surgiram pela necessidade que havia de se estabelecer um centro comercial. Isso ocorreu com Santa Leopoldina, Santa Teresa, Colatina, etc. Nessas vilas, filhos de colonos desenvolveram outras atividades, nas áreas comercial e industrial. Tomaram totalmente conta do setor financeiro. Mas essas vilas serviram, sobretudo, para os casamentos inter-étnicos. Dizer que os colonos miscigenaram com índios e negros não é totalmente verdade. Se houve cruzamento inter-étnico entre eles, foi tão pouco que não chegou a influir na formação do biotipo capixaba. Assim como ocorreu na relação deles com portugueses e luso-brasileiros, os colo-nos foram também bastante cruéis com os botocudos, e discriminaram os negros tanto ou mais do que seus antecessores no Estado.

No município de Santa Teresa, por exemplo, o descendente belga Vitor Vervloet obrigava os negros a desaparecerem de sua frente. Os que desobedeciam as suas advertências eram alvejados a tiros. O assassinato do italiano Drasto Pretti por um negro resultou numa perseguição sem tréguas ao criminoso. Foi abatido, de maneira bastante bárbara, pelos italianos Florêncio Fontana e Henrique Pretti. Depois desse episódio, os negros desapareceram de Santa Teresa.

Só um Estado como o Espírito Santo, que precisava de mão-de-obra estrangeira para colonizar o seu solo, promoveu um processo de transculturação diferente dos outros estados brasileiros. Quando os primeiros imigrantes chegaram aqui, por volta de 1847, a população capixaba era formada por pouco mais de 40 mil habitantes, dos quais 13 mil eram escravos e os demais indígenas, portugueses e luso-brasileiros. Próximo à passagem do século XIX para o século XX, essa população havia ultrapassado a casa dos 100 mil. Tudo por conta da imigração em massa desses europeus.

Portanto, já vem dessa época a sua presença numericamente superior sobre a população nativa e luso-portuguesa no Espírito Santo. E importante assinalar que esse crescimento populacional ocorreu ao mesmo tempo em que se consumava no Estado o extermínio dos índios, tanto pelos luso-brasileiros como pelos próprios europeus. Como disse o viajante francês Saint-Hilaire, que no século passado percorreu o Espírito Santo, "aos olhos deles o botocudo não pertencia à espécie humana: eram animais ferozes". Outras nações indígenas, como a dos puris, também desapareceram pelo mesmo método. As poucas marcas indígenas que sobraram estão nos caboclos do litoral, segundo o historiador Renato Pacheco.

Os negros por sua vez, devido ao processo de discriminação ao qual foram submetidos, foram privados de contribuir com a formação do biotipo capixaba. E certo que não estão de todo ausente. Mas sua presença é notada muito pouco. Prevalecem no biotipo os europeus que chegaram depois dos portugueses, tendo os italianos (correspondentes a 60% da população capixaba) como elemento de agregação das demais etnias provenientes da Europa.

Poder-se-ia alegar que os libaneses e sírios também contribuíram na formação do capixaba. Ledo engano. Eles, segundo Mintaha Alcuri Campos, em Turco Pobre, Sírio Remediado e Libanês Rico, casavam entre si. Esses casamentos eram tão importantes que os pais costumavam vigiar os filhos, fossem eles homem ou mulher, para impedir namoro com gente de outra origem. Seu livro é farto em depoimentos que falam dessa situação. Já a presença dos ingleses, embora bastante razoável em Piúma, não resistiu muito tempo. O mesmo ocorreu com os americanos em Linhares, que para lá foram na esperança de extrair jacarandá. Os espanhóis que foram também para Linhares sumiram no contexto da população capixaba. Dos belgas, o registro ficou por conta da família Vervloet, precursora da burguesia rural, mas eles também não influíram na composição do biotipo capixaba.

Excluídos do ponto de vista quantitativo índios, negros e sírios libaneses, permitiu-se o crescimento das demais etnias vindas da Europa, à exceção, é claro, dos lusos, pois grande parte deles (como afirma o professor Renato Pacheco em sua entrevista em outro lugar deste encarte), deixou o Estado logo depois de decretado o fim da escravatura. Os que ficaram aqui evitaram casamentos com outras raças, portando-se sempre como classe superior. Mas não demorou muito para serem substituídos inclusive como classe dominante, que hoje é formada pelos descendentes de italianos e principalmente pelo biotipo predominante no Estado.

Para se tornarem predominantes no biotipo capixaba as etnias européias estenderam-se por todo o Estado, conquistando um status, como bem disse o sociólogo Emilio Willems, em seu livro sobre a presença dos alemães, no Brasil, "que a sociedade escravocrata, xenófoba, oligárquica, negara às primeiras levas dos imigrantes. Mais tarde, a adoção de uma porção cada vez maior de elementos na cultura quebrou o insulamento das comunidades locais. Todavia, todas elas, a princípio puramente agrícolas, urbanizaram-se e, abandonando o antigo exclusivismo agrícola, surgiu na classe capitalista".

E sua formação é interessantíssima, pois o seu ajustamento começou pelo idioma. A profusão de dialetos e idiomas nas regiões, onde se estabeleceram levou à necessidade de adotar-se uma língua padrão. Na região de Santa Maria do Jetibá, por exemplo, a língua predominante é pomerod. Quem não entendê-lo tem pouca chance de fazer negócios no seu comércio. O mesmo ocorre na região de Domingos Martins, onde predomina o dialeto hunsruck. Com isso, pode o leitor observar que se o indivíduo pertence, por exemplo, ao grupo holandês, por menor que seja a sua escolaridade, ele é um poliglota. E obrigado a falar o seu dialeto junto aos seus familiares, o alemão na sua igreja, o dialeto predominante na região, em transações comerciais (que pode ser o pomerod ou o hunsruck), além obviamente do português. Portanto, quatro línguas.

Foi a capacidade de adaptação do colono europeu que originou um biotipo totalmente diferente do brasileiro no Espírito Santo. Com essa versatilidade ele ocupou a maior parte do território capixaba, principalmente as regiões central e norte, e chegou aos centros comerciais e industriais do Estado para dominá-los através de sua terceira geração, estando hoje presente em todas as principais atividades da sociedade capixaba, sejam elas econômica, cultural ou social.

 

Fonte: A Tribuna, Caldeamento Capixaba – No biotipo capixaba, maior contribuição foi dos italianos, 30/12/1994
Textos: Rogério Medeiros
Fotos e reproduções: Rogério Medeiros e Cilmar Franceschetto
Produção: Alvaro Pandolpho Chaia
Consultores: Professores Renato Pacheco e Hermógenes Lima Fonseca, do Instituto
Histórico e Geográfico do Espírito Santo, e Agostinho Lazzaro (historiador).
Realização: Agência VIX e A Tribuna
Bibliografia: Aculturação no Brasil (Emílio Willems), Etnias e Culturas do Brasil (Manuel Diégues Junior), Turco Pobre, Sírio Remediado, Linabês Rico (Mintaha Alcuri Campos), Escravismo e Transição (Vilma Paraíso Ferreira de Almeida) e Segunda Viagem ao Interior do Brasil (Auguste de Saint-Hilaire).
Copyright: Rogério Medeiros
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2016

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